23 Outubro 2017
O tom é paterno, a substância, uma desmentida clara e pública. É uma carta com poucos precedentes, que Francisco enviou ao cardeal Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto Divino, ponto de referência dos conservadores dentro e fora da Cúria.
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada por Corriere della Sera, 22-10-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um documento público, assim como era público o texto com o qual o cardeal Sarah interpretara, em sentido restritivo, o motu proprio do papa que havia dado maior autonomia às Conferências Episcopais do mundo na tradução do latim dos textos litúrgicos.
Na sua “humilde contribuição para uma melhor e correta compreensão do motu proprio Magnum principium”, o prefeito do Culto Divino não mudava substancialmente a responsabilidade da Santa Sé – e, portanto, do seu dicastério – no fato de ter a última palavra sobre tudo e, assim, reafirmava uma visão, por assim dizer, centralista.
O papa explica, por sua vez, que as coisas não são assim: “Sobre a responsabilidade das Conferências Episcopais de traduzir ‘fideliter’, é preciso especificar que o julgamento sobre a fidelidade ao latim e as eventuais correções necessárias era tarefa do Dicastério, enquanto, agora, a norma concede às Conferências Episcopais a faculdade de julgar a bondade e a coerência de um e outro termo nas traduções do original, embora em diálogo com a Santa Sé”.
O motu proprio de Francisco sanciona que uma tradução aprovada pelas Conferências Episcopais nacionais não deve mais ser submetida a uma revisão da Santa Sé (“recognitio”), mas sim à sua confirmação (“confirmatio”). E “não se pode dizer” que os dois termos são “estritamente sinônimos ou intercambiáveis”, escreve Francisco a Sarah.
A “confirmatio” da Santa Sé “não pressupõe mais um exame detalhado palavra por palavra, exceto nos casos evidentes que podem ser apresentados aos bispos para uma ulterior reflexão deles”, repete o papa.
Aliás, a “recognitio” indica “apenas a verificação e a salvaguarda da conformidade ao direito e à comunhão da Igreja”, e a tradução de “textos litúrgicos relevantes”, como o Credo ou o Pater Noster, “não deveria levar a um espírito de ‘imposição’ às Conferências Episcopais de uma dada tradução do Dicastério, pois isso lesaria o direito dos bispos”.
A questão não diz respeito apenas à liturgia, mas também toca um aspecto central da reforma de Francisco, já definida na sua primeira exortação apostólica, a Evangelii gaudium de 2013: “Não convém que o papa substitua os episcopados locais no discernimento de todas as problemáticas que sobressaem nos seus territórios. Neste sentido, sinto a necessidade de proceder a uma salutar ‘descentralização’”.
Esclarecido o essencial, Francisco conclui a carta com um pedido ao cardeal Sarah de tornar pública a sua carta, assim como fizera com o comentário: “Enfim, Eminência, reitero o meu fraterno agradecimento pelo seu compromisso e, constatando que a nota ‘Commentaire’ foi publicada em alguns sites e erroneamente atribuída à sua pessoa, peço-lhe cortesmente que proceda a divulgação desta minha resposta nos mesmos sites, além do envio dela a todas as Conferências Episcopais, aos membros e aos consultores desse Dicastério”.
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A desmentida (sem precedentes) do papa ao líder dos conservadores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU