17 Agosto 2016
A advogada Alka Pradhan conta que não tem acesso às evidências de como aconteceram os interrogatórios da CIA, o que perguntaram aos seus clientes, e que o governo se esconde atrás da segurança nacional.
A reportagem é publicada por Página/12, 13-08-2016. A tradução é de André Langer.
“Eu escrevi uma reportagem em 2013 que esclarece que a maioria dos detidos jamais deveria ter pisado em Guantánamo. Apenas um punhado daqueles que foram capturados estiveram envolvidos com o talibã ou com a Al Qaeda”, sustenta a advogada Alka Pradhan, assessora de direitos humanos e representante de presos em Guantánamo, em conversa com Página/12.
Pradhan visitou Buenos Aires na semana passada para uma palestra na Faculdade de Direito da UBA, como parte de um giro pela região para promover o fechamento da prisão. A advogada, de 34 anos, é defensora de ofício designada pelo Pentágono para representar Ammar al-Baluchi, um dos cinco homens que é acusado de ser o suposto organizador ou de ter participado dos atentados do 11 de setembro de 2001.
Estes detidos, qualificados pelo secretário de Defesa Donald Rumsfeld como “o pior do pior”, são julgados pelas chamadas Comissões Militares de Guantánamo. Trata-se de cortes ad hoc que utilizam suas próprias regras sobre o que é possível, e que foram criadas pelo governo de George W. Bush para condenar os prisioneiros capturados ilegalmente e torturados em cárceres clandestinos.
“O julgamento pelo 11/09 é o maior julgamento penal na história dos Estados Unidos e ninguém está prestando atenção nele porque o governo estadunidense quer que se mantenha em segredo. Ammar esteve três anos detido pela CIA, foi brutalmente torturado e o governo jamais provou nada contra ele. Isso demonstra a grande piada que este julgamento será. Mas queremos nos assegurar de que o mundo inteiro olhe para ele”.
Para a defesa, é muito difícil levar adiante este julgamento, já que o juiz ainda não definiu a modalidade e as leis comuns não se aplicam, disse a advogada. Além disso, no caso de al-Baluchi, Pradhan não tem acesso às evidências de como aconteceram os interrogatórios da CIA, o que lhe perguntaram, nem em que condições. O governo se esconde atrás da segurança nacional e mantém a informação em segredo, conta Pradhan.
“Ammar estava em uma cela congelada, preso pelos braços e bateram nele. Isso é muito importante para nós, mas querem nos conformar com sumários que dizem ‘que lhe perguntaram isto e que ele respondeu aquilo’. Não querem dar detalhes sobre a tortura”. Ammar al-Baluchi esteve preso em um centro clandestino da CIA em algum lugar do mundo, disse, além disso, a advogada.
Ao tomar conhecimento, Pradhan solicitou, e obteve, uma ordem judicial para que a prisão clandestina fosse preservada como evidência para o julgamento contra seu defendido. No entanto, a ordem judicial não foi respeitada. “Pedimos acesso ao lugar de detenção para poder estudá-lo. Mas em fevereiro tomamos conhecimento de que fazia dois anos que a Promotoria pediu e obteve autorização do mesmo juiz para destruir o local e que o fizeram sem nos comunicar”.
Pradhan disse que muitas das coisas que aconteceram ao seu cliente ela as viu no thriller hollywoodiano Zero Dark Thirty, porque o governo deu mais informações à diretora Kathryn Bigelow do que aos advogados. “Tomamos conhecimento das técnicas utilizadas através do filme. A Promotoria parece estar mais interessada em que a CIA tenha uma boa imagem em um filme do que em julgar o meu cliente”.
Durante a campanha eleitoral de 2008, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, prometeu que não permitiria mais torturas de detidos e que iria fechar Guantánamo, e em seu segundo dia de governo assinou uma ordem executiva ordenando o fechamento da base. “Disse repentinamente que vai fechar Guantánamo. Os Estados Unidos não torturam e vou me certificar para que isso não aconteça”, disse na época.
Não apenas não cumpriu, mas culpa o Congresso por não ter conseguido manter aquela promessa, já que o Capitólio aprovou uma série de leis que a impediram, entre elas a retirada de financiamento para transferir e alojar os supostos terroristas estrangeiros dentro do território estadunidense. No entanto, também é verdade que em plena campanha para sua reeleição, Obama voltou atrás ao assinar, em 2011, a Lei de Autorização de Defesa Nacional que permite a detenção indefinida dos presos e impõe restrições para tirá-los da prisão na ilha.
“O presidente gosta de culpar o Congresso, mas ele fez campanha com isto e tinha suficiente capital político para fechá-la quando chegou à presidência. A maior vergonha desta presidência não é apenas que não a fecharam, mas que nem sequer disseram ao mundo que essas pessoas detidas ali não estiveram envolvidas em uma guerra contra os Estados Unidos”.
Para a advogada, isto faz com que alguns dos países que se prontificaram a receber os detidos não o fizeram por medo de que lhes mandem terroristas. E os Estados que, apesar de tudo, decidiram acolhê-los – por razões humanitárias ou por proximidade com Washington – o fizeram praticamente às cegas, já que a única informação que receberam do governo estadunidense foi o nome da pessoa, seu país de procedência e quanto tempo passou em Guantánamo, disse a advogada.
Um exemplo é o do Uruguai, que acolheu como homens livres seis prisioneiros que faziam parte do primeiro grupo de ingressantes em Guantánamo, entre eles um dos clientes de Pradhan, o sírio Jihad Diyab. Ele foi capturado em uma suposta base da Al Qaeda no Paquistão em 2002, mas seus advogados dizem que ele era vendedor de mel e estava ali para um tratamento médico.
“Não posso estar mais agradecida com os países que decidiram acolhê-los. Mas, apesar de que teve as melhores intenções, o Uruguai não contemplou o nível de cuidado que Diyab necessitava. Trata-se de pessoas que estiveram institucionalizadas e que não se pode tirar da prisão depois de 13 anos e dizer a elas que podem ir para casa”. Há duas semanas, Dihab foi preso e isolado na Venezuela, após estar desaparecido durante meses.
A proposta de transferir Guantánamo para os Estados Unidos é, para Pradhan, uma bofetada de advogado de Obama para fazer algo antes de deixar a presidência. “Isso viola toneladas de leis. Nenhum dos advogados dos detidos vai permitir que sejam transferidos para uma prisão de máxima segurança quando nem sequer foram julgados. Obama é muito desonesto; ninguém dos envolvidos com Guantánamo vai perdoá-lo jamais pelo fato de que não fechou a prisão e que nem sequer se encarregou de dizer a verdade. E se Trump vencer as eleições, estará tudo acabado”.
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“Não perdoamos o desonesto Obama”, diz advogada dos presos de Guantánamo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU