12 Novembro 2016
O Vaticano tinha escolhido a estratégia do "mal menor". E, no fim, parecia tão resignado à vitória de Hillary Rodham Clinton a ponto de pensar nela como a candidata menos indesejável: embora, talvez, não acreditasse nela até o fim. Donald Trump era considerado "não votável" por causa das revelações sobre o seu machismo agressivo, que se somava às ameaças de deportar para o outro lado da fronteira 11 milhões de mexicanos, de impedir a entrada de islâmicos nos EUA: coisas já arquivadas.
A reportagem é do jornal Corriere della Sera, 10-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em vez disso, o suposto "mal maior" Trump emergiu pelo furor popular como o novo inquilino da Casa Branca, confirmando um Estados Unidos irritado e radicalizado. E, para a Santa Sé, trata-se de uma derrota amarga: cultural, antes que política. Dentre outras coisas, é o sinal de que a Igreja Católica não tinha captado os movimentos mais profundos em curso no maior país ocidental.
A cautela oficial e as palavras de felicitações dirigidas ao novo presidente pelo secretário de Estado vaticano, cardeal Pietro Parolin, foram necessárias e exemplares. Mas são acompanhadas por uma preocupação palpável. É preciso dizer que também teria sido uma derrota se Clinton tivesse vencido, considerada como um bastião do laicismo mais ideológico e indigesto à hierarquia eclesiástica.
Mas Trump é simbolicamente "o homem do muro" com o México. É o porta-voz da precipitada associação Islã-terrorismo. Mais ainda, ele venceu depois de ter se apresentado como barreira "branca" contra a invasão demográfica dos imigrantes latino-americanos, dos quais o papa argentino Francisco é o sumo protetor.
Assim, em Roma, ele foi percebido e retratado como uma espécie de antipapa, para além dos seus méritos e deméritos. Ele mesmo, além disso, escolheu esse papel quando, no dia 18 de fevereiro, acusou Jorge Mario Bergoglio de ser "um agente do governo mexicano para a imigração". O papa voltava de uma viagem à fronteira entre o México e os EUA, onde celebrou uma missa justamente no lado "pobre". E reagiu com uma dureza incomum. "Quem pensa que é preciso construir muros e não pontes", proferiu, "não é cristão."
"Ninguém sabe o que restou na alma de Trump depois das palavras do Santo Padre...", admite um influente cardeal italiano. Na época, o candidato republicano respondeu grosseiramente. Hoje, aquela pergunta repercute na Roma papal, porque o "cristão não cristão" Trump, a partir do dia 20 de janeiro, estará na Casa Branca.
A sua "cultura dos muros" e a islamofobia ameaçam legitimar todos os populismos; e, acima de tudo, abrir caminho nos círculos católicos mais conservadores, que desconfiam dos tons inclusivos de Bergoglio em relação aos divorciados e aos homossexuais e à defesa dos migrantes.
Não é por acaso que, no dia 22 de setembro passado, Trump, protestante presbiteriano, publicou uma lista de "33 católicos conservadores" como conselheiros eleitorais: era uma isca eleitoral.
O arcebispo de Nova York, Timothy Dolan, definiu a campanha presidencial como "repugnante", embora convidasse os católicos a não se abster. E o episcopado estadunidense se manteve em uma posição de equidistância formal, que soou como um distanciamento de ambos os candidatos; mas, no fim, ele pareceu estar desorientado.
Nas dobras escuras das pesquisas, cresceu silenciosamente um "partido de Trump" afeiçoado ao lema "Deus, Pátria, família e armas", caro aos Estados Unidos profundos e apoiado por partes de organizações católicas poderosas como os Cavaleiros de Colombo, por ser contrário ao aborto e às uniões gays.
Por fim, no Vaticano também se falava, em voz baixa, da existência de alas da Cúria fascinadas por Trump, em oposição à "laicista Hillary" e como inimigo de um establishment apodrecido pelo poder. Trata-se de setores minoritários, mas que agora se sentem fortalecidos.
O líder é o cardeal Raymond Leo Burke, crítico duro das aberturas de Bergoglio: Burke já abençoou o novo presidente como "defensor dos valores da Igreja". Mas, por trás dele, adivinham-se bênçãos invisíveis de cardeais e bispos de peso, inclinados desde sempre pela "sacralidade da vida": "guerreiros culturais" contra o Partido Democrata de Barack Obama e dos Clinton.
A luta contra o aborto é um dos pontos de encontro entre Trump e o episcopado católico estadunidense, que teme uma Suprema Corte e uma legislação progressistas demais. Além disso, poderia emergir uma sintonia com Francisco, se se confirmar uma política mais conciliatória com a Rússia de Putin, que o Vaticano considera um aliado no Oriente Médio e nas relações com o mundo ortodoxo.
No fundo, no entanto, a verdadeira incógnita para Bergoglio continua sendo o Ocidente e a sua metamorfose cultural. "Acreditamos que poucos bispos votaram em Trump", explica um profundo conhecedor dos EUA na Santa Sé. "O problema é que muitos católicos votaram nele."
Isso significa evocar uma opinião pública atravessada por pulsões que vão na direção oposta à indicada por Francisco: na América e na Europa, onde a categoria do populismo deve ser conjugada com menos suficiência, porque envolve também pessoas que não são populistas. Há quem preveja que, se Bergoglio não recalibrar a estratégia, no próximo conclave, poderá despontar um papa ultraconservador.
O texano com chapéu de caubói e crucifixo no pescoço, feliz com a eleição de Trump, que, na quarta-feira, 8 de novembro, foi entrevistado pela mídia estadunidense na audiência na Praça de São Pedro, não era uma anomalia. Era o emblema de um paradoxo destinado a sacudir a Igreja de Francisco.
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Eleição dos EUA e Vaticano: os cardeais que torcem por Trump - Instituto Humanitas Unisinos - IHU