09 Outubro 2008
“Não podemos deixar os jovens sós. Eles têm o direito a palavras de esclarecimento relacionadas com os temas do corpo, do matrimônio, da família. Procuramos um caminho para conversar de modo mais acurado sobre o casamento, o controle da natalidade, a inseminação artificial e a contracepção”.
Aos 81 anos, o cardeal Carlo Maria Martini, grande biblicista, sempre ponto de referência de uma vasta área, não somente do mundo católico, pode-se permitir ao luxo de falar abertamente também de temas considerados tabu nas hierarquias eclesiásticas. Coisa que faz, com toda a liberdade e a franqueza de que é capaz no livro “Conversa noturna em Jerusalém”, que reúne os colóquios tidos com um confrade austríaco, o padre jesuíta Georg Sporschill.
A reportagem é de Zita Dazzin e publicada pelo jornal La Repubblica, 04-10-2008.
O livro liberado até agora somente em alemão pelo editora Herder, nas próximas semanas será publicado em italiano pela Mondadori. Na versão alemã, lê-se um longo capítulo dedicado aos temas abordados ontem pelo Papa. Um capítulo que trata questões que fazem o mundo católico discutir, como o sexo antes do casamento, a pílula, os preservativos. E, citando os mea culpa de João Paulo II sobre as questões da ciência e do judaísmo, espera-se uma reflexão, mesmo uma “admissão de culpa” sobre os erros da Igreja na matéria delicadíssima das relações familiares. Um convite, de alguma forma, para desculpar-se pela rigidez, pela incapacidade de compreender as mudanças sociais, como também sobre os problemas do momento, como a AIDS em África e a proibição de usar os preservativos como meios de prevenção. “É um sinal de grandeza e de auto-conscientização, se alguém é capaz de admitir os próprios erros e as próprias restrições de ponto de vista”, responde Martini ao padre Sporschill que o pressiona sobre o tema da incomunicabilidade entre os jovens e a Igreja sobre questões tão cruciais.
O arcebispo emérito de Milão, quinta-feira à noite, apresentando um livro sobre Paulo VI no Centro São Fidélis, declarou-se “na última ou penúltima antecâmara da morte”. Mas, no livro alemão, não se resgata e enfrenta com coragem a questão sexual. Martini não hesita em denunciar os “danos” e os “desdobramentos negativos” da Humanae Vitae. “A coisa mais triste é que a encíclica é co-responsável pelo fato de que muitos não levam mais a sério a Igreja como interlocutora ou como mestra – lamenta-se – especialmente a juventude, nas nossas nações ocidentais, agora não pensa de maneira nenhuma em dirigir-se aos representantes da Igreja para questões que estão relacionadas com o planejamento familiar ou com a sexualidade. Muitas pessoas estão afastadas da Igreja e a Igreja afastou-se dos homens.”
O fio vermelho do raciocínio do cardeal – com doença de Parkinson e de volta, depois de seis anos, a Jerusalém para tratar-se na casa dos jesuítas em Gallarate – é aquele da atenção à realidade enquanto se raciocina sobre o plano doutrinal. “Nenhum bispo ou sacerdote ignora que a proximidade corpórea das pessoas antes do matrimônio é uma realidade – explica o cardeal .
E continua:
"Hoje, devemos mudar o modo de pensar, se desejamos proteger a família e promover a fidelidade conjugal. Com engano ou proibição não se pode ganhar nada”.
Uma maneira de raciocinar, à qual o perspicaz biblicista sempre se manteve fiel.
Assim, sobre as questões que medem a distância entre a Igreja e as transformações da sociedade moderna, Carlo Maria Martini comenta: “Hoje, os jovens colocam-se a pergunta: ‘Sou capaz de assumir a responsabilidade de pôr um filho no mundo ou não? ’. Sobre isso, os jovens refletem e falam com pessoas em quem confiam”. Dessa consideração, de fato, nasce um conselho prático: “A Igreja deveria tratar as questões da família e da sexualidade de modo que a responsabilidade de todos aqueles que amam tenha um papel importante e decisivo”.
No entanto, sempre, a atenção aos percursos da vida humana, sem renegar a doutrina. Martini conheceu muito de perto Paulo VI, o autor da encíclica “da pílula”, como era então rotulada.
Na Conversa de Jerusalém, o cardeal descreve a “solidão” do papa Montini na elaboração desse texto a partir do qual foram excluídos ‘os padres conciliares’. Mas, hoje, 40 anos depois, diz Martini, é possível ‘um novo olhar’. Estou firmemente convencido de que o guia da Igreja possa mostrar um caminho melhor”.