21 Junho 2016
Para o Papa Francisco, é uma expressão redutiva, que focaliza a questão a partir de um ponto de vista apenas sociológico e diminui uma realidade articulada, complexa e dramática. Na Villa Nazareth, na tarde do último sábado, o pontífice afirmou que ele não gosta do uso da definição "genocídio" aplicada à situação dos cristãos no Oriente Médio. Na realidade, está em curso lá uma perseguição, um martírio, e, portanto, deve-se falar de sacrifício da vida por razões de fé.
A reportagem é de Domenico Agasso Jr., publicada no sítio Vatican Insider, 18-06-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Villa Nazareth, na região da Pineta Sacchetti, em Roma, foi criada em 1946 pelo então Mons. Domenico Tardini, depois cardeal, para acolher órfãos e filhos de famílias numerosas e pobres, a fim de valorizar a sua formação a serviço da sociedade. O presidente da fundação é o cardeal Achille Silvestrini, que, como jovem padre, foi colaborador de Tardini. Quem acompanhou o papa na visita foi o vice-presidente, o arcebispo Dom Claudio Maria Celli.
Depois das saudações iniciais, na capela, reuniram-se estudantes do colégio universitário da Villa Nazareth de hoje, leigos, padres: ouviu-se o trecho do evangelho do Bom Samaritano. O bispo de Roma, em seguida, colocou em evidência a figura do albergueiro, que acolheu o samaritano: "Ele deve ter pensado que é um louco, que usa o seu dinheiro, que cuida das feridas". Em vez disso, é um "pecador que tem compaixão". "É isso que faz o testemunho", destacou Francisco. "O samaritano semeou inquietação no coração do albergueiro. E é isso que o testemunho faz."
"Certamente, o albergueiro está no Céu. Aquela semente germinou", concluiu o Papa Francisco a sua análise da parábola evangélica. No encontro com os jovens, o papa reconstruiu a parábola em uma perspectiva totalmente particular, a do albergueiro, "um anônimo, porque o Evangelho não nos diz nada dele, nem o nome".
Porém, justamente esse homem "viu algo que nunca teria acreditado em ver: um samaritano que ajuda um judeu. Ele o pegou e, com as suas próprias mãos, cuidou das suas feridas. Levou-o a um albergue e prometeu ao proprietário: 'Eu vou te pagar'. 'Ele deve ser louco. Nunca vi isso', o albergueiro deve ter dito. Mas, a partir desse 'louco', ele recebeu a Palavra de Deus. E, quando o samaritano voltou para pagar a conta, ele talvez deve ter dito: 'Deixe assim, eu resolvo'. 'Essas palavras do albergueiro, 'deixe, fica por minha conta', foram a primeira resposta ao testemunho do Samaritano, o testemunho de um pecador, porque o Samaritano não era fiel ao povo de Deus, mas teve compaixão. Era um pecador que teve compaixão e sentiu isso. Mas, no início, o albergueiro não entendeu nada. Ficou com a dúvida, a curiosidade, a inquietação dentro. O testemunho semeou inquietação no coração do hospedeiro. Não sabemos o que aconteceu depois, mas, certamente, o Espírito Santo o fez crescer. E ele, o albergueiro anônimo, deixou crescer essa mensagem. O testemunho passa e vai embora. Você o deixa lá e vai. E o Senhor o faz crescer: é como a planta que cresce mesmo enquanto o dono dorme."
"Que Deus livre dos padres que tem pressa"
"Desejo isso – assinalou o papa – também para nós. E que o Senhor nos livre dos bandidos (como aquele que tinha roubado e ferido o transeunte). Existem muitos, hein! Mas nos livre também dos sacerdotes que estão sempre com pressa, como aquele que não teve tempo para parar e socorrer o ferido. Talvez ele tinha que ir fechar a igreja, há um horário a ser respeitado, eles não têm tempo para escutar e ver: devem fazer as suas coisas. E dos doutores da lei, como aquele que não pôde parar. Talvez ele era um advogado e não podia correr o risco de perder um dia de trabalho e, talvez, de um dia para ir testemunhar no tribunal... Um daqueles que querem apresentar a fé de Jesus com rigidez matemática. Ensine-nos a parar e nos ensine a sabedoria do Evangelho. Isto é, a sujarmos as mãos: que o Senhor nos dê essa graça."
Depois do Pai Nosso e da bênção, o pontífice cumprimentou o pessoal de serviço e se dirigiu ao campo desportivo, onde cerca de 1.300 pessoas o esperavam. Falando sem ler os textos escritos, respondeu a uma série de perguntas de estudantes e ex-estudantes da residência universitária sobre vários temas.
No Oriente Médio há perseguição, não "genocídio"
Ele não gosta da utilização da expressão "genocídio" para a situação dos cristãos no Oriente Médio. De acordo com o papa, trata-se de uma definição redutiva, que focaliza a questão a partir de uma ótica sociológica, e isso reduz uma realidade articulada e complexa a categorias de pura dinâmica social.
Na realidade, no Oriente Médio, trata-se de perseguição, "que leva os cristãos à plenitude da sua fé", de martírio e, portanto, de sacrifício da própria vida por razões de fé.
"Eu não gosto – declarou, com tom severo –, e quero dizer isso claramente, quando se fala de um genocídio dos cristãos no Oriente Médio. Isso é um reducionismo."
"Nós façamos reducionismo sociológico daquilo que é um mistério da fé, um martírio", adverte. "Aqueles cristãos coptas, degolados nas praias da Líbia. Todos morreram dizendo 'Jesus, me ajude'. Estou certo de que a maioria deles nem sabia ler, mas eram doutores de coerência cristã, isto é, eram testemunhos de fé, e a fé nos faz testemunhar tantas coisas difíceis na vida."
"Não nos enganemos – advertiu ainda o Papa Bergoglio –, o martírio cruel não é o único modo de testemunhar a Jesus Cristo. Hoje, há mais mártires do que nos séculos passados, mas há o martírio de todos os dias: o martírio da paciência, na educação dos filhos, na fidelidade ao amor."
O martírio cotidiano e da honestidade
Francisco estendeu a sua reflexão a diversas situações da vida cotidiana, em que, de modos diferentes, os cristãos vivem situações de martírio, de testemunho da própria fé. Além do martírio máximo, o do sangue, também existe o de todos os dias, o "martírio da honestidade neste mundo que se pode chamar de paraíso dos subornos". Muito frequentemente, "falta a coragem de jogar na cara o dinheiro sujo. É um mundo onde tantos pais dão de comer aos filhos o pão sujo dos subornos."
"Muitas vezes, eu me encontro em crise com a fé"
Aos que lhe perguntavam se ele já teve uma crise de fé, Francisco diz – depois de definir ironicamente a pergunta como corajosa: "Muitas vezes, eu me encontro em crise com a fé, às vezes tive a audácia de repreender Jesus e também de duvidar. Essa será a verdade? Ou será um sonho?".
Isso lhe aconteceu "como menino, como seminarista, como religioso, como padre, como bispo e até como papa". Depois, destacou: a "um cristão que não sentiu isso algumas vezes", um cristão ao qual "a fé não entrou em crise, falta alguma coisa". A esse propósito, o papa acrescentou: "Eu não sei chinês, tenho muita dificuldade com as línguas. Disseram-me que a palavra crise se faz com dois ideogramas: risco e oportunidade".
Aos jovens: não às "múmias de museu" e às vidas "estacionadas"
Depois, um apelo aos jovens: "Arrisque, caso contrário a sua vida lentamente vai ser uma vida paralítica, feliz, contente, mas lá, estacionada". Para o papa, é "muito triste ver vidas estacionadas. É muito triste ver pessoas que parecem mais com múmias de museu do que com seres vivos. Arrisque! – exclamou – Vá em frente!".
"Você vai errar mais se ficar parado", insistiu. "Esse é o pior erro. O fechamento. Arrisque nos ideais nobres, sujando as próprias mãos. Assim como aquele samaritano da parábola arriscou. O testemunho credível de Jesus Cristo que é vivo. Eles nos acompanhou na dor, mas está vivo. Dito assim, parece muito clerical. Eu entendo que testemunho os jovens buscam: a do tapa."
Francisco explicou: "Um tapa acorda você das ilusões que você faz com ideias e promessas, ilusões de sucesso, 'vou ter sucesso por este caminho'. O espelho está na moda. Olhar-se. Aquele narcisismo que a cultura de hoje nos oferece. Quando não temos testemunho, mas temos um bom trabalho, uma família e somos homens e mulheres estacionados na vida. Que não caminham. Somos os conformistas, seguidores de um hábito que nos deixa tranquilos, precisamos do necessário, não nos falta nada. Mas quando estamos tranquilos, sempre há a tentação da paralisia".
É melhor não se casar sem a consciência do sacramento
"É melhor não se casar se não se sabe o que é o sacramento", disse. Na quinta-feira passada à tarde, no Latrão, o papa observou, pela mesma razão, que "hoje a maior parte dos matrimônios não são válidos". Mas a versão oficial do discurso, revisado no Vaticano, relata: "Uma parte dos matrimônios". Francisco voltou atrás: "Hoje – explicou – muitos não são livres nesta cultura hedonista. O sacramento do matrimônio só pode ser celebrado na liberdade, caso contrário, você não o recebe".
"Uma parte das pessoas que se casam não sabem o que fazem", continuou. "Existe uma cultura do provisório que penetra em nós, nos nossos valores e julgamentos. E isso significa que o matrimônio dura enquanto dura o amor, e depois termina. A Igreja deve trabalhar muito nesse ponto, na preparação para o matrimônio."
Depois, Francisco confidenciou a sua alegria quando, na missa de Santa Marta, são festejados os 50 ou 60 anos de casamento de alguns casais. "Fico feliz de falar com eles", diz, revelando ter perguntado frequentemente os esposos: "Em todos esses anos, quem teve mais paciência?". E de ter recebido frequentemente como resposta: "Ambos, brigamos quase todos os dias. Mas, paciência, padre, nós estamos apaixonados".
"Depois de 60 anos – observa Jorge Mario Bergoglio – isso é ótimo. Um dos frutos do sacramento. É a graça quem faz isso. Talvez possamos entender isso." "Briga-se – reconhece –, todos sabemos disso. Os pratos voam: é coisa de todos os dias. Mas não terminar o dia sem fazer as pazes. Eu tenho medo da 'guerra fria' de todos os dias. Basta um gesto para pedir desculpas ou perdoar. Não se esqueçam de se acariciarem, vocês, esposos. A carícia é uma das linguagens do amor, para dizer: 'Eu gosto tanto de ti, te amo'. Também com o corpo. Sempre. As carícias: acho que, com elas, será possível manter aquela força do sacramento. O Senhor também acaricia a Igreja, a sua esposa."
A economia mata, a indústria de armas é o melhor negócio
"A guerra é o negócio que, neste momento, dá mais dinheiro. Muitas vezes, a Cruz Vermelha não consegue fazer chegar as ajudas humanitárias. Mas as armas sempre chegam. Não há alfândega que as detenha."
O Papa Francisco repetiu isso no diálogo com os jovens da Villa Nazareth. "Hoje – denuncia – há uma economia que mata. No centro, nunca está o homem ou a mulher, mas o Deus dinheiro, e isso mata. Em uma manhã, você pode encontrar um sem-teto morto de frio na Praça Risorgimento, e isso não é notícia. Mas, se a Bolsa de Tóquio ou de Nova York caem dois ou três pontos, é uma grande tragédia internacional. Somos escravos de um sistema que mata."
Igreja fechada significa coração fechado
"Se uma igreja tem a porta fechada, isso significa que essa comunidade cristã tem o coração fechado. Devemos retomar o sentido da acolhida."
E mais: "A acolhida é uma cruz, mas uma cruz bonita, porque nos recorda aquela acolhida que o bom Deus tem em relação a nós, todas as vezes que vamos ao Seu encontro."
Cristãos perfeitos? "Olhem um pavão por trás..."
"Há quem se pavoneia", acreditando "ser um cristão perfeito. O pavão é bonito, mas virem-nos e olhem-no por trás. Essa também é a verdade do pavão."
O papa sugeriu isso falando da "hipocrisia da fé". "Muitos estão maquiados como cristãos, mas não são cristãos."
Depois, o papa contou um exemplo daquilo que pode acontecer nas Igrejas: "Você não está casado na Igreja e não pode ser padrinho. Mas você é um fraudador, um explorador, traficante de crianças. 'Mas é um bom católico, dá esmola à Igreja. Sim, você pode ser padrinho.' Mas assim invertemos os valores!".
"Ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém"
Francisco terminou citando as palavras de São Paulo: "Ou nos salvamos todos ou ninguém", que o apóstolo pronunciou quando, ao naufragar, encontrou abrigo em Malta.
Por fim, o papa pediu desculpas aos presentes pelo comprimento das seu respostas: "Eram sete perguntas, e eu fiz o sermão das sete palavras que, na Argentina, durava três horas. Rezem por mim. Este trabalho não é fácil".
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Papa Francisco: "Eu não gosto quando se fala de genocídio de cristãos" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU