Por: Cesar Sanson | 22 Junho 2016
"Os pacotes de maldades de Meirelles no fundo, é um ciclo de transferência de renda e riquezas das classes média assalariada ou produtora e dos pobres para o bolso dos acionistas dos bancos e investidores, muito semelhante ao que ocorreu no governo FHC", escreve Helena Sthephanowitz, jornalista, em artigo na CartaCapital, 21-06-2016.
Segundo ela, "um primeiro balanço parcial do golpe inconcluso já mostra que vencedor de fato, por enquanto, só o mercado financeiro. Só o setor tem instrumentos e estratégias de ganhar em quaisquer circunstâncias, inclusive nas crises, seja através de ataques especulativos, seja através do manejo da dívida via juros altos".
A jornalista destaca que "a esmagadora maioria de perdedores com o golpe faz com que a agenda anticorrupção continue necessária no noticiário para encobrir a tenebrosa agenda econômica concentradora de renda e até para confundir justificativas para repressão política e perda de direitos".
Eis o artigo.
Em 1964, boa parte de quem ajudou, direta ou indiretamente, a derrubar o então presidente João Goulart acabou cassado pela ditadura e morrendo no ostracismo. Eleições diretas pelo voto popular foram suprimidas, primeiro para presidente e depois até para governador e prefeito das capitais. Foi o golpe dentro do golpe, expurgando todos aqueles líderes relevantes que em algum momento disseram "amém" ao projeto ditatorial que durou duas décadas. Até golpistas fundamentais e de primeira hora como Carlos Lacerda foram expurgados.
Agora a história se repete, ou melhor, por enquanto ainda tenta se repetir, pois falta ainda combinar com o povo – que em 2016 tem um perfil diferente de 1964.
Várias forças antipovo se juntaram para tomar de assalto o Planalto à revelia dos 54 milhões de votos dados a Dilma Rousseff, mas a cada passo que o golpe avança começa a aparecer de onde vem o verdadeiro poder hegemônico e dominante que pretende arrastar as fichas e que, para se consolidar, não poupa os próprios golpistas inconvenientes.
Isso ficou cristalino nas capas das revistas semanais do fim de semana, separando o governo interino de Michel Temer em duas bandas, uma "podre" e outra "boa".
A revista Época, do grupo Globo, retratou Michel Temer com a dupla personalidade do Dr. Jeckil e do Mr. Hyde do livro O Médico e o Monstro. Para a revista, o lado monstro do governo Temer são os deputados e senadores do PMDB, PSDB, DEM e outros que se tornaram ministros, investigados na operação Lava jato e em outros escândalos. O lado "médico" do governo Temer, que seria o lado do bem na obra literária, se reduziria à área econômica comandada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e pelo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn. Precisa desenhar quem é o poder dominante no golpe dentro do golpe?
É claro que é o mercado financeiro, ou seja, os bancos e seus agregados. E para consolidar o golpe, agora é preciso se livrar primeiro do fardo de Cunhas, Aécios, Jucás, Henriquinhos e assemelhados, como em 1964 se livraram de Lacerda, Adhemar, JK, Jânio.
E deixar o que se salvar no Congresso e no governo Temer de joelhos para dizer "amém" aos pacotes de maldades de Meirelles que, no fundo, é um ciclo de transferência de renda e riquezas das classes média assalariada ou produtora e dos pobres para o bolso dos acionistas dos bancos e investidores, muito semelhante ao que ocorreu no governo FHC.
Até interesses estrangeiros no pré-sal e em outras riquezas nacionais são os bancos seus operadores mediante intermediação, montagem de consórcios, lobismo político, etc. Como ocorreu na privataria tucana.
O fogo amigo do golpe em golpistas ainda poupa parcialmente Michel Temer, praticando um "morde e assopra" para manter seu governo sob rédeas curtas. Mas derrubar mesmo só interessa por enquanto seus ministros da banda "podre". Interessa manter o presidente interino, primeiro para impedir a volta da presidenta Dilma. Se este passo for vencido, para o golpe dos bancos se consolidar é importante arrastá-lo na presidência até 1º de janeiro de 2017, pois sem Dilma e se Temer cair também antes disso, haverá eleições diretas e os bancos não têm um nome de confiança capaz de vencer no voto popular.
Mesmo Marina Silva aparecendo com chances em pesquisas, por mais que tenha demonstrado fidelidade canina ao Itaú nas eleições de 2014, não é vista como tendo habilidade, capacidade e liderança para conduzir um programa neoliberal com a necessária mão de ferro, ainda mais em um momento de crise.
Virado este ano, Temer se torna tão descartável quando Eduardo Cunha, Romero Jucá e Henrique Alves, pois, pela Constituição Federal, se o presidente e o vice eleitos forem afastados do cargo depois da metade do mandato, é o Congresso Nacional quem elege indiretamente o sucessor para completar o mandato. E aí haveria o sonho de consumo dos bancos: eleger Henrique Meirelles ou alguém à sua imagem e semelhança para presidente da República.
Sem ter de disputar o voto popular, fica fácil para os bancos imporem quem quiserem a um Congresso de joelhos, cheio de deputados que gostam mais de seus financiadores do que de seus eleitores, acéfalo de suas lideranças tradicionais que dominavam a correlação de forças políticas. A mesma mídia que propagandeou o golpe se encarregaria de vender a imagem de "salvador da Pátria", acima dos partidos e da política tradicional para "arrumar a casa" até as próximas eleições. A mesma lorota que falaram em 1964.
Como um ciclo neoliberal de concentração de renda para acionistas e investidores não se esgota em apenas dois anos, uma reforma constitucional também é imperativa na agenda do golpe para se manterem no poder para além de 2018. E essa agenda neoliberal, bastante impopular por reduzir direitos, arrochar a renda do trabalho e das aposentarias, e sucatear a educação e a saúde, passa por impedir que o povo recoloque no poder em 2018 via eleições um governo lulista que busque o desenvolvimento econômico com ascensão social de todos os brasileiros para a classe média e acima.
Logo, a reforma política dos sonhos dos bancos terá de reduzir mais a democracia, afastando a participação popular e reduzindo a influência do voto direto nos rumos do poder. É onde entra as teses parlamentaristas - de novo a teimosia da história se repetir como farsa, pois quando Jânio Quadros renunciou em 1961, o Congresso conservador aprovou a toque de caixa uma emenda instituindo o parlamentarismo para impedir João Goulart de fazer um governo trabalhista.
Com o parlamentarismo é muito mais fácil para o poder econômico controlar maioria no Congresso brasileiro do que controlar o voto popular direto para presidente. E ai do governo que afrontar as ordens impostas pelos bancos, pois o primeiro-ministro já cairia sem o estorvo de um complicado golpe disfarçado de impeachment.
Um primeiro balanço parcial do golpe inconcluso já mostra que vencedor de fato, por enquanto, só o mercado financeiro. Só o setor tem instrumentos e estratégias de ganhar em quaisquer circunstâncias, inclusive nas crises, seja através de ataques especulativos, seja através do manejo da dívida via juros altos. E é o setor que emplacou a raposa para tomar conta do galinheiro no governo Temer. Claro que setores empresariais que têm os bancos como operadores também ganham, como é o caso de petroleiras privadas interessadas em benesses no pré-sal.
Há nichos empresariais, digamos "amigos do rei interino" e amigos dos bancos, que também se beneficiam do golpe, como os grandes grupos de mídia. Mas se resumem a poucos casos isolados. O resto, inclusive empresários do setor produtivo e a classe média tradicional vai pagar o pato de transferir renda e patrimônio seu para os bancos. A esmagadora maioria de perdedores com o golpe faz com que a agenda anticorrupção continue necessária no noticiário para encobrir a tenebrosa agenda econômica concentradora de renda e até para confundir justificativas para repressão política e perda de direitos. Seria em nome do combate ao "monstro" descrito pela revista Época dentro do governo Temer, que culminaria em uma "solução Meirelles" a partir do próximo réveillon.
Neste contexto não sobra espaço de protagonismo nem para a mosca azul que eventualmente tenha picado juízes e procuradores com ambições políticas. A menos que tenham habilidade e vocação para serem executivos de bancos sentados na cadeira de chefe do governo, correm o risco de repetirem a frase do general Olympio Mourão Filho, que deflagrou em 1964 o estopim do movimento de tropas militares e depois acabou fora do governo golpista. Um mês após o golpe dizia a um jornal: "Em matéria de política, não entendo nada. Sou uma vaca fardada".
Hoje, a parte futura do desenho desse cenário de golpe dentro do golpe, para dar certo depende de o povo ficar de braços cruzados, assistindo a perda de direitos e de parte de sua renda ser gradualmente transferida para os bancos. Os setores da sociedade mais organizados em movimentos sociais já descruzaram os braços desde antes do golpe. Falta a maioria silenciosa fazer sua escolha.
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No golpe dentro do golpe, só os bancos arrastam as fichas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU