25 Julho 2016
Ele visitou a África Central apesar de os militares franceses desaconselharem-no; circulou pelo México de norte a sul e de leste a oeste, entre a desconfiança do governo Enrique Peña Nieto, o descontentamento dos narcotraficantes e as críticas de Donald Trump; foi ao Congresso dos Estados Unidos para pedir acolhida aos migrantes e a abolição da pena de morte; em três anos de pontificado tocou as "periferias" mais problemáticas do globo, de Sarajevo à Armênia, do Equador à Albânia, da região das Filipinas atingida pelo tufão aos cantos mais remotos de Cuba, sobrevoou a China pela primeira vez na história dos papas e expressou o desejo de visitar o Iraque.
A reportagem é da agência Askanews, 20-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Jorge Mario Bergoglio não descansa quando viaja para o exterior, coerentemente com a sua ideia missionária de Igreja, e um país da Europa central como a Polônia parece ser, à primeira vista, uma meta pacífica da sua peregrinação. Mas a viagem à terra natal de João Paulo II, aonde o Papa Francisco vai se dirigir pela primeira vez na vida, entre a quarta-feira, 27, ao domingo, 31 de julho, próximos, não é desprovida de desafios para o primeiro pontífice latino-americano da história.
O papa parte às 14 horas da quarta-feira, 27 de julho, e será acolhido pelo presidente Andrej Duda e pelo arcebispo de Cracóvia, Stanislaw Dziwisz, secretário particular de Karol Wojtyla, às 16 horas. Seguem-se a cerimônia de acolhida, um discurso às autoridades, sociedade civil e corpo diplomático, no palácio de Wawel, o encontro privado com o presidente e, às 18h30, na catedral vizinha, um encontro a portas fechadas com os bispos. O papa, explicou o padre Lombardi no dia 20 de julho, na sua última coletiva como porta-voz vaticano antes de se aposentar, "desejar fazer esse encontro em forma dialogante e reservada".
Na quinta-feira, 28, o papa se dirige de helicóptero para Czestochowa, santuário mariano que teceu os seus destinos com a história nacional polonesa, e, à tarde, voltando para Cracóvia, presidirá o primeiro encontro da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), ocasião oficial da viagem, chegando, aliás, a bordo de um bonde elétrico com jovens portadores de deficiências no parque Jordan, em Blonia, onde 600 mil jovens de todo o mundo estarão esperando por ele.
A sexta-feira de manhã será dedicada à visita dos campos de concentração de Auschwitz e de Birkenau: o Papa Francisco, destacou Lombardi, não vai fazer discursos, permanecerá em silêncio e rezará em privado, sozinho, na cela de São Maximiliano Kolbe, que foi morto aqui.
"Eu – anunciou ele mesmo recentemente – gostaria de ir àquele lugar de horror sem discursos, sem pessoas, somente os poucos necessários... Mas os jornalistas certamente estarão! Mas sem cumprimentar este ou aquele... Não, não. Sozinho. Entrar, rezar... E que o Senhor me dê a graça de chorar."
Ele se encontrará com dez sobreviventes da Shoá e 25 "justos das nações", incluindo uma família de poloneses exterminada por ter escondido alguns judeus perseguidos. À tarde, o papa visitará o Hospital Pediátrico Universitário (UCH) em Prokocim e presidirá a Via Sacra com os jovens no parque de Blonia.
No sábado, Francisco visitará o Santuário da Divina Misericórdia em Cracóvia, construído no lugar onde Karol Wojtyla foi operário da Solvay e dedicado a Santa Faustina Kowaslka, e lá irá confessar alguns jovens. Às 10h30, rezará a missa para sacerdotes, religiosos, religiosas, consagrados e seminaristas. Almoçará com 12 jovens no arcebispado, dois para cada continente e dois poloneses. À noite, às 19 horas, chegará ao Campus Misericordiae, às 19h30 presidirá uma vigília de oração com a presença, de acordo com as estimativas da Conferência Episcopal Polonesa, de 1,5 a 1,8 milhão de jovens.
Sábado e domingo são o ápice e a conclusão da JMJ, jubileu dos jovens no marco do Ano Santo da Misericórdia. No domingo, 31 de julho, último dia da viagem, o papa abençoará duas casas construídas pela Cáritas polonesa para os pobres e idosos em dificuldade. Às 10 horas, celebrará a missa de encerramento da JMJ no Campus Misericordiae. À tarde, o retorno a Roma, onde o seu avião deverá pousar às 20h25.
Desafios
Durante a sua viagem, o papa irá enfrentar diversos desafios. O primeiro, óbvio, é o da segurança. A viagem de Francisco ocorre em uma conjuntura geopolítica dramática, entre atentados terroristas em várias partes da Europa e do resto do mundo, a dramática situação na Turquia, uma União Europeia às presas com a imprevisível saída do Reino Unido (Brexit).
Tensões que, de acordo com o Vaticano, porém, não deverão se refletir na visita papal. "Não há preocupações particulares na Polônia em relação à segurança", assegurou Lombardi. Na Polônia, "ocorreram recentemente cúpulas da Otan que foram realizadas de modo absolutamente tranquilo", e "não consta que grupos tenham sido removidos nos últimos dias por causa das preocupações". O clima, em suma, "é de grande normalidade e tranquilidade".
Um segundo desafio é o contexto político polonês. O governo, depois do sucesso eleitoral do partido Lei e Justiça (Prawo i Sprawiedliwość), presidido por Jaroslaw Kaczynski e fundado em 2001 pelo próprio Kaczynski, junto com o falecido irmão gêmeo Lech, é liderado, desde novembro passado, por Beata Szydło. A equipe de governo conservador tem ideias significativamente diferentes das do Papa Francisco em matéria, por exemplo, de imigração.
"Nós estamos na fronteira oriental da Otan e da União Europeia, e também estamos hospedando centenas de milhares de ucranianos e bielorrussos. A maioria dos ucranianos estão vindo ao nosso país", declarou em março passado o ministro das Relações Exteriores, Witold Waszczykowski, depois de um encontro preparatório no Vaticano. "Isso, às vezes, é esquecido pelos nossos parceiros ocidentais. Nós não estamos esquecendo os desafios que vêm do Sul, estamos tentando participar da solução dessa onda migratória, mas lembramos os nossos parceiros ocidentais que temos os nossos problemas com os migrantes provenientes da Ucrânia."
O papa, como é habitual quando é convidado de outro país, certamente não entrará em rota de colisão com o executivo polonês. Mas não é nenhum segredo que a sua ideia de acolhida não tem muitas sintonias com o mainstream político do grupo de Visegrado (Polônia, Hungria, República Tcheca e Eslováquia), a ponto de levar um cardeal próximo do papa, o arcebispo de Viena, Christoph Schönborn, a temer, nos últimos meses, o ressurgimento de uma invisível "cortina de ferro", que marca diferenças profundas sobre a crise migratória dentro da União Europeia.
O próprio Schönborn, no entanto, em uma entrevista recente ao jornal austríaco Der Standard, apontou que, em relação às ondas de migração anteriores na Áustria, provenientes da Hungria e da Tchecoslováquia, hoje aparece uma diferença: "Aqueles refugiados eram europeus, tinham mais ou menos a mesma cultura, muitos a mesma religião. A integração dos bósnios, que, em sua maioria, eram muçulmanos, também foi mais rápida por causa do pertencimento cultural comum. Agora, estamos lidando com uma migração do Oriente Médio, da África, e, neste caso, a diferença cultural e religiosa certamente é um fator que cria preocupação". Na vigília de oração da JMJ no sábado à noite, além disso, entre os três jovens que irão dar o seu testemunho, há também um jovem sírio de Aleppo.
No pano de fundo da viagem do papa à Polônia, por fim, há o duplo Sínodo sobre a família, que ocorreu no Vaticano em 2014 e em 2015, e que se concluiu com a Amoris laetitia, de Francisco.
Os bispos poloneses, no Sínodo, manifestaram um certo desconforto em relação ao reformismo bergogliano. E não faltaram reservas também em relação à sua exortação apostólica. O Vaticano, no entanto, jogou com antecedência. No L’Osservatore Romano, o "wojtyliano" Rocco Buttiglione defendeu o Papa Francisco dos "sábios" que "custam" a entender o pontífice argentino sobre a questão da família e, particularmente, sobre o ponto nodal da comunhão aos divorciados recasados, "criticam-no, opõem-no à tradição da Igreja e, particularmente, ao seu grande antecessor São João Paulo II".
No jornal vaticano dirigido por Giovanni Maria Vian, Buttiglione, filósofo e político, além de colaborador de João Paulo II em alguns textos-chave do pontificado de Karol Wojtyla, ressalta que "São João Paulo II e o Papa Francisco certamente não dizem a mesma coisa, mas não se contradizem sobre a teologia do matrimônio. Em vez disso, eles usam de modo diferente e em situações diferentes o poder de ligar e de desligar que Deus confiou ao sucessor de Pedro".
Na mensagem de vídeo à Polônia em vista da viagem, aliás, o próprio papa disse: "Agradeço aos bispos e aos sacerdotes, aos religiosos e às religiosas, aos fiéis leigos, especialmente às famílias, às quais levo, idealmente, a exortação apostólica Amoris laetitia. A ‘saúde’ moral e espiritual de uma nação pode ser vista pelas suas famílias: por isso, São João Paulo II trazia em seu coração os namorados, os jovens casais e as famílias. Continuem nesse caminho!".
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Os desafios de Bergoglio na viagem à terra natal de Wojtyla - Instituto Humanitas Unisinos - IHU