23 Junho 2016
"A doutrina oficial da Igreja e a prática da maioria dos seus bispos (e muitos superiores religiosos) fazem exatamente o que as pessoas jamais fariam às suas amadas plantas ou animais de estimação. Eles nos colocaram em armários e fazem o possível para nos manter lá", escreve Robert Mickens, editor-chefe da Global Pulse, graduado em teologia, correspondente em Roma de diversas publicações americanas, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 20-06-2016. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Eis o artigo.
Não, você não faria nada disso, porque as plantas e os animais são seres vivos e são maravilhosos; e sua afeição a eles faz com que você garanta que eles tenham todo o ar, sol e espaço necessário para que permaneçam saudáveis e cresçam. Você faz tudo o possível para apoiá-los e ajudá-los a florescer.
Essa mesma atitude é o que se espera da Igreja Católica e seus pastores para com o seu povo. Os ensinamentos, diretrizes e práticas pastorais da Igreja devem ajudar todas as pessoas a prosperar e tornar-se autênticas.
Infelizmente, esse não é o caso para aqueles de nós que são gays, lésbicas, bissexuais ou transgêneros.
A doutrina oficial da Igreja e a prática da maioria dos seus bispos (e muitos superiores religiosos) fazem exatamente o que as pessoas jamais fariam às suas amadas plantas ou animais de estimação. Eles nos colocaram em armários e fazem o possível para nos manter lá.
E fazem muito pior do que isso, como corajosamente apontou o Bispo Robert Lynch de São Petersburgo, na Flórida, recentemente.
"Infelizmente é a religião, incluindo a nossa, que ataca gays, lésbicas e transexuais, principalmente verbalmente, e muitas vezes também os despreza", disse ele em resposta ao massacre do dia 12 de junho que matou 49 pessoas em uma boate LGBT nas proximidades de Orlando.
Lynch foi um dos poucos bispos norte-americanos que condenaram esse ato horrendo como um crime de ódio ou ato de terror voltado especificamente à comunidade LGBT. Outros, incluindo o presidente e outros oficiais da Conferência dos Bispos dos EUA, ao que parece, nem mesmo reconheceram publicamente que os assassinatos ocorreram em um estabelecimento voltado ao público gay.
Muitas pessoas já escreveram sobre o fato e ofereceram uma variedade de opiniões e análises. Nossos irmãos e irmãs no Ministério New Ways, particularmente, mais uma vez discutiram sobre a Igreja e sua relação com as pessoas LGBT.
Mas uma questão que ninguém parece discutir é o efeito da doutrina da Igreja sobre a homossexualidade dos sacerdotes e bispos, tanto aqueles que se reconhecem como gays e os que negam sua orientação. Na minha experiência, a maioria dos sacerdotes, em ambas as categorias, é enrustida, de alguma forma. Muito poucos se sentem suficientemente seguros ou confortáveis para admitir abertamente que são gays, incluindo aqueles que são exemplos de vida celibatária.
A homossexualidade enrustida entre membros do clero - especialmente na hierarquia - é uma das patologias mais graves que continua a impedir que os nossos ministros ordenados sejam líderes proféticos.
Em certo sentido, estes irmãos e pais, na comunidade de fé, são as primeiras e principais vítimas de um ensino deficiente e prejudicial do qual eles devem ser professores e os porta-vozes autênticos.
Os leigos que se identificam com a comunidade LGBT às vezes desaprovam ou ficam com raiva da Igreja e de seus ministros sobre a questão da homossexualidade, mas cada vez mais nós nos recusamos a ser mantidos no armário por termos permanecido católicos. Isso porque a experiência tem nos ensinado que ficar escondido em um lugar escuro e sem ar só leva ao adoecimento. O armário não é um local saudável - social, psicológica, física e espiritualmente.
É surpreendente que os nossos padres que se reconhecem como gays (mais uma vez, a maioria parece estar no armário) sejam tão eficazes quanto eles. Talvez o seu sofrimento em silêncio tornou-os mais compassivos com as feridas dos outros. Ou talvez seja porque eles tenham abraçado o estereótipo do "gene gay", o que os torna mais sensíveis e disponíveis aos outros.
Estes padres homossexuais são verdadeiros heróis. Alguns curam apesar de estarem feridos. Alguns são defensores do sacerdócio celibatário e o veem como uma vida dedicada aos outros sem reservas. Eles tropeçam ao longo do caminho - alguns cultivando relações de compromisso, íntimas (até mesmo sexuais); outros por encontrar uma intimidade que eles sabem que não está em perfeita harmonia com os votos que fizeram.
Estes sacerdotes sofrem. Em primeiro lugar, porque são forçados a esconder a sua verdadeira identidade sexual. E, segundo, porque têm vergonha de que outras pessoas homossexuais os vejam como representantes de uma religião que discrimina a eles próprios.
Alguns deles tomam coragem de sair. Outros, especialmente se não "se apropriam" de sua identidade homossexual até muitos anos depois da ordenação, ficam paralisados. Eles estão velhos demais para iniciar qualquer atividade remunerada.
Independentemente do motivo, aqueles que permanecem no ministério geralmente o fazem porque continuam a sentir-se chamados a servir ao Povo de Deus, apesar do fato de que a doutrina oficial da Igreja lhes diz que uma das partes constitutivas de sua identidade é um "transtorno objetivo" e, pior, "é uma tendência mais ou menos forte direcionada a um mal moral intrínseco."
Há uma outra categoria de "padres gays". São homens de orientação homossexual, mas que se recusam a admiti-lo para si mesmos. Desta forma, eles inadvertidamente projetam nos outros o sofrimento e a patologia que não reconhecem em si, pregando impiedosamente uma moral rígida e insistindo na adesão estrita a cada lei eclesiástica, tornando-se extremamente fechados. Então muitos deles tendem a encontrar a sua identidade no tradicionalismo da Igreja.
Nós, gays e lésbicas católicos (e católicos do Vaticano II, também) várias vezes zombamos deles. Mas estamos errados. Estes homens são mais dignos de pena do que de desdém. Eles - talvez mais do que todos os outros - também são vítimas da homofobia sancionada pela Igreja, porque, ao aceitar rigidamente e pregar cada vírgula da doutrina católica, eles não têm qualquer oportunidade de reconhecer e aceitar a sua verdadeira identidade sexual.
O ensinamento mais atual do Vaticano a respeito de homossexualidade vem do pontificado de João Paulo II. Foi redigido pelo então cardeal Joseph Ratzinger e seus assessores na Congregação para a Doutrina da Fé.
E um dos principais resultados práticos é que os católicos LGBT devem manter sua homossexualidade escondida.
"Via de regra, a maioria das pessoas de orientação homossexual que procuram levar uma vida casta não divulga sua orientação sexual", diz uma carta que o escritório de Ratzinger emitiu em 1993 sobre propostas de lei contra a discriminação LGBT.
Esse documento constata com satisfação que "o problema da discriminação em matéria de emprego, habitação, etc., normalmente não ocorre" quando os homossexuais são enrustidos.
Mas o ensinamento do Vaticano sobre homossexualidade é ainda mais insensível - na verdade, cínico - a respeito da admissão de homens gays nos seminários católicos. O documento foi emitido pela Congregação para a Educação em novembro de 2005, apenas seis meses após Ratzinger ter se tornado papa. Um dos seus principais autores é um padre-psicólogo de Paris, Mons. Tony Anatrella, que foi acusado de abusar sexualmente de seminaristas que eram seus pacientes.
A "instrução" basicamente impõe uma "política do não-dito" a possíveis candidatos ao seminário. Isso porque qualquer um que afirme ser gay não deve ser admitido em programas de formação sacerdotal, mesmo que expresse o desejo de viver o celibato casto.
O efeito da instrução tem sido levar seminaristas e sacerdotes - assim como bispos - ainda mais para dentro do armário. As declarações de muitos bispos após o ataque na boate LGBT em Orlando atestam claramente que eles temem até mesmo mencionar as pessoas homossexuais.
Se os bispos realmente amassem seus padres homossexuais e pessoas LGBT, eles abririam as portas do armário e deixariam entrar luz e ar fresco, tão necessários à sobrevivência. Eles certamente fariam pelo menos isso com seus animais e suas plantas.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Declarações da Igreja mantém as portas fechadas para os gays - Instituto Humanitas Unisinos - IHU