09 Agosto 2016
Em um discurso na convenção anual dos Cavaleiros de Colombo, em Toronto, um importante católico sírio expressa gratidão pela ajuda financeira do Ocidente, mas insiste que os países ocidentais devem rejeitar alianças com nações do Oriente Médio que não respeitam a liberdade religiosa.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 03-08-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Um dos principais líderes católicos no Oriente Médio disse que a própria existência dos cristãos no Iraque e na Síria está em risco, e que eles irão desaparecer a menos que o Ocidente exija que os países ricos da região defendam o “direito humano fundamental” à liberdade religiosa.
“A própria existência das igrejas orientais, aquelas igrejas que advêm do tempo dos apóstolos, está em jogo, em perigo”, disse Patriarca Ignatius Joseph III Younan da Igreja Católica Siríaca na quarta-feira, em um discurso à convenção anual dos Cavaleiros de Colombo.
Os cristãos são uma “espécie em vias de extinção”, disse Younan, ao mesmo tempo denunciando que o genocídio atual dos cristãos, ao contrário daquele dos armênios no início do século XX, está acontecendo “diante dos olhos de todo o mundo, e a indiferença mundial é impressionante”.
Segundo ele, a sobrevivência dos cristãos no Oriente Médio “não estará assegurada pela agenda hipócrita e maquiavélica dos países poderosos e dos políticos ocidentais”.
Younan estava se referindo ao Ocidente e às Nações Unidas, que forjam acordos com países do Oriente Médio ricos, por exemplo para acessar suas reservas de petróleo, quando simultaneamente fazem vista grossa quando se trata da violação do princípio por excelência da Declaração Universal dos Direitos Humanos: a liberdade religiosa.
Dirigindo-se à sessão de abertura 134ª Convenção Suprema dos Cavaleiros, que acontece em Toronto, no Canadá, Younan afirmou que, uma vez que a liberdade religiosa no Oriente Médio está intrinsecamente ligada à religião islâmica, os cristãos da região não conseguem entender como os países ocidentais podem fechar seus olhos para o perigo representado pelos partidos políticos com base no Islã.
Ele também desafiou a percepção de que não há nada inerentemente violento com o Islã.
Para exemplificar este ponto de vista, Younan citou um ditado da Irmandade Muçulmana do Egito, disponível no sítio eletrônico do partido fundado em 1928: “Alá é o nosso objetivo. O Profeta é nosso líder. O Alcorão é a nossa lei. A Jihad é nosso caminho e morrer por Deus é o nosso maior desejo”.
Ele então disse que os cristãos também estão prontos a doar suas vidas por Cristo, enquanto sustentou que o que está acontecendo no Oriente Médio, nos Estados Unidos, na Europa e o que aconteceu com o assassinato da semana passada do padre francês Jacques Hamel, é a “Jihad”.
“Quem ensinou esses dois jovens que mataram o padre francês?”, perguntou-se Younan. “O Ímã deles os isolou quando crianças e quando jovens, e disse-lhes para memorizar todos os versículos do Alcorão”.
O texto sagrado muçulmano, segundo o religioso, possui versos que inspiram tolerância, mas também há uns que instigam violência.
“Se contarmos a essas crianças que tais versos vêm, literalmente, de Deus, seremos capazes de transformar os jovens em uma besta: uma vez que eles não têm a exegese e precisam memorizar esses versos, não será fácil impedir que se tornem terroristas ou assassinos”, disse ele.
O patriarca disse que, frequentemente, ouve uma pergunta de seus irmãos bispos e até mesmo de líderes sírios que vivem no Ocidente: “O que se pode fazer pelos cristãos na região?” Ele disse que “muito pode ser feito”, começando por promover a aplicação do princípio da liberdade religiosa, considerada pelas Nações Unidas como um direito humano fundamental.
“Não se pode firmar alianças com regimes que discriminam, ou que não aceitam a liberdade religiosa dos não muçulmanos (…) Não é honesto ou sincero aliar-se a um tal regime para dizer que temos um relatório anual sobre a liberdade religiosa”, disse Younan.
Ainda que ele não tenha apontado o dedo a certos grupos específicos, os comentários do líder religioso podem ser facilmente interpretados como uma referência direta aos Estados Unidos, aliado de países como a Arábia Saudita, ao mesmo tempo em que banca uma Comissão de Liberdade Religiosa Internacional, grupo que produz um relatório anual que adverte sobre o crescimento da intolerância religiosa em todo o mundo.
A Arábia Saudita, país mais rico da região, “permite” que estrangeiros cristãos entrem no país como trabalhadores temporários, motivo pelo qual há um número estimado de 1,2 milhão de cristãos que vivem lá, a maioria dos quais oriundos das Filipinas.
Estes cristãos não têm permissão para praticar a sua fé abertamente e itens pertencentes a religiões diferentes da religião islâmica são proibidos. Portanto, a Bíblia, crucifixos ou estátuas da Virgem Maria não são permitidos.
“Estou aqui não para pleitear ajuda humanitária, que muito tem feito. O que mais precisamos é que se levantem e defendam a nossa liberdade religiosa e os nossos direitos civis”, disse Younan, pedindo que os países ocidentais, juntamente com a Federação Russa, a China e a ONU, falem aos países da região que não é mais aceitável para eles continuar sem separar religião e Estado.
Ele, no entanto, reconheceu que a situação no Líbano é diferente, já que os cristãos aí não são vistos como cidadãos de segunda classe; eles não são forçados a se converter ao casarem com uma pessoa muçulmana, nem são forçados a registrarem-se como cristãos em uma repartição civil, tal como precisam fazer em outros países.
“Não podemos encontrar uma solução, porque ninguém nos ajuda, ninguém diz a esses regimes que esta situação já não é mais aceitável”, afirmou Younan acrescentando que, na Síria e no Iraque, por consequência da guerra em curso, a disposição interior entre os cristãos está ficando cada vez mais fraca.
Younan disse também que nos últimos cinco anos e meio, desde que a guerra começou, mais de meio milhão de cristãos foram deslocadas na Síria.
“Nós continuamos a visitá-los, buscamos tentar inspirar esperança e fé, mas não está fácil. E por quê? Porque os cristãos na Síria se sentem abandonados e quase traído pelos chamados “países poderosos”, disse ele.
Younan lamentou também que, às vezes, o Ocidente está mais preocupado com a destruição de sítios arqueológicos, como no caso da cidade histórica de Palmyra, do que com as pessoas que tiveram de abandonar essas regiões e com os milhares que foram assassinados pelo Estado Islâmico.
O patriarca disse que, durante anos, os líderes cristãos têm alertado o Ocidente sobre a complexidade da situação, tanto na Síria como no Iraque, dizendo que nesses países não se pode falar de uma “Primavera Árabe”, porque existem várias minorias separadas da maioria pela linguagem, pela religião e pela cultura.
“Precisamos ter muito cuidado com a imposição de democracia ocidental nesses países, onde eles não separam a religião do Estado”, disse ele.
Younan disse também que uma saída para salvar as minorias cristãs na região está se fechando. No Iraque, menos de 1% da população hoje é cristão, disse ele, enquanto que durante o regime de Sadam Hussein eles representavam mais de 5%. Na Síria, eles foram de 19% em 1950 para menos de 6% hoje.
“Em breve, o Iraque, a Síria e até mesmo o Líbano serão como a Turquia”, disse ele.
Turquia foi o lar de muitos Padres da Igreja. Os apóstolos pregaram aí no primeiro século e este país foi o cenário para vários concílios ecumênicos. No entanto, hoje, de acordo com Younan, há muito poucos cristãos em seu território.
O líder sírio fechou o seu discurso agradecendo aos mais de 100 bispos participantes da assembleia dos Cavaleiros de Colombo por ajudarem os cristãos no Oriente Médio a “resistirem à tentação de deixar a terra de nossos antepassados”.
Ver o cristianismo desaparecer da região, afirmou, seria “uma grande perda não só para a nossa terra, mas para o mundo”.
Quando terminou de falar, Younan foi ovacionado de pé.
John Garvey, reitor da Universidade Católica da América e advogado que tem escrito sobre questões em torno da liberdade religiosa, estava na plateia para ouvir o discurso de Younan. Ele disse que não tem certeza de quão realista é esperar que os países ocidentais, como os Estados Unidos, implementem plenamente a sua influência para pressionar o tipo de reforma o patriarca sírio descreveu.
“É uma tarefa difícil”, disse Garvey ao sítio Crux. “Eu estava pensando nos nossos aliados, como a Arábia Saudita, e isso não parece ser algo que estamos a fim de fazer”, disse ele.
“Mas o mundo seria um lugar melhor se eles e nós assim o fizessem, não seria?”
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Líder católico da Síria desafia a afirmação de que o Islã não é violento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU