14 Novembro 2008
Também no inferno há, às vezes, uma pausa. “Estava no escritório do professor Angiolini, nenhum de nós esperava algo de imediato, quando todos os telefones começam a tocar...”. Quem conta é Beppino Englaro, pai da jovem Eluana, de 37 anos, que está em coma irreversível desde 1992. Nesta quinta-feira, a justiça italiana autorizou a suprimir a alimentação e hidratação que a mantém viva. Beppino mantinha uma longa disputa judicial para alcançar esse objetivo.
Segue aqui a entrevista com Beppino Englaro, realizada por Piero Colaprico, e publicada no jornal LaRepubblica, 14-11-2008. A tradução é de Moisés Sbardelotto
Eis a entrevista.
A sentença chegou e o senhor realmente vai parar de dar entrevistas?
Sim, eu confirmo, chega. Segunda-feira eu disse “stop”. Falei com o canal Tg1 e gravei também com o Bruno Vespa, que me pedia há tempos. Eu disse para ele que estávamos no dia 6.143, hoje estamos no dia 6.146 desde quando ocorreu o acidente com a minha Eluana, e por isso peço para poder retornar à nossa esfera privada. Fim. A última palavra para mim é a que foi escrita pelo Supremo Tribunal. O que mais eu posso dizer? Há anos eu falo.
Não quero forçar, também em respeito a tudo o que aconteceu e daquilo que lhe espera, mas me permite perguntar-lhe, porque eu o pergunto em nome de muitos: o que o manteve e o mantém de pé?
O respeito pelo estado de direito. Não vê que fiz bem ao ter confiança?
A sentença é de 21 páginas.
Exato. O Tribunal diz aquilo que muitas pessoas comuns sabem, isto é, que dar ao paciente o poder de colocar um limite aos tratamentos é uma coisa muito justa. E não significa absolutamente matar.
Praticamente acusaram o senhor de suicídio.
Acredito que é do Tribunal que eu recebi o bem, com cidadão, porque pedia justiça, e os magistrados em Roma e Milão me concederam-na. Eles tentaram viver a situação de uma pessoa que não sou eu, mas Eluana. Com as duas idéias, a sua força de liberdade, com o seu estado vegetativo irreversível. Uma condição que não existe na natureza, enquanto entre nós a medicina pode se aventurar no extremismo da alimentação forçada, do tratamento mesmo quando não tenha mais serventia. Os médicos fazem o máximo, eu respeito, mas se entrarmos nos protocolos deles... Enfim, não podia dizer “não, obrigado”. Para mim, não, esse esplendor da ciência e da vida entendida como respiração eu não quero. Os outros que se ajeitem como quiserem, à vontade.
A idéia de que o senhor tinha razão ajudou-o a mantê-lo de pé?
Eu não. Eluana tem razão. Eu fui a sua voz.
Mas o senhor teve muitos momentos duríssimos e ainda terá outros...
Um pensamento especial me veio à mente nos momentos mais difíceis. Pensei nos campos de concentração.
Em que sentido?
Quando Eluana teve o acidente, todo o nosso mundo, o meu e de minha mulher Sati, mudou. Dia após dia, enfrentamos uma realidade nova e muito, muito complexa. E assim, em um momento qualquer, pensei nos campos de concentração. Pensei nos internados, nos seus sofrimentos. Se aquela pobre gente cerrou os dentes e resistiu, suportou atrocidades inenarráveis, também eu talvez pudesse fazer o mesmo.
Um pensamento muito doloroso...
Mas eu encontrei conforto na comparação, já que me deu a força de não ceder. E depois tive o apoio de amigos e parentes.
E agora?
Agora peço silêncio e respeito. Peço com força, deixem-me desaparecer, deixem-me sair de cena.
Beppino Englaro volta, então, para casa, depois de ter passado algumas horas com Vittorio Angiolini e Franca Alessio. Já havia dito, dias atrás, às irmãs da Misericórdia que cuidam com amor e profissionalismo de sua filha, que não se preocupassem, pois, como ele sempre agiu à luz do sol, assim continuaria fazendo.
Dizer que ele estivesse certo da decisão do Supremo Tribunal talvez seja exagero, mas de que estivesse confiante não há dúvida. Citava, de cor, passagens inteiras dos juízos. Durante anos, nunca quis escrever nem ao menos uma linha sobre o assunto. Convenceu-se quando uma estudante de filosofia, Elena Nave, propôs-lhe a idéia. Englaro vê nos jovens que se apresentam ao trabalho um pouco a sua filha, que não se pôde lançar ao mundo. E assim, enquanto fala com Maurizio Mori, da Consultoria de bioética, o grupo leigo de moralistas fundado por Renato Boeri, enquanto discute ainda com os seus advogados Angiolini e Alessio, enquanto assiste à sua mulher Sati, muito doente, enquanto faz milhares de coisas, não se afasta de uma: “Eluana, nós conseguimos”. Mesmo que ainda não seja verdade, um pouco verdade já é. E isso basta, e ele continua, depois que, durante anos, Beppino tenha sido – palavras suas – “só um errante que clamava à lua”.
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Pai de Eluana: "Colocar um limite aos tratamentos não significa matar. A vida não é só respiração" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU