29 Setembro 2016
"No Brasil o racismo e o sexismo moldam de tal forma nossa visão de mundo que podemos cair em armadilhas até quando buscamos soluções. Uma arapuca fácil de cair é confundirmos inclusão social com inclusão racial", escreve Paulo Inácio Prado, professor do Instituto de Biociências (IB-USP), publicado por Jornal da USP, 28-09-2016.
Eis o artigo.
No Brasil o racismo e o sexismo moldam de tal forma nossa visão de mundo que podemos cair em armadilhas até quando buscamos soluções. Uma arapuca fácil de cair é confundirmos inclusão social com inclusão racial.*A renda média de negros é de cerca de metade da renda dos brancos no Brasil [1], um país em que 75% dos presos são negros e 72% dos que têm nível superior são brancos [2]. Esses e tantos outros dados revelam o papel estruturante da desigualdade racial em nossa sociedade, o que Caetano e Gil nos lembram cantando “presos são quase todos pretos, ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres” [3].
A atual correlação entre renda e raça pode nos levar a pensar que promover a inclusão de pessoas mais pobres na universidade é também uma ação afirmativa racial. De fato, o Inclusp, programa de inclusão de alunos da escola pública na USP, aumentou indiretamente a proporção de alunos de menor renda familiar e que se autodeclaram “pretos, pardos ou índios” (PPI) [4] .
Será que o Inclusp cumpre o papel das cotas raciais? O gráfico abaixo mostra que não. Desde a criação do Inclusp, 5% dos candidatos que aderiram ao programa e se declararam PPI conseguiram ingressar na USP.
A taxa de aprovação foi de 9,3% para candidatos brancos que não participaram do Inclusp, uma diferença de 80%. Mais reveladora ainda é a desigualdade racial entre os mais pobres: a diferença a favor dos candidatos brancos é maior entre os candidatos Inclusp do que nos que não aderiram ao programa.
No Brasil o racismo e o sexismo moldam de tal forma nossa visão de mundo que podemos cair em armadilhas até quando buscamos soluções. Uma arapuca fácil de cair é confundirmos inclusão social com inclusão racial.
A lição aqui é simples: políticas de inclusão por critérios socioeconômicos não combatem o racismo, porque ele está presente em todos os estratos de nossa sociedade. Trocar cotas raciais por econômicas é uma maneira um pouco mais sutil de negar a discriminação racial no Brasil.
Equivale a dizer que basta compensar as diferenças de oportunidades devido às diferenças de renda que não haverá mais desigualdade no vestibular. A exclusão dos candidatos de baixa renda é sem dúvida uma injustiça que deve ser reparada com as políticas de inclusão social.
Mas isso não resgata a dívida histórica que o Brasil tem com seus cidadãos pretos, pardos e índios. Nem pode servir para nos omitirmos de saldar essa dívida.
Referências:
[1] Renda média dos brasileiros negros em 2013 era de 57% da renda média de brancos (R$ 921,18 contra R$ 1.607,96). Anexo estatístico da publicação Políticas Sociais – Acompanhamento e análise (Ipea) n. 22.
[2] Cerca de 75% dos presos no Brasil são negros (Report of the Working Group of Experts on People of African Descent on its mission to Brazil, 4 – 14 December 2013. United Nations, Human Rigths Council, GE.14-16864 (E), enquanto a taxa de escolarização de nível superior no Brasil em 2009 era de 8,3% para negros contra 21,3% para brancos (Retrato das desigualdades de gênero e raça. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – 4ª ed. Brasília: Ipea, 2011.
[3] Haiti, canção de Caetano Veloso.
[4] Matos et. al., 2012. “O impacto do Programa de Inclusão Social da Universidade de São Paulo no acesso de estudantes de escola pública ao ensino superior público gratuito”. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 93(235), 720-742; Inclusão social e racial aumenta entre calouros da USP em 2015. Relatório da Pró-Reitoria de Graduação da USP.
*Os dados analisados aqui foram obtidos do site da Fuvest. Um relatório com análises mais detalhadas também está disponível no portal.
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Cotas sociais não promovem inclusão racial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU