01 Junho 2016
O historiador explica por que a esquerda suporta o candidato neoliberal Kuzcysnki. "O fujimorismo é muito pior do que o neoliberalismo, é a tomada do controle do Estado por parte de setores vinculados ao tráfico de drogas."
A entrevista é de Carlos Noriega, publicada por Página/12, 31/05/2016. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
A ex-candidata presidencial da Frente Ampla esquerdista (FA), Verónika Mendoza, terceiro lugar nas eleições de abril, pediu ontem para seus eleitores o apoio a PPK, como é conhecido o candidato neoliberal Pedro Pablo Kuzcysnki, para bloquear o caminho a uma vitória de Keiko Fujimori. Sobre esta decisão e suas implicações, e o que poderia significar um novo governo fujimorista, Página/12 conversou com o historiador, antropólogo e pesquisador sênior do Centro de Estudos e Promoção do Desenvolvimento (DESCO), Carlos Monge, intelectual ligado à Frente Ampla.
Eis a entrevista.
Por que a esquerda decidiu apoiar a candidatura de Pedro Pablo Kuzcysnki, um neoliberal?
Por uma responsabilidade com o país, para fazer todo o possível para evitar que o fujimorismo, que já tem a maioria absoluta no Congresso, assuma o controle total do país. A possibilidade de que Keiko ganhe e a acumulação de provas que relacionam Keiko e acusados de lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, encontradas nos últimos dias, fez a esquerda tomar esta decisão de apoiar PPK. Kuzcysnki e Keiko não são apenas duas facetas do neoliberalismo. A do fujimorismo é uma face muito pior do neoliberalismo, é a tomada direta do controle do Estado por setores vinculados, pelo menos, à lavagem de dinheiro e, muito diretamente, ao narcotráfico. Nesta eleição, devemos escolher entre manter a democracia ou a mudança para uma espécie de narco-ditadura ...
O governo de Keiko seria um narco-Estado?
O governo de Keiko abriria as portas para o tráfico de drogas. Há uma longa história de relação entre o fujimorismo e o narcotráfico e há muitos vínculos atuais dessa ligação. É uma relação profunda. O tráfico de drogas é inerente ao fujimorismo, está em seu DNA, e isso é perigoso.
Para a esquerda tem sido uma decisão difícil pedir o voto para PPK?
Foi uma decisão complicada. O acordo inicial do Comitê Permanente da FA, imediatamente após o primeiro turno, era se posicionar fortemente junto à campanha contra Keiko, e nisso a esquerda está envolvida desde o princípio do segundo turno, para não votar em branco ou nulo, mas também não pronunciar-se explicitamente a favor de PPK...
Essa posição foi contestada pela sua ambiguidade ...
Sim, eu concordo que foi um acordo ambíguo. Dentro da FA há uma diversidade de pontos de vista e para muitas pessoas é difícil votar a favor de um neoliberal convicto, com um registro de negociações e contratos sempre desfavoráveis para o país e favoráveis aos seus amigos do setor empresarial. Mas, apesar disso, para o país e para a esquerda, é melhor um governo de PPK do que um de Keiko. O que influenciou muito nesta decisão de votar a favor de PPK foram as bases, pois muitas já haviam se pronunciado para votar em PPK para evitar o triunfo de Keiko. Esta postura tem vindo num crescente, como uma onda vinda de baixo. Há um setor da esquerda, fora da FA, que continua a apoiar a abstenção ou o voto em branco.
Este apoio a PPK trará um custo político para a FA e para Verónika Mendoza?
Um líder político sempre paga um custo por suas ações. O argumento para que não convocassem claramente eleitores a votar para PPK era que depois jogariam na cara da FA que havia votado a favor de um neoliberal. Há setores radicais da esquerda que vão acusar Verónika Mendoza e a FA de traidores ou pró-imperialistas por votar em PPK, mas a principal responsabilidade não é ficar de bem com esses setores radicalizados, mas com o país, e fazer tudo o que for possível para evitar o desastre do triunfo do fujimorismo. O voto da esquerda por PPK, nestas circunstâncias, é também um voto por sobrevivência, porque se Keiko ganhar, a presidência vai tentar matar a esquerda. Acho que PPK vai respeitar mais, não digo totalmente, mas vai. Junto a isso, as regras do jogo democrático permitem manifestações de protesto social e o esquerdismo. Keiko é totalmente intolerante e vai aplicar mão de ferro contra todos que puder. Se a FA não fizesse essa convocação pelo voto a favor de PPK, eles seriam culpabilizados pela vitória do fujimorismo e a instalação de um narco-Estado. O custo de não convocar o voto em PPK seria muito maior para a FA.
Este suporte de Verónika Mendoza e a Frente Ampla a Kuzcysnki, a uma semana da eleição, não chega um pouco tarde? Não deveria ter chegado antes?
Sim, é verdade, pode ser um pouco tarde. Com efeito, esta decisão deveria ter sido tomada, talvez, há algumas semanas e não recém agora. Eu acho que o apelo da FA para votar em PPK para barrar o triunfo de Fujimori deveria ter sido feito desde que acabou o primeiro turno.
Este chamado de Mendoza para votar em PPK pode ser decisivo a favor de Kuzcysnki?
Há uma porcentagem significativa de eleitores indecisos e de pessoas que dizem que votarão em branco e a maioria dessas pessoas são eleitores da Frente Ampla. Este apoio da FA a PPK visa influenciar uma porção desse voto. Este não é um país com uma grande institucionalidade e fidelidade dos partidos, onde os eleitores seguem o líder. É um país onde há uma capacidade limitada no endosso de votos. Não que este apelo influencie todos os eleitores da FA, mas em algo vai influenciar para que votem para PPK e não em branco ou nulo. Esperamos que esta influência seja o suficiente para ajudar a reverter a vantagem de Keiko Fujimori. Mas o resultado final da eleição não é responsabilidade de Verónika Mendoza e da esquerda, mas, principalmente, do que PPK fizer ou deixar de fazer nos próximos dias.
Este voto da FA para PPK implica a possibilidade de um acordo da esquerda com um eventual governo de Kuzcysnki?
Não acho que haja uma negociação da FA com PPK nesse sentido. É claramente um voto para impedir que Keiko ganhe. Verónika Mendoza disse que vai votar em PPK para frear Keiko, mas que a FA será um partido de oposição, caso PPK ganhe. Os setores sociais, muitos deles relacionados à FA, como sindicatos, associações de vítimas de violações dos direitos humanos, dos setores agrícolas, indígenas, entraram em negociação com PPK e seu plano de governo. Mas a Frente Ampla, como tal, não o fez.
A esquerda está em posição de negociar com PPK para que, caso haja um novo governo, modere o seu plano neoliberal e assuma algumas propostas econômicas ou de defesa dos direitos trabalhistas da FA?
Sim, eu acho que se abrirão alguns espaços para acordos relativos a algumas questões. PPK já negociou e entrou em consenso com vários setores, tais como a Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP - principal central sindical ligada ao Partido Comunista no país, que faz parte da FA), sobre uma agenda de compromissos que têm a ver com os direitos trabalhistas, por exemplo, que não estão em seu plano de governo, mas que se comprometeu a implementar. No congresso, a FA exigirá que cumpram-se esses compromissos.
Você não acha que, caso PPK ganhe, acabará se aliando e governando junto com o fujimorismo?
Em certas coisas, tais como macroeconômica ou a promoção dos principais investimentos, não tenho nenhuma dúvida de que ele se entenderia com o fujimorismo. Nesse caso seremos contra. Mas na bancada parlamentar de PPK existem pessoas que têm convicções claramente democráticas, as quais não vejo sendo patrocinadas por um Grupo Colina (esquadrão da morte do governo de fujimorista), encobrindo atos de corrupção ou aliando-se para tirar Fujimori da prisão. Seria um governo que realmente teria de negociar com o fujimorismo, porque esta é a maioria no congresso. Mas também teria de negociar com a FA para construir determinado equilíbrio.
E como você vê um possível governo de Keiko Fujimori?
Como um governo autoritário e corrupto. Existem setores muito duros que não perdoaram aqueles que têm sido associados à prisão de Fujimori e o alto escalão do exército, comprometido com o regime fujimorista, e vêm com sangue nos olhos e desejo de vingança. Em seu comportamento se vê que eles são prepotentes, agressivos, autoritários, e não têm nenhuma convicção democrática.
O governo de Keiko seria uma re-edição, uma segunda versão, do que foi o regime autoritário de Alberto Fujimori?
Sim, mas agora a penetração do tráfico de drogas no fujimorismo é pior do que era antes. Por essa maior penetração do narcotráfico, um governo de Keiko seria mais perigoso do que o de Alberto Fujimori.
PPK tem possibilidades de reverter a vantagem de Keiko e fazer uma reviravolta nesta última semana de eleição?
O Primeiro debate foi muito ruim para PPK e Keiko passou por cima dele. No segundo debate PPK foi muito melhor, mas faltou-lhe arrematar quando teve a chance de fazê-lo. A maioria dos analistas considera que ele ganhou o debate, talvez não por nocaute, mas venceu. Nestes últimos dias de campanha ele deve manter o nível que conseguiu no segundo debate, deve trabalhar sobre o voto indeciso, apresentando claramente o dilema entre a democracia e a ditadura. É difícil reverter a vantagem de Keiko, mas acho que as coisas não estão totalmente definidas.
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"Escolhemos democracia ou narco-ditadura" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU