15 Julho 2016
"Ao não tocar nos sistemas de mídia, o tímido pacto conservador redistributivo não atingiu a consciência das maiorias", explica Bruno Lima Rocha, professor de ciência política, relações internacionais e de jornalismo.
Eis o artigo.
Definitivamente, se há uma lição que a crise política brasileira do momento comprova é o poder de difusão de sentidos para os milhões de receptores no país. Não é exagero afirmar que vivemos em pequenas ilhotas de realidades paralelas, onde bolhas de tamanhos relativos universalizam informações e retroalimentam públicos que falam como espelhos. Para além dos agrupamentos mais à esquerda – e tome-se o termo e o conceito em sentido bem amplo - a maior parte dos públicos termina reproduzindo os conteúdos gerados pelos grandes conglomerados, gerando “segunda ou terceira tela” nos indivíduos e círculos de sociabilidade.
O nível de consciência não muda com a melhoria material
O alvo dos grandes grupos de mídia, para além de mobilizar diretamente as camadas média-alta e alta do país, é atingir a mentalidade de tipo “sobrevivência e senso comum” onde os mais de 44 milhões de brasileiros atingidos pelas políticas sociais do pacto de classes lulista se encontram. Como a opinião pública é basicamente uma consequência da opinião publicada, o poder de emitir é muito mais forte do que a resistência dos que fazem a contra-mídia.
Assim, reforçando, os mais de 44 milhões de brasileiras e brasileiros que tiveram suas condições materiais de vida aprimoradas, não tiveram uma renovação de consciências, que dirá uma nova forma de pensamento. Logo, é como se a melhoria do poder aquisitivo desta nova maioria reforça as formas de pensar típicas do alinhamento ao mundo do capital, em especial na etapa pós-fordista e atravessada pela acumulação flexível. Proporcionalmente, todas e todos trabalhamos mais, estamos mais tempo conectados, atendemos relacionamentos e sociabilidades vinculados ao mundo do trabalho enquanto este segue absurdamente verticalizado, por vezes beirando a tirania sistêmica.
O ideológico não é “super-estrutura” e sim determinante das mudanças sociais
Para a infelicidade geral do pensamento das esquerdas latino-americanas, os últimos quinze anos, marcados pelos giros de tipo centro-esquerda, com governos reformistas ou minimamente redistributivos (como no Brasil), tiveram dois movimentos distintos e contraditórios. Um, foi o de confrontar ao partido da mídia, referencial ideológico do capitalismo, onde o liberalismo oligárquico e anti-latinoamericano opera como difusor das permanentes conspirações por direita. Este confronto de forma direta ou indireta, mais notado na Argentina, Equador e Venezuela, termina sendo positivo para aprofundar a democracia enraizada em nossas sociedades, não deixando que os proprietários de meios de comunicação e porta-vozes da publicidade (propaganda capitalista na forma de mercadoria simbólica) reinassem sozinhos como definidores da “consciência coletiva”.
A outra medida, onde são constituídos novos meios de comunicação e um conjunto de regras, como na Lei de Meios da Argentina ou a equivalente venezuelana, em geral reproduz os piores aspectos de controle e mandonismo vertical dos proprietários de conglomerados de comunicação social. Para desgraça das maiorias no Continente, a grande parte dos agrupamentos de esquerda e mesmo centro-esquerda – incluindo os nacionalismos anti-imperialistas defensores da segunda independência – ainda enxerga a mídia como elemento de propaganda e não como uma esfera geradora de espaço público popular. Ou seja, sem debates de profundidade e aumento de pensamento crítico e capacidade de reação popular – não apenas arregimentação, mas politização libertadora no sentido amplo – disputam-se as massas disponíveis, mas não suas consciências.
Os sistemas de mídia refletem o sistema político – em termos gerais – e as relações desiguais e injustas em nossas sociedades latino-americanas (pós-coloniais e de capitalismo liberal-periférico). Logo, se não há um projeto realmente democrático para construir mídias de resistência, com plena democracia interna e posicionamento ideológico evidente na linha editorial sem abrir mão dos critérios básicos do bom jornalismo, simplesmente não temos projeto político algum de longo prazo.
As oligarquias retroalimentam o entreguismo e a adesão subordinada ao Império
No Brasil, o quadro narrado acima é ainda mais complexo. O poder da família Marinho e da Globo – assim como dos Frias, Civitas, Mesquistas e grupos regionais e seus aliados reprodutores e retransmissores estaduais - é fruto tanto da capacidade capitalista desta oligarquia, como da falta de transformações estruturais advindas com os quinze anos do lulismo. Foram várias oportunidades perdidas, além de uma brutal repressão às rádios comunitárias, incluindo o sub aproveitamento das mídias público-estatais, a começar pelo modelo de democracia da TV Brasil/EBC (na origem, ainda quando da conferência anterior a sua fundação), que como sempre, ficou aquém de suas potencialidades. Se fôssemos listar o conjunto de derrotas auto impostas, laudas sem fim teriam de ser reescritas para constatar a escala absurda de reprodução ideológica conservadora através de co-financiamento do governo deposto e reforço do conservadorismo.
Definitivamente, o exercício de governo pelo partido outrora reformista passa bem longe da construção de um poder nacional, que ao menos gere capacidade de resposta popular diante do ataque aos direitos fundantes da Constituição de 1988. Foi justo o oposto, plantando-se – ou ao menos deixando crescer – ideologia individualista e aderida ao Império, de forma sutil e eficiente, preparando o terreno para a manipulação de massas quando da crise política de 2016 e o golpe com apelido de impeachment.
Ao não tocar nos sistemas de mídia, o tímido pacto conservador redistributivo não atingiu a consciência das maiorias.
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A estrutura de mídia e a consciência das maiorias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU