Painel debate questões sobre papel da mulher na igreja

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30 Setembro 2016

“A igreja feriu a mulher de inúmeras formas, mas ela também vem sendo um dos lugares de maior cura para mim enquanto mulher”, observou Rachel Held Evans, escrita cristã de grande sucesso e colunista cujos seguidores de seu blog e de sua página no Facebook chegam a dezenas de milhares.

A reportagem é de Catherine M. Odell, publicada por National Catholic Reporter, 28-09-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Evans proferiu a palestra de abertura num painel em 22 de setembro intitulado “As Mulheres e a Igreja: um diálogo interdenominacional”, ocorrido na Universidade de Notre Dame, no estado de Indiana, EUA. O subtítulo provocativo do evento – “O cristianismo é ruim para as mulheres?” – ajudou a encher o auditório com estudantes de graduação, docentes e curiosos vindos de várias tradições cristãs.

A promessa de um diálogo apaixonado sobre o atual papel e a presença da mulher nas igrejas cristãs não decepcionou. Três cristãs articuladas e profundamente comprometidas, vindas de três alas distintas da família cristã mais ampla, se puseram a partilhar suas opiniões e experiências de igreja. Além de Evans, o Centro de Filosofia da Religião da universidade também convidou duas palestrantes católicas bem-conhecidas para trazer pontos de vista diferentes. Completando o painel estiveram a Irmã Simone Campbell (diretora executiva da organização NETWORK e porta-voz do movimento Nuns on the Bus) e a escritora, palestrante e (autoproclamada) autora conservadora católica Mary Rice Hasson, também pesquisadora do Centro de Ética e Política Pública da Universidade Católica da América, em Washington, DC.

Por vezes durante a troca de ideias, que durou duas horas, alguns dos que escutavam entre o público certamente se perguntaram: Será que estou no evento errado? Será que não estou em mais um evento de debate político? As trocas de ideias se deram de maneira educada. Um compromisso com o cristianismo e com o Evangelho era algo compartilhado entre todos e todas. Mas diferenças profundas igualmente estiveram claras. Cada uma das palestrantes tinha uma história diversa para contar sobre o lugar da mulher na igreja.

Evans abriu a noite contando sobre a descoberta que fez quando cursava o ensino médio, de que a igreja que costumava frequentar não a permitia fazer uso dos dons de liderança e de palestrante que tinha porque, afinal, ela era uma mulher. Este despertar cruel seguiu-se a um testemunho de fé proferido na adolescência a um grupo de jovens evangélicos em que participava. Durante semanas ela se preparou estudando as Escrituras.

“Depois de dar o meu testemunho”, disse, “me sentei perto de um jovem com quem ia junto para a escola. Ele falou: ‘Uau, Rachel, você é uma palestrante e uma pregadora realmente boa. Que pena que é uma menina’. Entendi exatamente o que ele quis dizer. Eu fazia parte de uma igreja que proibia mulheres de ensinar e liderar”.

“Eu nunca me encaixei nos moldes que a minha igreja evangélica queria que eu me enquadrasse”, continuou. “Sempre me senti muito mais à vontade falando sobre teologia e política com as pessoas”.

No entanto, disse também, ela amava profundamente a sua igreja. “Aquelas pessoas me ajudavam em tempos difíceis”. Mesmo assim, escolheu deixar a igreja há alguns anos porque a instituição não acolhia pessoas LGBTs. Esta era uma exclusão que Rachel considera incoerente com o Evangelho.

Hasson, estudante de pós-graduação da Universidade de Notre Dame, disse que entendia os desafios que as mulheres enfrentam nos ambientes masculinos. Segundo ela, décadas atrás na faculdade de direito as alunas vestiam roupa social com gravatas desajeitadas quando estavam se formando. Elas queriam se certificar de que os potenciais empregadores as levariam a sério – como os homens.

No entanto, em se tratando de Igreja Católica, continuou, os cristãos devem ter uma visão mais ampla e global ao avaliar o tratamento dispensado a elas. A resposta à pergunta “O cristianismo é ruim para as mulheres?” é, claramente, um “não”, declarou a palestrante. “A resposta é um claro ‘não’”.

No mundo inteiro e ao longo dos séculos, de acordo com Hasson, a Igreja tem defendido os direitos e a dignidade da mulher dada por Deus. Ela lembrou um diálogo recente que teve com uma estudante de pós-graduação católica queniana na Universidade Católica da América. A jovem lhe contou que missionários cristãos e alguns padres estão convencendo os pais quenianos a pararem de maltratar as filhas. “Muitas vezes as meninas não eram bem alimentadas, ou não eram mandadas para a escola. A cultura não as valoriza tanto quanto os meninos. Os missionários ensinaram as pessoas que Deus ama a todos nós e nos fez igual em dignidade”.

O segundo ponto trazido por Hasson é uma questão filosófica.

“É impossível saber se alguma coisa – como o cristianismo – é boa a menos que conheçamos o seu propósito”, explicou. “Então, qual o propósito do cristianismo? Certamente ele não se resume à autorrealização ou a viver o melhor que a vida oferece. Ele não é também um movimento de justiça social. Enquanto cristãos, iremos nos preocupar com a justiça social, mas este não é o propósito do cristianismo”.

O propósito, disse ela, tem a ver com Deus, o criador, que fez cada pessoa à sua imagem e que quer que tenhamos uma vida eterna junto dele. “E assim o objetivo da igreja é nos ajudar na caminhada em direção a Deus e à vida eterna”.

Embora admita que a Igreja Católica tenha tido lideranças que cometeram erros, a palestrante contou ao público que acredita que a Igreja é um presente sobrenatural: “Eu olho para a estrutura, a autoridade e as verdades que a Igreja tem e transmite. Creio que estas coisas vêm de Deus”. Um sacerdócio composto somente por homens, acrescentou, faz parte dessa estrutura dada por Deus. “Não cabe a mim questionar”.

A Irmã Campbell, assim que iniciou a falar, se pôs primeiramente a responder ao que disse Hasson.

“Venho aqui com muito menos certezas do que você, Mary”, declarou a religiosa. Em seguida, também compartilhou algumas experiências que teve na igreja enquanto mulher. Conforme disse, ela teve uma “fase feminista intensamente raivosa”.

“Quando cursava a faculdade de direito, me tornei bastante consciente da exploração feminina dentro da igreja”, contou. “E eu fiquei furiosa (…) durante meses! Não conseguia me conter, e as minhas pobres irmãs com quem convivia foram extremamente pacientes e amorosas. Elas me acolhiam todas as noites e escutavam as minhas mais recentes descobertas...”.

Foi logo depois de se tornar advogada e ter aberto o Centro de Direito Comunitário, em Oakland, na Califórnia, para atuar no direito de família e servir aos pobres trabalhadores, que um importante insight lhe ocorreu.

“Parte dos motivos pelos quais me tornei advogada era que eu não poderia ser ordenada ao sacerdócio”, disse. Mesmo assim, ela se via “mediando mistérios” e “ministrando a clientes” como se fosse uma pessoa ordenada. “Percebi que a limitação em um ambiente me levou a ser uma ministra de um tipo diferente numa outra atmosfera”.

Campbell igualmente começou a crer que a igreja havia se tornado culturalmente aprisionada, fechada em padrões medievais de liderança e patriarcado. “Aí estava a dificuldade. Se lermos o Evangelho como leio”, continuou, “veremos que Jesus se envolvia com as mulheres como se fossem companheiras, tendo aparecido primeiro a Maria Madalena. Maria foi a primeira pessoa a saber da Ressurreição. Jesus incentivava a liderança feminina”. Em nossa época, destacou a religiosa, “penso que estamos tendo problemas para descobrir como viver o Evangelho numa cultura em transformação”.

Evans concordou que Jesus é o melhor modelo quando o assunto é o tratamento dados à mulher.

“Na qualidade de protestante”, afirmou ela, “sempre percebi que os ensinamentos da igreja devem ser postos em cheque diante dos ensinamentos das Escrituras. Não vejo nas Escrituras estas inúmeras limitações à mulher, limitações que vejo em muitas expressões da igreja”. Evans acrescentou que até mesmo o apóstolo Paulo bendisse das mulheres como companheiras, de Lídia e de Febe, esta última como diaconisa.

“Quando olho para Jesus, o que vejo é um alguém que centrou o seu ministério em torno dos desajustados: pessoas que não se encaixavam nos moldes. Assim, vemos o eunuco etíope como uma das primeiras pessoas convertidas a Cristo. A meu ver, se o Evangelho não é uma boa nova aos desajustados, então não é uma boa nova. Se ele não é uma boa nova aos pobres, às mulheres ou à comunidade LGBT, então não é uma boa nova”.

Hasson respondeu dizendo que algumas mulheres católicas vêm gastando tanta energia na defesa da ordenação feminina a ponto de ignorarem outras oportunidades de atuação.

O Papa Francisco, disse ela, está abrindo portas e convidando ao diálogo sobre os novos papéis para a mulher na Igreja Católica.

“Somos diferentes porém iguais em dignidade. Mas por que estamos tentando fazer parecer o mesmo a homens e mulheres?”, perguntou Hasson. “A meu ver, a igualdade de gênero não tem nada a ver com isso”.

“Me permitam falar uma heresia aqui”, disse Campbell jocosamente, quiçá tentando encontrar um denominador comum em questões contenciosas como a ordenação feminina. Novas maneiras de ver este e outros assuntos, insistiu a irmã, poderiam ser fiéis ao Evangelho e aos ensinamentos da Igreja.

“Dizemos que a ordenação é uma extensão do batismo porque, quando somos batizados, somos todos ordenados como sacerdote, profeta e rei”, disse ela. “A doutrina católica diz que existem todos os tipos de batismo: batismo de desejo, batismo de sangue, batismo de água. Se temos tipos diversos de batismo e a ordenação é uma extensão do batismo, por que não existem tipos diferentes de ordenação?”.

O cristianismo é ruim para as mulheres?” O diálogo interdenominacional ocorrido na Universidade de Notre Dame em torno desta pergunta pode ter acabado com mais dúvidas do que certezas. Mas uma busca por respostas, foi o que as painelistas pareceram estar dizendo, faz parte da caminhada cristã na fé – para homens e mulheres.

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