05 Dezembro 2016
A depender do Senado, a retomada da economia vai ser buscada num lance de sorte – ou de azar. Uma Comissão Especial de “Desenvolvimento Nacional” apressa-se para liberar sem restrições a jogatina no País, a partir de um projeto a princípio assinado pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI), decisão que imagina encher os cofres federais com 29 bilhões de reais em tributos, nos próximos três anos, e promover uma avalanche de empregos, na contramão do que o aperto fiscal do governo Temer incentiva. É só uma aposta, por ora, mas o Senado bota fé.
A reportagem é de Nirlando Beirão, publicada por CartaCapital, 05-12-2016.
Cassinos, bingos, apostas eletrônicas, os sweepstakes das corridas de cavalo e até o folclórico jogo do bicho – que passou a se beneficiar de uma clandestinidade tolerada desde o paradoxal dia em que as apostas legais foram cassadas no Brasil – ganharão a luz do dia sem ser incomodados pelas autoridades.
Um desafio para a inapetente iniciativa privada, mais inclinada a jogar nas roletas das bolsas de valores. O governo continuará administrando, via Caixa Econômica Federal, apenas as loterias que já administra, da Mega Sena à Esportiva.
Um elenco de penduricalhos está sendo preparado à guisa de regulamentação “para dar transparência” à lei e evitar a “lavagem de dinheiro”, segundo o relator Fernando Bezerra Coelho (PSB-Pernambuco). Mas a verdade é que nada será obstáculo para que as roletas voltem a girar e as máquinas caça-níqueis, a tilintar.
O projeto dormitava no Senado desde 2014 e o governo Dilma pareceu interessar-se pelo assunto. O controvertido ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves (PMDB do Rio Grande do Norte), chegou a se entrevistar com experts de Las Vegas (EUA) e Punta del Este (Uruguai).
Mas agora, sob os holofotes de certa “Agenda Brasil”, de Renan Calheiros, presidente do Senado, os jogos de azar tornaram-se item número 1 de uma lista indigente de ideias de um governo que joga hoje o tudo ou nada em busca de uma legitimidade impossível. Se depender de Michel Temer e seus asseclas, vai dar galo na cabeça.
A chegada à Presidência, nos Estados Unidos, de Donald Trump, um apostador incurável, mas reconhecido por apostar sobretudo com as fichas alheias, talvez contamine os seus vassalos do Sul e acelere a tramitação da lei, que agora vai a plenário no Senado.
Será interessante observar o comportamento dos senadores José Serra e Aloysio Nunes Ferreira, ambos do PSDB de São Paulo. Quando o governo Dilma falou em liberar o jogo, os dois se enfureceram. Nunes chegou a dizer que aquilo iria “destruir famílias”. Como Serra faz parte do governo e Nunes o apoia, é bem provável que já não estejam tão interessados assim nos efeitos deletérios do carteado e do bacará nos lares brasilinos.
A liberação dificilmente sairá a tempo de se comemorarem, em 2016, os 70 anos de estúpida canetada de um presidente idiota que condenou à morte os cassinos em todo o território nacional. Reza a lenda que o general Eurico Gaspar Dutra atendia às preces de sua mulher, Carmela Leite Dutra, de sugestivo apelido Dona Santinha.
Carola de sacristia, sempre agarrada a um terço e a uma maledicência, Dona Santinha obteve do marido militar, como na história do mago da lanterna, três desejos. O fim do jogo encabeçava o rol. A construção de uma capela no Palácio da Guanabara era o segundo desejo. O último era a cassação do Partido Comunista – daquele sinistro bando de ateus e materialistas. O general Dutra entregou direitinho as encomendas.
O banimento dos cassinos foi decretado a 30 de abril de 1946. Da noite para o dia, sumiam do mapa os mais icônicos redutos do que o Brasil pré-televisão entendia por entretenimento, à moda da Broadway.
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O Brasil vai legalizar os jogos de azar? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU