25 Fevereiro 2017
iO autor de Traité d’athéologie (Tratado de ateologia) voltou à carga. Décadence (Flammarion) revisita dois mil anos de história. Nós não fomos capazes de odiar este poema irritante.
A reportagem é de Jean-Pierre Denis e publicada por La Vie, 12-01-2017. A tradução é de André Langer.
Michel Onfray é um proscrito. É assim que ele se apresenta já há alguns dias em vários meios de comunicação, onde fala livremente para explicar porque não o deixam falar livremente. Entretanto, quando a revista La Vie propôs-lhe uma entrevista leal, embora crítica, ele se recusou com altivez. Passamos pelos nomes de pássaros que ele citou, com sua pena de águia, em um tom muito pessoal. É verdade que eles se explicam por esta coisa triste, lenta e ordinária que chamamos de ressentimento.
Há mais ou menos uma década, eu escrevi um artigo indignado contra o famoso Tratado de ateologia do filósofo perseguido, incensado por um número incalculável de turiferários e hipócritas. Estávamos com raiva, eu admito, porque esperávamos muito tempo por um “tratado de ateologia”, especialmente escrito por uma autoridade tão eminente, trazendo a voz do povo. Mas o livro era, digamos, péssimo. E a nossa decepção foi muito grande. Deus nos perdoe!
É uma sorte, no entanto, que Michel Onfray nos tenha ouvido. Pelo menos queremos acreditar nisso, porque, de maneira visível, ele retomou o trabalho. E que trabalho! Décadence (Decadência), seu novo livro, é apaixonante. De verdade; sem nenhuma ironia. Em primeiro lugar, pela escrita, vasta e lírica, andante e ardente, viva, evocativa, à altura de uma epopeia que ele quer romântica e sangrenta. Em segundo lugar, pelas ideias, pela visão, pela ambição – esta última enciclopédica e sintética ao mesmo tempo. Pensamos em Chateaubriand ou Renan.
Grandes cavalgadas valem mais que conversas de botequim. É um grande livro. Cruzamos nele com a mãe de Constantino: Helena prostitui-se. O discurso das bem-aventuranças é “contra-revolucionário”. O nazismo descende de Rousseau pelas mulheres. Onfray cava, ceifa, derruba, desfruta de seu excesso. Amigo ou inimigo, ele não poupará ninguém. Às vezes, o que ele escreve não é apenas original, mas também é verdadeiro. Ou completamente falso.
Falemos do plano de fundo. A tese central do autor é que o Ocidente e o cristianismo estão entrelaçados e que um morre com o outro. É, atualmente, um ponto de vista muito pouco partilhado, mas que um grande número de elementos corrobora, e que eu defendo há muito tempo sem reserva. Antiguidade, Idade Média, Iluminismo... Para provar isso Onfray desenterra e esclarece com sua viva erudição as grandes controvérsias teológicas e filosóficas. Elas são constitutivas à nossa história. E, no entanto, nós as sepultamos sob a nossa negação e a nossa falta de cultura. O que prova que nós já estamos vivendo no meio das nossas ruínas.
Onfray também se inscreve em uma perspectiva declinista que, também nisso, não goza de boa reputação na imprensa – nem entre os católicos nem entre os pensadores oficiais –, mas que dispõe de sólidos argumentos. Em resumo, os reacionários podem deplorar isso, mas nós não temos mais passado. E os progressistas não ousam mais inventar um futuro que eles tão odiosamente traíram. O presente reduz-se, portanto, a paixões vãs e às vezes tristes, a um “nada” que terá a última palavra. Por isso, o título lúgubre e grandioso: Decadência. Onfray profetiza que a civilização ocidental, portanto cristã, sublinhemos isso mais uma vez, será controlada pelo transumanismo, e que isso será pior, mais violento e mais bárbaro.
Alimentando muitas vezes as mesmas inquietações ou os mesmos fantasmas, eu me alegro que um pensador que antigamente defendia as mães de aluguel comece a sentir um grande terror diante do triunfo do liberalismo tecnicista, consumidor, para não dizer hedonista.
Outro mérito do livro é fazer profundas imersões na cultura cristã. Os Padres da Igreja, por exemplo, e através deles um milênio intelectual esquecido pelos pseudo-cultivados da nossa época inculta. Ele resume isso nesta fórmula bem sua, e que gostaríamos, às vezes, de lhe devolver: “tanta inteligência colocada a serviço de tantas besteiras”. Porque o cristianismo, e o próprio Cristo, não passam evidentemente para ele de “fábulas” e ficções mortas.
Como em Tratado de ateologia, Onfray mistura referências sérias, citações eruditas (aprende-se muitas) e teorias as mais fantásticas, como aquela que nega a existência histórica de Cristo. Nisso se percebe que sua obra não é nem racional nem científica, mas antes poética (não fique nervoso, senhor Onfray, eu sou poeta, é um elogio). Mas entediante é sua mania de reduzir tudo ao antissemitismo, através de alguns textos de São João Crisóstomo (não fique nervoso, senhor Onfray, eu também sou judeu).
Suspenso entre o amor vingativo e o ódio admirativo, está-se, aqui, à beira do cristianismo. Assim como se diz que se está à beira da náusea. Diante do abismo sublime, o autor inclina-se e resiste. Onfray não pode dar o passo, porque o Onfray segura o Onfray. Ele sempre tem o desejo de vomitar esse cristianismo que representa aquilo que ele não consegue digerir das humilhações da sua infância. O que torna esse volumoso livro comovente, irritante, surpreendente e absurdo.
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À beira do cristianismo. Michael Onfray contempla a morte do Ocidente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU