01 Julho 2016
Fluxos incessantes de dinheiro. Desigualdade. Democracia sequestrada. Paraísos fiscais. Ambição. Rebeldia. Como os filmes ajudam a enxergar as sociedades dominadas pelo mercado – e as possíveis saídas
O artigo é de Juliana Cavalcanti, jornalista, com especialização em Jornalismo e Crítica Cultural pela UFPE e membro da campanha TTF Brasil, publicado por Outras Palavras, 29-06-2016.
Eis o artigo.
O atual processo de crise econômica pelo qual atravessam os mercados globais desde 2008, já pode ser considerado um dos mais graves da história. Os mercados, cada vez mais interligados pelas TIC – tecnologias de informação e comunicação –, sofrem em cascata com repercussões que antes seriam localizadas. Iniciada nos Estados Unidos, ancorada no mercado imobiliário norte-americano, a crise ganhou proporção gigantesca – afetando mercados dependentes de fluxos internacionais de capital.
Entender uma crise global não é tarefa fácil, mesmo para especialistas. Com o mercado financeiro funcionando cada vez mais no campo virtual da informação contábil – o dinheiro circulante, muitas vezes, parece não existir “de verdade”. Uma das formas de buscar uma melhor compreensão para tal crise, com repercussões que parecem longe de terminar, é o audiovisual. O cinema tem apresentado de forma brilhante e divertida muitas histórias sobre a economia e suas repercussões. A ideia aqui não é abordar todos os filmes que falam sobre economia e mercado financeiro, mas indicar algumas boas obras sobre o tema.
A crise atual
Entre os mais conhecidos e com roteiro bem costurado está Wall Street – o dinheiro nunca dorme (2010), do diretor Oliver Stone. O filme é uma continuação do roteiro dos anos 1980 e mostra o personagem Gordon Gekko (Michael Douglas) após sair da prisão por negociar ações com informações privilegiadas. Ao deixar a cadeia, Gekko volta a negociar no mercado financeiro no início da crise do subprime e retoma discussões sobre a ética do mercado e a manipulação de informações – algo com efeito devastador na era da globalização.
Na trama, além de entender como funciona o jogo especulativo da bolsa de valores, também é possível ter uma pequena aula sobre “como esconder grandes somas de dinheiro em paraísos financeiros” e também sobre “como tornar estes recursos novamente legalizados e atuantes do mercado”. Apesar de o foco da história estar no intricado jogo especulativo, existe também um debate ético permeando o roteiro.
Outro filme de 2010, desta vez dirigido por John Wells e protagonizado por Ben Affleck, Kevin Costner e Tommy Lee Jones é A Grande Virada (“The Company Men”). Afetados pela crise financeira, num ambiente de demissões e fechamento de empresas que abala a classe média norte-americana, é possível ver como o mercado financeiro, muitas vezes imaginado “virtual”, está bastante interligado com a produção real. Os empregos e a produção são afetados pela falta de reação dos “papéis” na Bolsa de Valores. A história mostra os executivos tentando driblar o clima de terror que se instaura no mercado, com ameaça de colapso financeiro.
Como investidores também podem lucrar com a destruição do sistema? Este é o argumento de A grande aposta (“The big short”, 2015). Dirigido por Adam McKay, o roteiro, baseado no livro homônimo de Michael Lewis, aborda como um grupo de investidores com acesso privilegiado a informações consegue utilizá-las de modo eficiente para lucrar com a quebra do mercado de instrumentos financeiros baseados em débitos imobiliários – CDO, ou Obrigação Colateral de Dívidas.
Na trama, os “apostadores” conseguem prever que o sistema não se sustentará e apostam, através da criação de um novo instrumento de seguro financeiro, os CDS – Credit Default Swaps, ou Trocas de Créditos de Falências – que os CDOs perderiam valor por causa da inadimplência que apareceria com o aumento das taxas de juros flutuantes dos empréstimos para compra de casa própria. Estes empréstimos eram a base para a pirâmide de derivativos financeiros comercializados entre as instituições financeiras.
As consequências reais das crises financeiras
Fugindo dos roteiros norte-americanos, a trilogia As mil e uma noites, do cineasta português Miguel Gomes, mistura documentário e ficção para falar dos efeitos da crise econômica no país. A partir da lenda de Sherazade – que precisava contar uma história por noite para não ser degolada por seu marido e algoz – Gomes passa a contar como o período de “austeridade” provocado pela crise nos anos de 2013 e 2014 afetou o dia a dia dos portugueses. A história é dividida em três volumes (“O Inquieto”, “O Desolado” e “O Encantado”) e apresenta de forma bastante sensível e inusitada as repercussões da recessão no cotidiano das pessoas.
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Para quem quer entender a crise financeira a fundo, dois documentários podem ser úteis. Inside Job (“Trabalho Interno”), vencedor do Oscar em 2011, traz relatos sobre a crise e investiga suas causas. A obra é dividida em cinco partes: “Como chegamos até aqui”, “A bolha”, “A crise” e duas partes sobre os desdobramentos da crise. O filme é dirigido pelo cineasta Charles Ferguson.
Já o diretor Michael Moore aborda a transição entre os governos de George Bush e Barack Obama dentro do espectro da crise em Capitalismo: uma história de amor (“Capitalism: a love story”). No documentário é possível perceber como o poder do mercado influencia as decisões governamentais e do parlamento e como esta interligação muitas vezes imperceptível está na base de um sistema injusto.
Desobediências e experimentos
Mais antigo, o filme alemão Edukators (2003) não fala sobre a crise recente, mas aborda a crueldade e as contradições do sistema capitalista. A obra critica duramente o sistema econômico, ao mostrar um grupo de jovens que invade casas desocupadas durante a madrugada para deixar mensagens contra o capitalismo. Junta-se ao grupo uma jovem cuja dívida tornou-se impagável, devido às taxas de juros; e que, por isso, foi à falência pessoal de forma irremediável. A história desenvolve-se de um modo inesperado para os jovens, que acabam sequestrando um empresário. O filme tem diálogos fortes e um final surpreendente. Questiona, de forma dura e sensível, os valores do sistema capitalista. Indaga: que tipo de sociedade poderíamos construir, sob uma lógica diferente?
Correndo o risco de cometer uma heresia em relação à seriedade do tema, mas mantendo em mente o funcionamento do mercado e um pouco de diversão (por que não?!) vem à cabeça a comédia escrachada Trocando as bolas (“Trading Places”, 1983) – um queridinho da “Sessão da Tarde” nas décadas de 1980 e 1990. Com Eddie Murphy, Dan Aykroyd e Jamie Lee Curtis, o roteiro envolve a aposta entre dois milionários sobre o que seria mais importante: a genética ou o meio social? A partir daí, eles começam a interferir na vida de um mendigo (Murphy) e de um milionário (Aykroyd), trocando as vidas dos dois. De forma divertida, o filme mostra como funciona o jogo do mercado financeiro e como pode ser uma roleta a operação em bolsa de valores.
Como tornou-se um provérbio, cinema é a maior diversão. E no lado da economia, pode ser um forte aliado para o entendimento do sistema que opera ao nosso redor.
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A crise do capitalismo financeiro vai ao cinema - Instituto Humanitas Unisinos - IHU