10 Junho 2016
Depois de ter-se dirigido a um pagão e a uma viúva, a Palavra da Vida dirige-se agora a uma pecadora. O Senhor nosso Deus, posto ser o Deus da vida e do amor para com todos, mulheres e homens, é também o Deus do perdão e da misericórdia. Aos que amam, mesmo estando em pecado, Deus oferece a sua ternura.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 11º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo C. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas
1ª leitura: «O Senhor perdoou o teu pecado, de modo que não morrerás» (2 Samuel 12,7-10.13)
Salmo: 31(32) - R/ Eu confessei, afinal, meu pecado e perdoastes Senhor a minha falta.
2ª leitura: «Eu vivo, mas não eu; é Cristo que vive em mim.» (Gálatas 2,16.19-21)
Evangelho: «Os muitos pecados que cometeu estão perdoados, porque mostrou muito amor» (Lucas 7,36-8,3 ou 36-50)
Rumo ao amor verdadeiro
Em que consiste a fé? O que é crer? Em primeiro lugar, é não ter medo, não desconfiar daquele em quem se acredita. No que diz respeito a Deus, isto não é assim tão evidente, pois, não é ele um soberano exigente, sempre disposto a punir as nossas menores falhas? Não. O «temor de Deus» significa antes de tudo ter consciência do caráter absoluto do seu amor. Se esperamos obter a sua benevolência por causa de nossa observância da Lei, é em nós mesmos que acreditamos, não n’Ele (ver a segunda leitura). Mas a fé não consiste somente em “não isto, não aquilo” (não ter medo, etc.).
Fé é a adesão amorosa àquele que nos faz existir. O que implica numa escolha da nossa parte, de ser «como Ele» é. Porque só podemos existir realmente se nos deixarmos ser criados à sua semelhança. E isto significa aceitarmos ser animados pelo amor. Não podemos perder isto de vista, ao olharmos a prostituta que vai ao encontro de Jesus. Notemos primeiro que o evangelista não nos diz o seu nome. Por sobrepor-se esta narrativa à de João 12, com um significado todo outro, foi que acabou se confundindo esta prostituta com Maria de Magdala.
A nossa «pecadora» é anônima, porque, finalmente, representa todos nós. Perverteu e parodiou o amor, ao fazer da sua aparência um meio para ganhar dinheiro. E quando foi para junto do Cristo, foi para junto daquele que veio inserir no mundo o amor autêntico: amor que não consiste em tomar, mas em receber e em dar. O perfume usado para tornar mais agradáveis os seus encontros com os clientes, derramou-o todo nos pés de Jesus. E enxugou-os com seus cabelos, os seus ornamentos «profissionais».
"Tua fé te salvou!"
Lucas diz que ela cobriu de beijos os pés de Jesus. Em sua vida, quantas vezes ela teria abraçado e beijado? Mas, hoje, os seus beijos mudam de sentido. Falam do seu agradecimento. Agradecimento por quê? Só ficamos sabendo no final do relato, quando Jesus diz para esta mulher sem nome que seus pecados estão perdoados. E conclui: «Tua fé te salvou». É notável serem estas as únicas palavras dirigidas à prostituta.
Até ali, havia-se falado dela, mas ninguém tinha falado com ela. Passa, assim, do estatuto de objeto, a respeito do que se fala, para o estatuto de pessoa, de interlocutora. Mas voltemos ao início do relato. O seu comportamento pode ser interpretado como expressão de um remorso, de um arrependimento; ou como uma súplica, um pedido de perdão.
Da minha parte, vejo aí, antes de tudo, uma manifestação de gratidão. Gratidão antecipada. Ela ainda não tinha ouvido a palavra do perdão, mas sabia que Jesus havia ido lá para mudar a sua vida, para fazê-la renascer. É como se já o tivesse feito! Aliás, o simples fato de tomar a estrada para vir encontrá-lo já assinalava nela o poder mobilizador do perdão.
Perdão que já estava lá. Isto nos permite superar a aparente contradição das palavras de Jesus ao fariseu. De fato, no versículo 47, o comportamento da prostituta é que acarreta o seu perdão: manifestou aos pés do Cristo muito amor e será, portanto, muito perdoada. Então Jesus acrescenta: «a quem se perdoa pouco se ama pouco.» Amor e perdão se invertem, no primeiro lugar. A explicação: ao lado do amor e do perdão está a fé. É pela fé que a prostituta sabe que está sendo ou que vai ser perdoada. Ela, então, manifesta muito amor. Marcos 11,24: «Tudo quanto suplicardes e pedirdes, crede que já o recebestes, e assim será para vós».
Quem somos nós?
Esta narrativa da refeição na casa de Simão tem como tema central a questão da identidade: quem é Jesus? Quem é esta mulher? Finalmente, quem é Simão? E podemos acrescentar: quem somos nós?
No que diz respeito a Jesus, podemos pensar que o fariseu o convidou para poder fazer uma ideia a seu respeito: este homem será um profeta, um enviado de Deus? Pensa ter um começo de resposta, negativa, quando vê Jesus deixar-se tocar por «esta mulher»: ora, este Jesus não é um profeta. No final do relato, a questão ficou sem resposta: «Quem é este que até perdoa os pecados?» (v. 49). Jesus, para Simão e os seus convidados, permanece um mistério que só poderá encontrar resposta na fé: na fé que comanda o modo de agir da prostituta…
Quem é ela, afinal? No início, é chamada simplesmente de «uma mulher, uma pecadora». No fundo, o fariseu apenas inspecionou-a rapidamente com seu olhar, sem se interrogar sobre a sua identidade profunda. Jesus vai forçá-lo a olhar realmente para ela: «Vês esta mulher?» Olha! E Jesus enumera o que ela lhe fez, enquanto Simão não lhe manifestou qualquer consideração. No final, será dita como cheia de amor agradecido, como perdoada e salva, porque crente.
E Simão, quem é? É o único a receber um nome neste relato. Toma-se por alguém importante. Permite-se julgar seja a mulher seja Jesus. Pensa não ter grande coisa a se fazer perdoar. Jesus, no entanto, é bom notar, não o abandona a seus equívocos, mas convida-o a refletir. A questão que se põe: em qual destes personagens iremos nos projetar, para fazer nosso este relato? No fariseu, é claro, porque estamos sempre prontos a julgar, a condenar, a ignorar e a nos aprovar. Na prostituta, igualmente, porque, refletindo bem, nossa dívida é incomensurável. Enfim, guardada toda a reverência, no próprio Cristo, que acolhe e perdoa.
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"Tua fé te salvou!" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU