11 Agosto 2016
"Só podemos compor a realidade juntos. Negando o outro, eu apago uma parte de mim mesmo, uma parte da realidade, à qual não posso mais ter acesso. É como se eu me mutilasse. Sozinhos, não somos nada." Assim repetia incansavelmente Dom Pierre Claverie, bispo de Oran, Argélia, morto há 20 anos, no dia 1º de agosto de 1996, junto com o seu amigo Mohamed, em frente à porta de casa.
A reportagem é de Anna Pozzi, publicada no jornal Avvenire, 09-08-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um carro-bomba – sobre o qual restam muitos mistérios – punha fim à vida de dois homens, um cristão e um muçulmano, que, com a sua amizade, tinham testemunhado que era possível viver juntos, mesmo naqueles anos horríveis da guerra civil argelina.
Uma mensagem de grandíssima atualidade, em um mundo marcado por divisões, violências e ódio, em que o tema da religião – e do Islã, em particular, com todas as manipulações e as instrumentalizações de quem faz dele um instrumento de morte – também irrompeu nas nossas sociedades secularizadas, semeando medo e desorientação.
O pensamento de Dom Claverie, dominicano que se tornou bispo, ecoam hoje para além das fronteiras da Argélia como uma advertência e, especialmente, como convite à esperança. Esperança de um mundo unido e em paz, de um mundo plural, fundamentado no encontro e no diálogo na verdade.
"Não se constrói nada sobre a mentira", repetia ele. Assim como não se constrói nada sobre a ignorância e sobre a rejeição do outro. E, se o encontro pode ser difícil, porém, ele representa um indispensável "acréscimo de vida".
O tema do diálogo e do encontro, para Pierre Claverie, não representa simplesmente um exercício espiritual ou retórico. É uma parte fundamental da sua vida. Nascido em uma família francesa na Argélia, Claverie, assim como muitos outros cristãos, não quisera deixar o país que tanto amava, nem mesmo depois da eclosão do conflito interno que durou todos os anos 1990.
Ele foi o último de uma longa série de mártires cristãos da Argélia, 19 no total, religiosos e religiosas, que, da primavera de 1994 até, precisamente, o dia 1º de agosto de 1996, foram brutalmente assassinados. Pela sua fé. Mas também por causa da sua fidelidade à Argélia e ao povo muçulmano que ali habita.
"O diálogo – já dizia ele em 1981, no momento da sua posse como bispo de Oran – é uma obra que deve ser continuamente retomada: é a única possibilidade de desarmar o fanatismo, em nós e no outro. É através do diálogo que somos chamados a expressar a nossa fé no amor de Deus, que terá a última palavra sobre todas as potências de divisão e de morte."
Pierre Claverie insistiu muito nesse tema, escreveu e pregou exercícios, concedeu entrevistas aos jornais e participou de programas de TV. Ele não fugia da denúncia pública até mesmo dos temas políticos e sociais mais prementes, que, muitas vezes, colocavam em causa a política francesa ou a do Ocidente.
Há 30 anos, ele já falava da inevitável onda imigratória que afetaria a Europa, "que se enriqueceu e se despovoou", enquanto grande parte da humanidade continua vivendo em condições de pobreza.
"A Europa vai mudar de rosto", preconizava. "Por isso, será necessário aprender a viver juntos e, se possível, a manter um espaço que não seja monopolizado por uma religião, por uma cultura ou por uma ideologia."
Ao mesmo tempo, vivendo em um país muçulmano, onde grupos de terroristas tinham usado e mutilado o Islã para fazer dele uma arma de guerra, ele advertia sobre o risco de um desvio que poderia ultrapassar – como, com efeito, está acontecendo – as fronteiras da Argélia.
Claverie falava de um Islã "desenraizado dos seus valores profundos, ao mesmo tempo humanos e espirituais, e que se tornou um fator político, que o transforma hoje em um instrumento de violência". Mas também advertia – e este também parece ser um grito para hoje – contra os "compromissos fáceis" e o risco da indiferença.
"Nem a religião, nem uma ideologia qualquer, nem um projeto político – escrevia ele em uma carta de 1993, publicada na Itália na coletânea Lettere dall’Algeria (Edizioni Pauline) – podem justificar as mortes cotidianas às quais a opinião pública parece, infelizmente, se habituar e se resignar."
Certamente, por causa dessa sua franqueza, Claverie era uma figura incômoda para muitos. O fato de se colocar nos "lugares de fratura", como ele mesmo gostava de repetir – sem, no entanto, abandonar-se a eles, mas buscando o sentido profundo da sua vocação religiosa e o anseio íntimo ao encontro com o outro, cristão ou muçulmano que fosse –, muitas vezes, colocou-o em posições difíceis e delicadas.
No entanto, ele sempre optou por "estar no meio", até o dom extremo da vida. "O encontro era a questão central na vida de Pierre Claverie", escreve a Ir. Anne-Catherine Mayer, no prefácio do livro Petit traité de la rencontre et du dialogue (Cerf, 2004). "Ele trabalhou incansavelmente para pôr em relação as pessoas mais diferentes. O encontro também é para nós um desafio permanente na variedade das nossas comunidades humanas: as do trabalho, da família ou da vida religiosa (…) Sem parar, encontramo-nos diante do outro, vivemos juntos situações idênticas, mas – interroga-se a religiosa e nos interroga – realmente nos encontramos?".
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Dom Pierre Claverie, o diálogo para desarmar o fanatismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU