06 Setembro 2017
Nada parou a sua mão. Donald Trump tornou reais os piores temores e pôs fim ao programa que permitia a permanência legal nos Estados Unidos dos chamados sonhadores, os imigrantes sem documentos que chegaram ao país ainda como menores de idade. Consciente do impacto que as possíveis deportações causariam em suas próprias fileiras, o presidente tentou minimizar esse ataque oferecendo uma prorrogação de seis meses enquanto o Congresso busca uma solução para os 800.000 afetados. Um recurso com um desenrolar complexo, mas que, mesmo dando certo, dificilmente apagará uma das decisões mais sombrias de seu mandato. “Que ninguém se engane, vamos colocar o interesse dos cidadãos norte-americanos em primeiro lugar”, tuitou o presidente dos EUA.
A reportagem é de Jan Martínez Ahrens, publicada por El País, 05-09-2017.
A imigração é um alvo aos olhos de Trump. Primeiro foi o muro entre os Estados Unidos e o México. Depois, os muçulmanos. Agora, os sonhadores. Um coletivo, quase 80% de origem mexicana, que encarna como poucos o sonho de multiculturalismo e integração que o país representa desde o seu nascimento. São 800.000 jovens registrados (e outros tantos que poderiam vir a ser no futuro) aos quais o próprio presidente norte-americano chegou declarar que “amava” e a quem prometeu que não precisavam se preocupar – mas que agora, numa canetada, se viram na corda bamba, à espera de que o Congresso decida sua sorte.
Embora defensores da medida apontem motivos jurídicos, o cancelamento do programa, anunciado pelo Departamento de Justiça como “uma desconexão ordenada”, tem uma clara raiz política. o presidente do Partido Republicano se sente à vontade fustigando os imigrantes em situação irregular. Com 11 milhões de estrangeiros sem papéis e o fantasma do ódio pairando sobre as ruínas do cinturão industrial, é nesse terreno que o republicano obtém seus melhores resultados. Aí se reconcilia com sua base mais radical e aparece como o político que cumpre suas promessas. Entre elas a de liquidar um programa que ele mesmo durante a campanha qualificou de “anistia ilegal”.
Mas não é um passo movido apenas pelo credo ultranacionalista. Perdida a batalha por liquidar o programa de saúde de Barack Obama e incapaz por enquanto de levar adiante a sua esperada reforma tributária, Trump encontra na extinção do legado do seu antecessor a energia que necessita para fazer esquecer seus fracassos. Ataca, rompe e avança. Essa perpétua demolição, entretanto, topou com um limite no caso dos sonhadores: as pesquisas mostram que a medida é vista com repugnância na zona temperada do seu eleitorado. Além disso, 78% dos eleitores registrados, segundo uma pesquisa do site Politico, são favoráveis à regularização dos sonhadores.
Essa simpatia mostra a alta penetração social desse coletivo. Os beneficiados pelo programa Ação Diferida para Chegada de Jovens Imigrantes (DACA em inglês) precisam ter entrado nos EUA com menos de 16 anos e viver permanentemente no país desde 2007. Também se exige que não tenham antecedentes criminais e que estudem ou tenham concluído o ensino médio. Em troca, se permite que trabalhem, dirijam, se beneficiem da seguridade social e tenham cartão de crédito. Num sistema implacável com os fracos, o DACA oferece um guarda-chuva, mas em hipótese alguma equivale à concessão de uma residência permanente. É apenas uma cobertura jurídica que evita a possibilidade de deportação e precisa ser renovada a cada dois anos.
Ao apoio de um setor dos republicanos se somaria à pressão externa das grandes companhias. Cerca de 400 executivos, de empresas como Facebook, General Motors e Hewlett Packard, exortaram o presidente a proteger os dreamers. “São uma das razões pelas quais continuamos tendo uma vantagem competitiva global”, escreveram, estimando que sua deportação poderia causar prejuízos de até 460 bilhões de dólares.
Apesar desses fatores, o resultado é incerto. A profunda divisão no Congresso torna nebuloso o futuro dos afetados. Embora a Administração Trump insista em que não se trata de um grupo prioritário para a deportação, é quase impossível que não haja casos de expulsão se nenhuma lei for afinal aprovada. Sobretudo porque as autoridades possuem todos os dados dos sonhadores, como sua data de entrada no país e filiação. “O impacto nas deportações será mínimo. O esforço se centra em criminosos, pessoas com ordens de expulsão e aqueles que retornaram após serem expulsos”, afirmou um responsável pelo Departamento de Segurança Doméstica.
A excepcionalidade do programa DACA não é alheia ao seu atribulado parto. Barack Obama nunca conseguiu o apoio majoritário do Congresso para essa iniciativa. A lei que deveria oferecer cobertura jurídica aos sonhadores, em 2010, foi barrada por cinco votos no Senado, e a Administração democrata acabou impondo um arremedo legal, mediante uma ordem executiva (espécie de medida provisória) em junho de 2012.
Essa falta de apoio parlamentar permite agora que seu sucessor cancele o programa com uma canetada. Além disso, oferece um argumento venenoso à direita mais radical, que o vê como um caso flagrante de extrapolação dos poderes executivos em matéria migratória. Sob esse raciocínio, 10 Ministérios Públicos estaduais, encabeçados pelo do Texas, deram um ultimato a Trump para que cancelasse o programa nesta terça-feira. Caso contrário, recorreriam à Justiça. Diante da ameaça, e contrariando o parecer do seu chefe de gabinete, o general John Kelly, o presidente decidiu suspender o programa.
“Esta Administração não tomou levianamente a decisão de pôr fim ao DACA. Avaliamos o programa cuidadosamente e analisamos seus problemas jurídicos. Só tínhamos duas opções: retirar ordenadamente o programa, protegendo os seus beneficiários enquanto o Congresso trabalha, ou permitir que os juízes cancelem o programa de forma completa e imediata. Decidimos adotar a opção que causa menos perturbação”, afirmou o Departamento de Justiça.
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Trump põe fim a programa de Obama que impedia a deportação de 800.000 imigrantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU