12 Julho 2016
Antes de indagar o conhecimento e a compreensão da filantropia na França, pedimos que Étienne Perrot nos desse a conhecer o seu ponto de vista teológico e espiritual sobre a riqueza e sobre o seu uso. Algo mais complexo, mas também mais exigente do que parece à primeira vista.
A reportagem é de Jean-Marc Salvanes, publicada no sítio da revista Témoignage Chrétien, 09-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Étienne Perrot é jesuíta, economista e especialista em fenômenos de renda e em economia da corrupção. Suas últimas obras publicadas são: Le discernement managérial (DDB, 2013) e Exercices spirituels pour manager (DDB, 2014).
Eis a entrevista.
De que serve a riqueza na tradição da Doutrina Social da Igreja?
Na Doutrina Social da Igreja, a riqueza é destinada para o bem comum, isto é, à participação de todos no bem de cada um. Cada um nunca é concebido de maneira individualista, mas é necessariamente uma pessoa, isto é, um ser em relação não somente interindividual, mas também em relação com a coletividade de que faz parte. Portanto, ao lado da justiça comutativa (interindividual) e da justiça distributiva (aquela que a Direção coletiva deve a cada um dos membros), a justiça chamada de "legal" inclui todos os deveres de cada um para com a coletividade de que faz parte (pagar os seus impostos, "aconselhar o príncipe" – hoje, diríamos "votar", defender a pátria, em suma, todos os deveres cívicos).
E a riqueza individual?
A ideia da riqueza individual não pertence nem ao vocabulário nem ao pensamento da Doutrina Social da Igreja. Toda apropriação pessoal está sobrecarregada por uma hipoteca social. A propriedade privada ("até mesmo dos meios de produção", especifica a Mater et magistra, de João XXIII) é um direito natural (isto é, não depende da legislação humana). Mas, na Doutrina Social da Igreja, trata-se sempre da natureza social do ser humano (e não da concepção liberal transcrita no Código Napoleônico, que faz do indivíduo um pequeno soberano sem contas a prestar).
Neste contexto, o dinheiro é sinal de quê?
O dinheiro sempre é o sinal do trabalho; mas, nas sociedades monetarizadas, o trabalho é valorizado pelo mercado; o que é contestado pela Doutrina Social da Igreja – contrariamente à interpretação tendenciosa que Frederick Hayek faz dela. Hayek interpreta erroneamente a noção católica da "avaliação comum", como se se tratasse da avaliação pelo mercado. Esse ponto é fortemente enfatizado desde a primeira encíclica social, a Rerum novarum em 1891. Quer se trate de preço justo ou de salário justo, a tradição católica se refere a "avaliação comum", ou seja, à avaliação por parte da comunidade e na comunidade. Ora, o específico de uma comunidade é que cada um é nela admitido com as suas qualidades, os seus limites e as suas necessidades próprias – incluindo familiares; e também contribui com as suas capacidades. Portanto, não se trata da avaliação pelo mercado, que é apenas um meio para revelar as raridades e aquilo que aqueles que têm dinheiro estão dispostos a pagar. Além disso, quando o mercado é competitivo, ele funciona com base na exclusão, isto é, com base no contrário da inclusão própria de toda comunidade.
Mas, então, enriquecer é um objetivo louvável?
Enriquecer para quem? Por quê? Para quando? Todas essas especificações são necessárias para um uso justo do dinheiro. Para ser digno de ser humano, o enriquecimento deve ser um objetivo que faz sentido; ou seja, que está em harmonia com os valores, os sentimentos e o imaginário daquele e daquela que o utiliza.
O fato de poder contribuir mais do que outros com o bem comum oferece direitos ou vantagens? E, por outro lado, o fato de contribuir apenas de maneira muito modesta diminui os direitos? Por quê?
Cada um contribui com o bem comum de acordo com a sua situação, as suas habilidades e os seus meios, até mesmo monetários. Contribuir mais com o bem comum dá apenas o direito concedido a cada um de obter os meios de servir melhor (mais eficazmente, porque a eficácia não é moralmente facultativa). Não se poderia falar realmente de "vantagens", porque cada um deve poder encontrar na sua contribuição com o bem comum a plena realização a que aspira – entendendo-se que essa plena realização é própria de cada um e não pode ser comparada, porque cada um é singular em um itinerário particular.
A expressão segundo a qual sempre somos apenas "usufruidores dos próprios bens" parece-lhe descrever bem a relação a que somos convidados a ter com o dinheiro?
A noção de usufruto é lacunar. Ela conota uma espécie de renda sem contrapartida. Uma formulação melhor parece-me ser a de João Calvino: "Que chacun pense qu'il est le dépensier de Dieu dans tout ce qu'il possède" [Que cada um pense que é o administrador de Deus em tudo o que possui]. No século XVI, o dépensier era o intendente encarregado de fazer render os domínios do proprietário no espírito desejado pelo proprietário. A vantagem dessa formulação é que ela designa o sentido: ela dirige todo "ter" ao bem comum, que consiste em fazer com que cada um possa contribuir para o melhor, de acordo com as suas qualidades, para a realização de todos os outros (e não simplesmente da maioria: todos os outros, isto é, aqueles que estão às margens, os marginalizados da sociedade).
Que conselho o senhor dá para aqueles que refletem sobre o uso do seu dinheiro?
Que submetam o poder do dinheiro à autoridade da consciência. Para isso, deve-se responder a três questões: 1) especificar o objetivo (portador de sentido para mim e para aqueles que sofrerão as consequências do meu gesto); 2) adequar proporcionalmente os meios (o desperdício não é simplesmente contraproducente, mas também moralmente injustificável); 3) partilhar os riscos com o coletivo de que se faz parte (a família, a empresa, a associação, o país).
Portanto, não há nem um bom uso nem um mau uso do dinheiro?
Não, na medida em que as decisões, de gastos assim como de aquisição, são consideradas de acordo com o critério daquilo que parece certo: para quem? Para quando? Quem vai arcar com os custos, as consequências, a dependência? Não há nenhum uso particular da fortuna pessoal a ser privilegiado. O primado da consciência pessoal (refletida e iluminada) foi posto muito explicitamente por São Tomás de Aquino na sua Suma Teológica (primeira parte da Segunda Parte, questão 19, artigo 5).
Pagar impostos caros dispensa de doar?
Na tradição muçulmana, o dízimo englobava todos os impostos. Na tradição judaica, o dom deve ser ao menos igual ao dízimo (10% da renda), mas, de acordo com o rabino Riveline, inferior a 20% (porque a riqueza é uma responsabilidade da qual não devemos nos livrar com o pretexto de pobreza voluntária). Na tradição católica, sensível em relação àqueles que estão nas margens extremas, os impostos não podem justificar a ausência de dom (de fato, a Administração funciona de acordo com categorias que necessariamente não levam em conta as situações singulares de cada um).
Deve-se entender, com isso, que o rico, uma vez absolvidas as suas obrigações para com a sociedade, não deve prestar contas a ninguém do uso da sua riqueza?
A questão está mal posta. Da forma como está, é preciso responder "não". Porque prestar contas à sociedade significa considerar apenas uma dimensão da pessoa humana. Seria reduzir toda justiça à justiça legal. Mas a pessoa humana também está em relação com o próximo – aquele que está próximo ou aquele de quem nos fazemos próximos. Essa relação com o próximo é expressada por aquilo que a Doutrina Social da Igreja muitas vezes ressaltou como os "corpos intermediários" (a família, os sindicatos, as associações). Estamos muito longe da filosofia liberal que deixa o indivíduo sozinho frente ao Estado (mesmo que seja o Estado-providência).
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Como usar o dinheiro. Entrevista com Étienne Perrot, jesuíta e economista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU