Repreensão pública ao Cardeal Sarah mostra que o Papa está disposto a usar a sua autoridade

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14 Julho 2016

Quando acontece de haver uma discordância, a abordagem do Papa Francisco é a de evitar o confronto direto com os envolvidos, preferindo, em vez disso, ignorar e seguir em frente com o seu trabalho. Mas, no caso do Cardeal Robert Sarah, ele fez uma exceção.

A reportagem é de Christopher Lamb, publicada por The Tablet, 13-07-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Na semana passada, o prelado guineense anunciou, de forma unilateral, que os padres deveriam começar a se virar de costas para a assembleia e ficar de frente para o Oriente ao rezar a missa – algo que os tradicionalistas litúrgicos frequentemente pedem, visto que é assim que o sacerdote celebra a liturgia no Antigo Rito Latino.

Isso tudo faz parte de uma agenda destinada a uma “reforma da reforma”, que faria com que a missa que os católicos comuns participam aos domingos ficasse mais parecida com a missa celebrada antes das reformas do Concílio Vaticano II. Significaria haver mais latim, mais cantos, e menos participação dos fiéis.

Logo após o cardeal fazer as suas observações, no entanto, o Vaticano divulgou um comunicado dizendo que não haverá alterações nesta parte da liturgia e, sobretudo, que este assunto tinha sido “expressamente acordado” durante uma recente audiência entre o cardeal e o papa. O texto acrescenta que a “reforma da reforma” deve ser evitada.

É extremamente incomum que Vaticano venha a repreender publicamente um Príncipe da Igreja, ainda que, neste caso, tal repreensão não seja inteiramente surpreendente dada a forma como o Cardeal Sarah tem atuado desde a sua nomeação para liderar o departamento litúrgico da Santa Sé.

Há uma série de incidentes que revelam que o cardeal faz parte de um grupo, o qual parece estar dificultando a vida deste papa: tomemos, por exemplo, o fato de que o dicastério liderado pelo prelado africano levou mais de um ano para implementar o pedido simples de Francisco para que mulheres fossem incluídas no ritual de lava-pés da Quinta-Feira Santa.

Entre os círculos conservadores de Roma, Sarah é em geral apresentado como um futuro papa, com o devoto do Papa Bento XVI, Dom Georg Gänswein, comparando o cardeal ao pontífice africano do século V, Papa Gelásio. (Gänswein fez esta comparação na véspera da visita de Francisco à África.)

Além de cuidar da liturgia, Sarah escreveu livros em que se opõe a alterações no ensino católico sobre a Comunhão aos divorciados e recasados; durante o Sínodo dos Bispos sobre a família em outubro passado, ele comparou as “ideologias homossexuais e abortivas ocidentais” ao nazismo e ao terrorismo islâmico. Dificilmente esta é a linguagem do papa, e é quase certo que ela não expressa o desejo papal por uma Igreja mais misericordiosa e compassiva.

Tudo isso deixou algumas pessoas se perguntando por que Francisco nomeou o cardeal para o atual posto. Em certo sentido, nomear um conservador neutraliza as guerras litúrgicas, enquanto que pôr uma figura liturgicamente mais progressista durante um papado radical poderia ser motivo para divisões ainda piores.

Por seu lado, Francisco não é alguém obcecado com questões litúrgicas: ele celebra as suas missas matinais de frente para as pessoas em uma capela simples e moderna na Casa Santa Marta, ao mesmo tempo em que se mostra feliz com o emprego do latim em grandes celebrações papais.

Posto tudo o que está em jogo aqui, a última coisa que ele quer ver é um combate em torno da liturgia. Portanto, apesar de sua aversão em confrontar as pessoas face a face, a maneira como o papa lidou neste caso do Cardeal Sarah mostra que ele irá usar a sua autoridade se necessário.