27 Julho 2016
"Assim como o canguru não resolveria o problema da delegação australiana, na bolsa desse animal também não cabe o direito de moradia de tantas famílias brasileiras que, desde a copa do mundo, vêm sofrendo com remoções", escreve Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.
Eis o artigo.
O Brasil vem somando vexames internacionais nos últimos meses, e é pessimista a perspectiva de o acúmulo das nossas gafes cessarem por aqui. A começar pelo muito dito sobre os motivos alegados para a interrupção golpista do mandato da presidenta Dilma, agora eles aparecem mais uma vez provados como insubsistentes, pelo Tribunal Internacional pela democracia do Brasil, reunido nos dias 19 e 20 deste julho no teatro Casagrande do Leblon.
Como esclarece o professor José Carlos Moreira da Silva Filho, um dos integrantes da Comissão de Anistia no Brasil, no site Já, de 22 deste mesmo mês, esse Tribunal é um tribunal de opinião, sucessor dos famosos tribunais Russel, assim conhecidos por terem surgido por iniciativa do Nobel da Paz Bertrand Russell e do filósofo Jean Paul Sartre. Por crimes internacionais, praticados durante a guerra do Vietnã, eles colocaram os Estados Unidos no banco dos réus em 1966 e, em 1974, 1975 e 1976, as ditaduras latino-americanas:
“Se os Tribunais de Opinião acontecem é justamente por não existirem espaços justos, isentos e democráticos na institucionalidade dos Estados violadores para o conhecimento amplo dos fatos e das violações que estão sendo praticadas, como ocorre por exemplo quando se tem um Supremo Tribunal Federal que procura atribuir um verniz de legalidade a um golpe de Estado parlamentar e abre mão do seu papel de limitar o poder desvirtuado em benefício da soberania popular e da cláusula democrática.”
No Brasil, este Tribunal Internacional examinou uma por uma as alegações constantes no pedido de impedimento a presidenta, cada voto podendo ser conhecido em vídeo que acompanha os comentários do professor José Carlos, no referido site Já:
Os jurados internacionais (da França, Espanha, Estados Unidos, Colômbia, México, Itália, Argentina, Costa Rica, todos pessoas respeitadas e reconhecidas por seu trabalho acadêmico e institucional) foram unânimes e suas manifestações foram verdadeiras aulas de Direito e conjuntura internacional, reveladoras do crescimento ameaçador da sombra neoliberal que mais uma vez assombra o nosso continente, comprometida em golpear a soberania popular, extinguir direitos, aumentar os fossos da desigualdade e submeter nossas sociedades às vontades de um capitalismo predatório e excludente.”
De outra parte, a festejada realização das olimpíadas, aqui, está acrescentando mais um constrangimento para o país. Diante de várias queixas das delegações estrangeiras que participarão das competições esportivas, relacionadas com as obras feitas para abriga-las, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, entendeu de fazer uma “gentileza”, segundo ele, com a australiana, afirmando que iria colocar um canguru no espaço reservado para ela. Assim os seus atletas haveriam de sentir-se em casa...
A resposta da delegação australiana foi dura, como se pode conhecer em vários sites: “No último domingo (24), a delegação olímpica da Austrália relatou dezenas de problemas no edifício que a acomodaria, um dos 31 construídos na Vila Olímpica, dizendo que não poderia instalar-se nas dependências reservadas aos atletas e ao staff esportivo do país. Kitty Chiller, chefe da delegação australiana, afirmou que o local estava claramente inacabado, com forte odor de gás, problemas com vazamentos de água, vasos sanitários que não estavam em funcionamento, fiação elétrica exposta e em contato com água, interruptores de luz que não funcionavam, além de sujeira espalhada por todos os lados. Diante disso, Chiller decidiu hospedar seus atletas em hotéis da região até que o prédio destinado à sua comitiva estivesse em perfeitas condições de recebê-la. Vale lembrar que Reino Unido e Nova Zelândia já haviam relatado problemas idênticos em seus alojamentos ao Comitê Olímpico Internacional (COI)”.
Assim como o canguru não resolveria o problema da delegação australiana, na bolsa desse animal também não cabe o direito de moradia de tantas famílias brasileiras que, desde a copa do mundo, vêm sofrendo com remoções e outros incômodos exigidos por esses megaeventos. Mais uma vez o Poder Público brasileiro, gastando fortunas para sediá-los, reafirma não se constituir prioridade sua as garantias devidas ao seu povo pobre sem-teto morar dignamente.
Mal comparando, as delegações estrangeiras estão conhecendo em plena Vila Olímpica, como o nosso país trata o direito de moradia. A precariedade das instalações reservadas para elas até constituiria um luxo para muitas famílias brasileiras, morando em favelas, áreas de risco, alagados e cortiços. Nosso descaso em relação a elas deixa o seu direito de moradia também com fedor de gás, problemas com água, sem saneamento básico, “fiação elétrica exposta além de sujeira espalhada por todos os lados;
Menos mal que esse povo está cada vez mais organizado e há de se fazer representar na Conferência Internacional da ONU, Habitat III, que se realizará em Quito, de 17 a 20 de outubro vindouro. Em matéria de direitos humanos, especialmente o fundamental social de moradia, o Brasil corre o risco de sofrer lá uma vergonha bem maior do que a da Vila Olímpica.
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O impeachment, as Olimpíadas, o canguru de Eduardo Paes e o direito à moradia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU