17 Abril 2017
“O tubaronato, para usar uma expressão do Raymundo Faoro, cresce, engorda e se expande pouco se importando se a sua riqueza é vista com os olhos da suspeita de que se constituiu ilicitamente, pois o vasto sistema de proteção política, policial e jurídica criou uma fortaleza indevassável que permite a desfaçatez de todos nos hotéis de luxo, nos prostíbulos e nos gabinetes do poder. A contra face de tudo isso é uma das maiores desigualdades do mundo, uma juventude sem esperanças, uma velhice sem amparo exposta às misérias da vida e um povo sem direitos básicos”, analisa Aldo Fornazieri, Professor da Escola de Sociologia e Política, em artigo publicado por Jornal GGN, 17-04-2017.
Segundo ele, “o aguçamento da crise provoca várias e complexas consequências. José Serra, Aécio Neves, Alckmin e Lula correm riscos reais de ficarem de fora do jogo sucessório de 2018. Tudo indica também que foi posto um fim ao sistema de proteção que gozava o PSDB e seus principais líderes. Aécio Neves, o golpista número um, foi apresentado à opinião pública como um dos maiores corruptos do país”.
“Ficou clara também uma evidência que vinha sendo denunciada: o atual governo é constituído por uma quadrilha, chefiada por Michel Temer – avalia o sociólogo. Enquanto Temer e sua quadrilha estiverem à frente do governo, estaremos vivendo num país sem dignidade, com uma sociedade desmoralizada”.
E Aldo Fornazieri conclui: “Neste momento, Lula e o PT precisam ter toda a franqueza e toda a transparência para com a sociedade se quiserem ter um futuro político e um resgate histórico. Nenhuma salvação virá de negociatas com aqueles que agrediram a democracia. Nem a sociedade e nem a militância acompanhariam esses acordos. Nem a anistia ao caixa 2, nem a lista fechada, nada, nestes termos, neste momento, salvará coisa alguma”.
Eis o artigo.
A publicação das delações dos executivos da Odebrecht não foi uma mera revelação de algo que já se sabia. Claro, havia uma suspeita generalizada de que no Brasil existia uma corrupção empresarial e política sistêmica, que vicejava desde sempre. O que as delações revelaram, em termos políticos, é que quase tudo está a venda e quase todos se vendem. Vendem-se medidas provisórias, licitações, leis, tempos de TV, alianças eleitorais, perguntas em debates presidenciais, notícias, fim de greves, impeachments etc. E se vendem o pastor, o sindicalista, o índio, a polícia, o delegado, o prefeito, o deputado, o governador, o senador, o presidente, o juiz. Vende-se a soberania popular e a democracia.
Se a política é vendida e os políticas se vendem é porque há compradores. A Odebrecht deve ser elevada à categoria de símbolo do capitalismo predatório. Outras empreiteiras fizeram o mesmo. O agronegócio, os frigoríficos, os bancos, enfim, da União aos municípios compram-se política e políticos e enriquecem-se empresas com o dinheiro do povo. No vasto balcão da corrupção brasileira, a saúde, a cultura, a educação, as creches, os direitos, a ciência e a tecnologia esvaem-se nos imensos recursos que empresas entesouram pelas valas medonhas da privatização da república.
A necessária punição dos políticos corruptos não pode isentar a punição dos empresários. A delação dos executivos das empresas não deve ser uma mera venda de indulgência para salvá-los, pois os seus pecados contra o povo pobre do Brasil são imperdoáveis.
As elites predatórias, ao se apoderarem dos recursos do povo, seja pela corrupção direta, seja por subsídios, isenções tributárias ou sonegação desenvolveram um modus vivendi do capitalismo brasileiro que consiste em enriquecer sem produzir. Esse capitalismo não sobrevive sem a sua amarração tentacular com os partidos e com as estruturas do Estado, secretarias, ministérios, comissões etc. As planilhas da Odebrecht mostram que o dinheiro das propinas e da corrupção promove uma rentabilidade espetacular, exorbitante, talvez só comparável à do narcotráfico. Somas impressionantes simplesmente passam dos cofres públicos para as empresas estruturadas nos principais ramos de atividade do capitalismo bastardo do nosso país.
Este modus vivendi do capitalismo corrupto e predador que está aí é a continuidade do dissídio colonial, do dissídio escravocrata, do dissídio da República sem povo, do dissídio entre o capital e o trabalho, do dissídio entre os ricos e os pobres, do dissídio entre a desigualdade e a justiça, do dissídio entre os corruptos e o trabalhador que precisa pagar suas contas às custas da escassez de comida na mesa.
Não há como compactuar com esse sistema. Não há como ser condescendente com a corrupção. Que ela seja combatida. Observando as leis e a Constituição, mas que ela seja combatida. Que os inocentes sejam identificados, que as delações mentirosas sejam punidas, que as manipulações sejam desmentidas e que os culpados paguem pelos seus erros. É preciso fender as muralhas da indignidade que sugam a seiva e a vida dos trabalhadores e do povo pobre, e que protegem uma elite aventureira, desumana e impiedosa que está aqui desde que este país foi descoberto pelos portugueses.
O tubaronato, para usar uma expressão do Raymundo Faoro, cresce, engorda e se expande pouco se importando se a sua riqueza é vista com os olhos da suspeita de que se constituiu ilicitamente, pois o vasto sistema de proteção política, policial e jurídica criou uma fortaleza indevassável que permite a desfaçatez de todos nos hotéis de luxo, nos prostíbulos e nos gabinetes do poder. A contra face de tudo isso é uma das maiores desigualdades do mundo, uma juventude sem esperanças, uma velhice sem amparo exposta às misérias da vida e um povo sem direitos básicos.
Independentemente do desfecho conjuntural da atual crise, este capitalismo predatório, com seu sistema político e partidário, com suas estruturas de sustentação no Estado e fora dele, precisa ser queimado, salgado e enterrado para que não viceje nunca mais se este país pretende ter algum futuro digno. Não há como pensar em ir adiante sem um contundente ajuste de contas com tudo isto que está aí.
Com a lista de Fachin, a crise mudou de patamar. Aparentemente, ocorreu um realinhamento de forças no interior do Estado. O centro de gravidade da Lava Jato se deslocou de Curitiba para Brasília. Parece ter havido um alinhamento de estratégias entre o STF, a Procuradoria Geral da República, o Ministério Público, a Polícia Federal, com possível respaldo das Forças Armadas. Ou seja, o Partido do Estado está se unificando e se fortalecendo. Gilmar Mendes sofreu algum tipo de interdição e de enquadramento no STF onde, ao que tudo indica, se constituiu uma maioria em favor das investigações, apurações e julgamento das denúncias. O próprio STF poderá constituir uma força tarefa interna, convocando juízes auxiliares, para acelerar os processos judiciais.
O aguçamento da crise provoca várias e complexas consequências. José Serra, Aécio Neves, Alckmin e Lula correm riscos reais de ficarem de fora do jogo sucessório de 2018. Tudo indica também que foi posto um fim ao sistema de proteção que gozava o PSDB e seus principais líderes. Aécio Neves, o golpista número um, foi apresentado à opinião pública como um dos maiores corruptos do país.
Ficou clara também uma evidência que vinha sendo denunciada: o atual governo é constituído por uma quadrilha, chefiada por Michel Temer. Enquanto Temer e sua quadrilha estiverem à frente do governo, estaremos vivendo num país sem dignidade, com uma sociedade desmoralizada. A imperturbável desfaçatez e falta de caráter de Temer e de sua turma não leva em consideração nenhuma denúncia, nenhuma acusação, nenhuma investigação, nada. É um governo que assumiu o seu cinismo às claras, em plena luz do dia, para que o sol empalideça diante de rostos opacos pela ausência de qualquer traço de moralidade pública. Em vídeo desavergonhado, onde Temer tenta justificar o injustificável, afirma que o que lhe "causa repulsa é a mentira". Pois bem, o que causa repulsa às pessoas dignas são os mentirosos. Temer deveria renunciar. E se o STF não quiser cometer mais um atropelo da Constituição, deve abrir uma investigação contra o presidente usurpador.
Reportagens da imprensa vêm especulando que estaria sendo articulado um acordo envolvendo Lula, FHC e Temer para buscar uma saída política para a crise. É certo que o sistema tentará reagir e que saídas políticas podem ser buscadas. Mas existem saídas e saídas. A melhor saída para o PT e para Lula é assumir suas responsabilidades e propor uma ampla reforma política como caminho de superação efetiva da crise. Claro está, existem tempos exíguos, calendários apertados, ameaças de todos os lados. É preciso sopesar a possibilidade de convocação de uma Constituinte.
Neste momento, Lula e o PT precisam ter toda a franqueza e toda a transparência para com a sociedade se quiserem ter um futuro político e um resgate histórico. Nenhuma salvação virá de negociatas com aqueles que agrediram a democracia. Nem a sociedade e nem a militância acompanhariam esses acordos. Nem a anistia ao caixa 2, nem a lista fechada, nada, nestes termos, neste momento, salvará coisa alguma. Somente a franqueza, a honestidade de propósitos e uma sólida, realista e ampla proposta de reforma política podem ensejar alguma salvação.
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A implosão sistêmica e o agravamento da crise, por Aldo Fornazieri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU