05 Julho 2017
“Se um recém-nascido não tem um potencial que lhe permita realizar suas relações, então todo o esforço para mantê-lo com vida não é mais nem obrigatório, nem é do melhor interesse da criança.”
A opinião é do padre italiano Roberto Massaro, doutor em Teologia Moral e Bioética e reitor do Seminário de Conversano-Monopoli, em artigo publicado no sítio Settimana News, 04-07-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A história do pequeno Charlie Gard, um menino britânico de 10 meses portador da síndrome do esgotamento do DNA mitocondrial, está animando o debate público mundial.
Trata-se de uma doença genética muito rara (apenas 16 casos no mundo) que se enquadro em um grupo de doenças genéticas causadas por mutações em genes nucleares envolvidos na manutenção do DNA das mitocôndrias. Estes são órgãos que fornecem para as células a energia necessária para o seu funcionamento. Em caso de perda do material genético das mitocôndrias, o nosso organismo não produz energia, e os órgãos começam a se deteriorar progressivamente.
Os médicos do Great Ormond Street Hospital, em Londres, que tratam o pequeno Charlie, já tentaram diversas terapias, sem obter qualquer melhoria. O pequeno, portanto, está sendo mantido vivo mediante um respirador e uma sonda nasogástrica e, segundo os médicos, continuar nesse caminho seria não só mais sofrimento para a criança, mas também um gasto econômico desnecessário.
Por essa razão, os administradores do hospital pediram ao tribunal para poderem desligar as máquinas que mantêm o menino vivo, acompanhando a última parte da sua vida com a sedação paliativa.
A essa decisão, os pais de Charlie se opuseram veementemente, usando todos os meios ao seu alcance, seja de um ponto de vista legal, seja econômico. Eles recorreram a todos os três graus da Justiça inglesa e recolheram 1,4 milhão de libras esterlinas para levarem o menino para os EUA, onde um médico tinha lhes assegurado que poderiam tratá-lo com terapias experimentais. A Justiça inglesa e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, no entanto, deram razão aos médicos.
Pessoalmente, sem querer alimentar polêmicas inúteis, acho que esse caso solicita a reflexão bioética sobre pelo menos três pontos:
1) Who? Quem decide a suspensão dos meios de sustento vital?
2) When? Quando suspendê-los?
3) What? O que fazer quando as terapias não asseguram nenhuma esperança de cura?
Em casos dramáticos como o de Charlie, em que o parecer dos médicos e o dos pais está em contraste gritante, a quem cabe decidir? Acho que, no caso específico, as questões são duas e estão entrelaçadas. Mantendo firme a legalidade “na falta de outros remédios, [de] recorrer, com o consentimento do paciente, aos meios disponibilizados pela medicina mais avançada, mesmo que ainda estejam em fase experimental e não estejam isentas de algum risco” (Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração sobre a eutanásia, n. 4), não se pode deixar de levar em consideração que um grande número de médicos e três graus da Justiça britânica consideraram que continuar com as terapias de sustento vital ou tentar mais terapias experimentais constituiria uma forma de obstinação terapêutica, e interromper procedimentos médicos caros ou perigosos, extraordinários ou desproporcionais não é apenas legítimo, mas também necessário.
Quando é lícito suspender as terapias? Para além da tradicional distinção entre meios proporcionais e desproporcionais, parece útil recordar, a esse respeito, os estudos de Richard McCormick sobre potencial relacional nas decisões relativas às intervenções de manutenção ou sustento vital de recém-nascidos com graves malformações.
Para o jesuíta estadunidense, não existem vidas dignas e vidas indignas de serem vividas, porque cada ser humano é de valor incalculável. O que está em jogo, portanto, não é o valor, mas se esse indubitável valor tem ou não potencialidade para realizar a sua própria sobrevivência física para participar do mais alto e importante dos bens: o amor de Deus e o amor ao próximo. Se um recém-nascido não tem um potencial que lhe permita realizar essas relações, então todo o esforço para mantê-lo com vida não é mais nem obrigatório, nem é do melhor interesse da criança.
Se fosse necessário considerar que as intervenções sobre Charlie constituem apenas uma grave forma de obstinação e que a pobre criança britânica não tem mais um potencial para realizar relações significativas, qual seria a tarefa da medicina? Um paciente incurável, consequentemente, é incurável?
Se a medicina fracassou em debelar a doença de Charlie, ela não pode e não deve fracassar em assegurar todas as possibilidades para permitir que o pequeno conclua a existência terrena de forma digna.
É preciso assegurar a Charlie (como, aliás, já está acontecendo) que ele possa gozar do afeto dos seus pais, voltar (se possível) ao seu ambiente doméstico, usufruir a oração e a proximidade da comunidade cristã e morrer sem mais sofrimentos.
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Charlie Gard. Who? When? What? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU