10 Junho 2017
Se a autocrítica do partido for séria e não mais uma jogada de marketing, deveria incluir uma reflexão sobre a democracia. A quem o partido representa: a população em geral ou apenas algumas dezenas de milhares de ricos? Quem conferiu o mandato aos deputados e senadores: milhões de eleitores ou algumas centenas de doadores de campanha? Indaga Leonardo Sakamoto, jornalista e cientista social, acerca da estratégia do PSDB em artigo publicado por Uol, 09-06-2017.
Eis o artigo.
Não chega a ser novidade o desembarque do PSDB do governo Temer – que pode até se salvar de uma cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral, mas continuará sangrando em praça pública pelas denúncias de corrupção.
A grande notícia seria se, no processo de autocrítica pelos próprio erros cometidos, tucanos resolvessem abrir mão de aprovar as Reformas Trabalhista e da Previdência a toque de caixa e levassem o assunto à eleição de 2018.
A agenda principal do PSDB nunca foi Temer, a bem da verdade. Mas os líderes do partido queriam aproveitar a janela de oportunidade a fim de aprovar as impopulares reformas. Dessa forma, pode colher os louros junto ao grande empresariado e transferir o descontentamento da população ao atual ocupante do Palácio do Planalto.
João Doria, por exemplo, fez um discurso inflamado em apoio ao governo Temer quando parte do partido em São Paulo queria votar pelo desembarque. Sabe que qualquer candidato do partido à Presidência da República será execrado em debates na TV ao ter que defender o apoio às Reformas Trabalhista e da Previdência como uma de suas propostas de governo. E nem horas de discurso antipetista e todos os memes do mundo juntos vão salvar uma debandada do eleitorado ao perceber que o tal candidato apoia uma redução em seus direitos.
É isso ou assumir um estelionato eleitoral mais pesado até do que o cometido por Dilma Rousseff ao iniciar o seu segundo mandato em 2015, quando ela colocando em prática o oposto do que prometeu. E sabemos no que isso deu.
O PSDB vai tomando distância do governo Temer como este fosse um monstro. Tucanos vão ficando indignados, fazendo cara de nojinho. Esquecem que o partido foi a parteira da criatura ao não reconhecer a derrota eleitoral de 2014 e a capitanear a queda do governo anterior. Mas não ficou só nisso: também ajudou a ensinar o beabá à criatura, ou seja, como executar as impopulares reformas que interessam ao poder econômico e as medidas necessárias para salvar a cabeça dos corruptos não-petistas. Agora que o monstro dá dor de cabeça, os tucanos fazem de conta que não é com eles.
Se a autocrítica do partido for séria e não mais uma jogada de marketing, deveria incluir uma reflexão sobre a democracia. A quem o partido representa: a população em geral ou apenas algumas dezenas de milhares de ricos? Quem conferiu o mandato aos deputados e senadores: milhões de eleitores ou algumas centenas de doadores de campanha?
Invariavelmente, essa reflexão levaria não apenas à saída do governo, mas a um freio na discussão das reformas – que não contam com apoio da esmagadora maioria da sociedade pelo que pode ser visto por diferentes pesquisas de opinião. Há parlamentares no PSDB com esse entendimento, defendendo que o foco seja alterado para a Reforma Política.
Não se nega a importância de mudar as leis trabalhistas para adaptar o país às novas necessidades da relação capital-trabalho, tampouco de adotar novas regras para o INSS e para previdência pública de forma a garantir estabilidade futura ao sistema. O problema é que isso está sendo feito sem a devida discussão, a ponto dos senadores da base aliada do governo, capitaneados pelo megaempresário e senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), terem aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos, sem nenhuma alteração, o projeto de Reforma Trabalhista.
Apesar dos próprios senadores governistas terem divergência com o texto que veio da Câmara dos Deputados, eles resolveram se abster de propor mudanças, terceirizando o papel de câmara revisora para a Presidência da República, com seus vetos e medidas provisórias.
Político também engole muito sapo. Mas traição é especialmente indigesta. O senador Romero Jucá (PMDB-RR) que pode ser muita coisa, menos burro, diante das movimentações tucanas, foi bem claro: ''Se o PSDB deixar hoje a base vai ficar muito difícil de o PMDB apoiá-los nas eleições de 2018. Política é feita de reciprocidade''. O PMDB, que não terá um candidato viável à Presidência, mas contará com tempo de TV e a maior quantidade de prefeitos, o que rende uma capilaridade como nenhum outro. Em outras palavras, tornou claro o acordo de governabilidade (ou melhor dizendo, a certidão de nascimento do monstrinho) que todos já conheciam.
Quem pariu Michel que o embale. Afinal de contas, ser pai é mais do que ficar com a melhor parte, como as reformas. É também trocar fralda suja de cocô. E ser corresponsável pelos seus atos.
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O PSDB vai tomando distância de Temer, o “monstro” que ajudou a criar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU