23 Mai 2016
O papa é misericordioso para com os gays, assim como para todos os seres humanos, mas, quando se trata de direitos, ele não tem uma posição diferente da de Ratzinger.
A opinião é do sociólogo italiano Marco Marzano, professor da Universidade de Bérgamo, em artigo publicado no jornal Il Fatto Quotidiano, 20-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O duro discurso do cardeal [Angelo] Bagnasco contra a lei Cirinnà [que legaliza as uniões gays na Itália] permite esclarecer alguns equívocos, infelizmente, ainda presentes no debate público.
O primeiro equívoco soa assim: a Igreja já está resignada a que sejam reconhecidos alguns direitos dos casais homossexuais; a hierarquia pode se considerar satisfeita por ter obtido do Parlamento a remoção da stepchild adoption.
Agora temos a confirmação de que essa leitura da situação está errada: a hierarquia católica é e continua sendo o baluarte da resistência à modernidade e à democracia, a inimiga de qualquer ampliação igualitária dos direitos civis.
No dia dedicado à luta contra a homofobia, o presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI) reiterou que, para a sua organização, o amor entre duas pessoas do mesmo sexo vale menos, que os casais homossexuais não deveriam ser equiparados aos outros e merecem a condenação a viver na clandestinidade e sem qualquer proteção. A remoção das adoções não diminuiu a sua raiva feroz contra a lei.
O segundo equívoco pode ser descrito assim: com o papado de Francisco, tudo mudou, a hierarquia compreendeu que terminou a temporada da sua inferência nos assuntos públicos; de agora em diante, padres e bispos se dedicarão apenas à evangelização e à atividade missionária.
As palavras de Bagnasco também enterram essa convicção (ou esperança). Ao longo do itinerário de discussão e de aprovação da lei, a hierarquia católica se comportou exatamente como teria feito na época de Wojtyla e Ratzinger.
Na relação entre a Igreja, a sociedade e a política italiana, não mudou, do lado católico, absolutamente nada. Os discursos, os gestos e as ações de Bagnasco podiam ser perfeitamente sobrepostos aos do Ruini de antigamente. E a posição do atual chefe da CEI certamente não é isolada, porque, nesses meses, entre os hierarcas, não se levantou uma única voz discordante contra a linha dura de Bagnasco. Ao contrário, foram inúmeras, até mesmo entre as fileiras dos bispos considerados mais próximo do papa, as adesões às mobilizações contra os direitos dos homossexuais.
Portanto, não há razão para pensar que o próprio pontífice esteja em desacordo com o chefe dos bispos italianos. A esse respeito, Bagnasco corretamente relatou no seu discurso muitas afirmações do papa em defesa da família tradicional.
"Não se compreende como essas afirmações tão claras do Papa Francisco – disse o cardeal – passem constantemente em silêncio, como se nunca tivessem sido pronunciadas ou escritas."
Só quem não conhece como a Igreja funciona pode pensar que Bagnasco pode pronunciar uma frase dessas sem o consentimento do papa.
Se é verdade que esses temas não estão no topo dos pensamentos do pontífice, também é igualmente verdade que ele não tem nenhuma intenção, no mérito, de promover alguma mudança na posição tradicional da Igreja.
Em particular, sobre a questão homossexual e olhando para os seus três anos de pontificado, podemos observar que, no fim das contas, a única abertura concreta por parte de Francisco consistiu naquela célebre frase "Quem sou eu para julgar?", pronunciada em uma conversa com os jornalistas no avião.
Do outro lado, colocam-se rios de documentos e pronunciamentos oficiais nos quais o papa assumiu as posições reacionárias mais usuais, reiteradas por Bagnasco. O papa é misericordioso para com os gays, assim como para todos os seres humanos, mas, quando se trata de direitos, ele não tem uma posição diferente da de Ratzinger.
Só resta esperar no povo católico: em um êxodo silencioso de uma instituição irreformável ou em um repentino e imprevisto levantar de escudos público contra aqueles que querem, a todo custo, voltar para trás os ponteiros da história e condenar os católicos ao papel de eternos inimigos da liberdade e da justiça.
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Uniões gays: Bagnasco diz aquilo que o papa pensa. Artigo de Marco Marzano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU