24 Outubro 2017
O Papa Francisco e as reformas por ele projetadas provocam contraposições. Representantes dos conservadores reagem com uma “correção”; os simpatizantes, com a iniciativa Pro Pope Francis. O que está acontecendo nos bastidores do Vaticano? Falamos com Ludwig Ring-Eifel, editor-chefe da agência KNA (Katholische Nachrichten Agentur).
A reportagem é de Jan Hendrik Stens, publicada por Domradio.de, 23-10-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Recentemente, você esteve em Roma. Que peso têm as críticas ao Papa Francisco e as declarações de solidariedade para com ele na vida cotidiana do Vaticano? Qual foi a sua impressão?
A minha impressão foi de que não se fala muito disso abertamente, só a meia voz, aí sim. É verdade, há uma certa inquietação e um certo mal-estar pelo fato de esses conflitos estarem se radicalizando. O fato de o papa ser rotulado de heresia é uma enormidade que, até mesmo no Vaticano, não pode simplesmente entrar na agenda. Mas, na minha opinião, não existe um verdadeiro debate aberto.
O historiador da Igreja Hubert Wolf, professor em Münster, elogiou na sua entrevista o modo como Francisco trata os seus críticos. Ao contrário dos seus antecessores, ele não os “põe para fora”. Qual é a sua opinião a respeito?
Infelizmente, isso não é totalmente verdade. No passado, ele mandou embora críticos individuais em níveis nem tão elevados. E, ao cardeal Müller, que, em algumas questões de conteúdo estava longe dele, o Papa Francisco não renovou o cargo. Ele se distancia das pessoas que não estão na sua linha, ou, às vezes, critica-as até publicamente, como agora, no último caso, com o cardeal Sarah.
Nesse caso, trata-se do prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Como se explica aquela carta que vimos nesse domingo na mídia?
O papa emitira uma diretriz em que esclarecia que as traduções para os textos litúrgicos – que, na Igreja Católica, são uma coisa muito importante –, no futuro, poderiam ser feitas pelas Conferências Episcopais individuais, e que Roma só colocaria seu visto no fim para a aprovação de tudo. Anteriormente, era exatamente o oposto: antes, Roma havia estabelecido como deveriam ser essas traduções; agora, o papa “inverteu” a questão. Deslocou a competência para as instituições nacionais. O cardeal Sarah é competente nesses temas no Vaticano e tentou fazer um comentário, trazendo de volta para a situação anterior, dizendo: “Um momento: somos nós em Roma que ainda temos a última palavra”.
Mas esse comentário é obra do próprio cardeal Sarah? Por que Francisco escreve, na sua carta, que ela teria sido erroneamente atribuída a ele? Como estão as coisas?
A expressão “erroneamente atribuída” não é clara e provocou incerteza entre os especialistas do Vaticano, a propósito do que o papa pretendia dizer precisamente. Eu acho – pode-se deduzir isso – que o papa quer oferecer ao cardeal uma chance de se distanciar daquilo que ele pensou e de dizer: “Não eram esses os meus pensamentos”. Mas, naturalmente, todos sabem que, na realidade, o cardeal Sarah tem essa visão das coisas. Ele permanece firme sobre a posição de que o centro romano deve ter a decisão definitiva sobre essas questões. Por isso, hoje ele é corrigido pelo papa. E é realmente um modo de proceder excepcional. Eu mesmo, em toda a minha vida de observador vaticano, não me lembro de jamais ter visto algo semelhante.
No entanto, já é também uma segunda vez. Pensemos, por exemplo, na conferência litúrgica que ele proferiu em Londres, em meados do ano passado. Na época, o cardeal Sarah falara da direção da celebração e usou ainda o conceito de “reforma da reforma”. Pouco tempo depois, ele foi chamado pelo papa. Portanto, já temos, pela segunda vez, uma espécie de correção. Você acha que isso terá consequências?
Na minha opinião, dificilmente o cardeal poderá resistir ainda por muito tempo. Ele se encontra em um evidente conflito com o Papa Francisco sobre esse tema muito relevante. E, no Vaticano, ocorre aquilo que acontece em todas as empresas: se eu fico contra o chefe, sou eu que perco.
Se podemos comparar com a situação do cardeal Müller, teríamos ainda mais dois anos de tempo. Naquele ponto, também para o cardeal Sarah, cinco anos terão se passado. Você acha que ele resistirá ainda por dois anos, ou a guilhotina cairá primeiro?
Eu não expressaria isso em termos tão trágicos. Mas eu posso imaginar que o cardeal Sarah poderia pedir uma transferência antes. É possível que ele resista ainda por dois anos, mas, efetivamente, não tem mais nada a dizer. Agora, ele foi repudiado publicamente pelo papa e, por isso, perdeu toda a sua autoridade.
Para encerrar, olhemos para os outros âmbitos da reforma da Cúria. Ele deveria ter entrado na sua fase conclusiva. O Conselho dos cardeais disse recentemente que ainda há duas ou três autoridades vaticanas na agenda. O que se pode dizer de novo sobre isso?
A comissão para a reforma da Cúria, formada por nove cardeais, nesse meio tempo, reuniu-se 21 vezes e iniciou muitas reformas concretas. Muitos dicastérios vaticanos foram fundidos. Quatro dicastérios foram reunidos em um único, para o Desenvolvimento Humano Integral. Depois, outros três foram fundidos. E, em seguida, criou-se um novo secretariado para a mídia. Portanto, uma quantidade considerável de reformas organizacionais concretas que o papa já começou. E agora chegam algumas reformas que dizem respeito a todos os dicastérios. É de se esperar que o papa dê indicações para que, no futuro, em todos os dicastérios, um número maior de leigos e de mulheres devam assumir cargos, que haja mais reuniões colegiais do que hoje, que as competências decisionais em muitas questões sejam repassadas ainda mais para as Conferências Episcopais nacionais, e que o Vaticano ainda seja uma autoridade a serviço das Igrejas locais.
E isso significa também mais uma substituição de pessoal na Cúria?
É difícil dizer até que ponto o papa quer fazer transferências. Mas, sem um mínimo de transferências, as coisas não vão em frente. Francisco também tem um grande problema relativo ao pessoal na administração financeira, onde são abordados os problemas econômicos. Com toda a probabilidade, o cardeal Pell não voltará tão cedo da Austrália. Lá também o papa deverá tomar mais uma decisão sobre o pessoal.
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O que acontece no Vaticano? Entrevista com Ludwig Ring-Eifel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU