07 Março 2017
A prefeitura de Porto Alegre anunciou na tarde desta segunda-feira (6) que o memorando determinando a redução nos gêneros alimentícios da merenda escolar da rede municipal de ensino "é equivocado" e não representa a posição nem da Secretaria Municipal de Educação e nem do governo.
A reportagem é de Flávio Ilha, publicada por portal Uol, 06-03-2017.
O memorando foi enviado na sexta-feira (3) às direções das 99 escolas municipais pela coordenadora de nutrição da secretaria, Cíntia Silva dos Santos. O documento anunciava uma inédita "redução de gêneros" alimentícios oferecidos na merenda escolar aos alunos da rede pública, além de "controle da alimentação de adultos" [professores e funcionários de escolas]. A medida atingiria 45 mil alunos da rede própria e outros 18 mil das 226 escolas conveniadas.
Segundo a assessoria de imprensa da prefeitura, o envio do documento não foi autorizado pela secretaria. A profissional responsável pelo texto deverá responder a processo administrativo, já que os motivos do envio do memorando, "nos termos em que foi redigido", serão investigados pela secretaria. Em nota, a prefeitura e a secretaria "reiteram que não há e não haverá diminuição da alimentação dos estudantes por falta de recursos".
Além da redução das quantidades de alimentação, o memorando informava que não seria mais permitida a repetição da carne do dia pelos alunos – uma prática comum nas escolas municipais, a maioria delas localizadas em comunidades periféricas onde a merenda é um importante reforço alimentar das crianças em idade escolar. A determinação causou surpresa e indignação na rede pública de ensino de Porto Alegre.
"Neste mês, fizemos algumas alterações nas quantidades de carnes que chegarão às escolas. Foram considerados como critérios: consumo per capita (aluno) e número máximo de refeições/dia realizadas no mês de março de 2016. Informamos que a necessidade de proteína para o período é suficiente com uma porção de carne ou ovos. Não é autorizada a repetição de carnes, nem para alunos, nem para adultos", explicita o documento.
Em outro trecho, o memorando pede que os diretores observem a aplicação das novas regras para evitar "constrangimentos" entre os profissionais. "Pedimos que as direções de escola, junto aos técnicos de nutrição, dialoguem com seus servidores/funcionários, deixando bem esclarecido (sic) as restrições e liberações quanto a esse processo do ato de alimentar-se na escola, para evitar futuros e possíveis constrangimentos".
O secretário municipal de Educação, Adriano Naves de Brito, confirmou as mudanças, mas explicou que o memorando não havia passado pela sua aprovação. "Não teve a minha autorização, o que é um erro", disse. No final da manhã, entretanto, foi oficializada a anulação do ato.
A nutricionista responsável pelo documento disse que o conteúdo do memorando seguiu padrões normais de conduta do órgão nos inícios de ano letivo, em relação a desperdícios e compras de insumos, e que seus efeitos foram "mal compreendidos". Cíntia Silva dos Santos disse também que o teor do documento era do conhecimento do diretor-administrativo da secretaria, Júlio César dos Passos.
A secretaria vem alterando desde o início de fevereiro os cardápios semanais das escolas de educação infantil (entre quatro anos e cinco anos e 11 meses de idade), que já haviam retomado as atividades. A justificativa, então, era para problemas de entrega por parte de fornecedores. Em pelo menos um dia da semana, conforme apurou a reportagem do UOL, não está sendo servido qualquer tipo de carne aos usuários da rede.
A coordenadora-geral da Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa), Sínthia Mayer, diz que a rede de ensino foi pega de surpresa com o memorando. Segundo ela, a redução no fornecimento de gêneros se acentuou no final do ano passado. "Vem diminuindo e atrasando [a entrega]. Se a prefeitura precisa reduzir custos, tudo bem. Mas à custa da alimentação dos alunos? Isso é inaceitável", disse a dirigente. A Atempa anunciou que irá acompanhar a qualidade das refeições para estudar o cumprimento das diretrizes do PNAE e, eventualmente, acionar a prefeitura na Justiça.
Na semana passada, um decreto que altera as diretrizes de organização da rotina escolar já havia provocado revolta entre os docentes do município. Os professores, segundo a nova norma, não poderão mais acompanhar a refeição dos alunos, como faziam desde 2004, e nem computar esse período como hora-aula.
Segundo o secretário de Educação, a avaliação do órgão é de que o horário escolar estava excessivamente "entremeado" com outras atividades. "O que fizemos foi organizar o horário escolar de modo que cada coisa esteja em seu tempo", disse Brito. Os professores questionam o decreto e dizem que vão descumprir a determinação. "As duas medidas, combinadas, vão tumultuar ainda mais o horário das refeições", explicou Sínthia.
Na Escola Municipal de Educação Fundamental Afonso Guerreiro Lima, no bairro Lomba do Pinheiro, zona leste de Porto Alegre, o horário de almoço é marcado por agressões mútuas entre alunos das séries iniciais, até dez anos de idade, e das séries finais, cujos alunos podem ter até 18 anos. "Se com os professores [os alunos] já trocam socos na hora da refeição, imagina sem", afirmou a técnica de nutrição Patrícia Guerreiro Lima.
Localizada numa área conflagrada pelo tráfico, na Parada 12 da Lomba do Pinheiro, a escola tem registros frequentes de alunos armados com facas ou até mesmo armas e fogo de pequeno calibre. Serve entre 350 e 500 almoços por dia, além da janta para os alunos do turno integral e da Educação de Jovens e Adultos (EJA). "Não sei como os alunos vão se comportar [com relação à alteração de cardápio]. Tenho receio de uma reação violenta", disse Patrícia.
Na rede municipal de Porto Alegre, a média por refeição/aluno do ensino fundamental foi de R$ 1,07 no ano passado – R$ 0,30 bancados pelo PNAE e R$ 0,77 custeados pela prefeitura. Conforme a Secretaria Municipal da Educação (Smed), os valores não foram alterados para o exercício letivo de 2017.
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Prefeitura alega erro e cancela redução da merenda em Porto Alegre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU