Por: André | 12 Mai 2016
Defender os que nem sempre contam foi arriscado e provoca incompreensão e perseguição. Na Igreja católica não é diferente. No último 10 de maio completaram-se os 30 anos do martírio do Pe. Miguel Morais Tavares.
Fonte: http://bit.ly/1Tcw9zx |
A reportagem é de Luis Miguel Modino e publicada por Religión Digital, 11-05-2016. A tradução é de André Langer.
Ele sabia, como disse no dia 27 de abril de 1986 na Assembleia Diocesana de Tocantinópolis, Tocantins, região norte do Brasil, poucos dias antes da sua morte, que esta estava anunciada e encomendada. De fato, passaram-se poucos dias até que no dia 15 de abril seu carro fosse alvo de cinco tiros enquanto viajava entre as cidades de Agustinópolis e Axixá.
Suas palavras refletem que entendia que ser sacerdote e assumir o compromisso profético que deve fazer parte da vida de todo discípulo, tem suas consequências. “Eu quero que vocês entendam que o que vem acontecendo não é fruto de nenhuma ideologia ou facção teológica, nem por mim mesmo, ou seja, pela minha personalidade. Acredito que o porquê de tudo isso se resume em três pontos principais:
– Por Deus ter me chamado com o dom da vocação sacerdotal e eu ter correspondido;
– Pelo senhor bispo, Dom Cornélio, ter me ordenado sacerdote;
– Pelo apoio do povo e do vigário de Xambioá, então Pe. João Caprioli, que me ajudaram a vencer nos estudos”.
Ao fim e ao cabo, a sorte de quem quer caminhar com Jesus de Nazaré comporta situações semelhantes àquelas que o próprio Jesus viveu: “O discípulo não é maior do que o Mestre. Se perseguirem a mim, hão de perseguir vocês também”. Movido pela fé no Ressuscitado, o Padre Josimo não duvidava em afirmar que: “Tenho que assumir. Agora estou empenhado na luta pela causa dos pobres lavradores indefesos, povo oprimido nas garras dos latifúndios. Se eu me calar, quem os defenderá? Quem lutará a seu favor? Eu pelo menos nada tenho a perder. Não tenho mulher, filhos e nem riqueza sequer, ninguém chorará por mim. Só tenho pena de uma pessoa: de minha mãe, que só tem a mim e mais ninguém por ela. Pobre. Viúva. Mas vocês ficam aí e cuidarão dela”.
As palavras do sacerdote mostram o que da serenidade de ânimo assumia como consequência de uma forma de vida a partir do projeto cristão: “Nem o medo me detém. É hora de assumir. Morro por uma justa causa. Agora quero que vocês entendam o seguinte: tudo isso que está acontecendo é uma consequência lógica resultante do meu trabalho na luta e defesa pelos pobres, em prol do Evangelho que me levou a assumir até as últimas consequências. A minha vida nada vale em vista da morte de tantos pais lavradores assassinados, violentados e despejados de suas terras. Deixando mulheres e filhos abandonados, sem carinho, sem pão e sem lar. É hora de se levantar e fazer a diferença! Morro por uma causa justa”.
Humanamente falando, a atitude do Padre Josimo é inexplicável. Somente a partir de uma profunda experiência de Deus se pode assumir semelhantes palavras, um Deus que se faz presente na vida dos pequenos através do compromisso de quem realmente acredita n’Ele até as últimas consequências. Sua vida, seus escritos e testemunhos mostram que a atitude que fundamentou sua vida foi o serviço ao Reino de Deus, que se expressava na proximidade com os mais necessitados, no seu caso com os agricultores pobres expulsos de suas terras pelos grandes proprietários rurais locais.
Fonte: http://bit.ly/1Tcw9zx |
Foram estes fazendeiros que encomendaram a sua morte, encarregada a Geraldo Rodrigues da Costa, o mesmo que atirou contra o carro do padre no dia 15 de abril do mesmo ano. Quando chegava à sede da Pastoral da Terra, onde era coordenador da Comissão Pastoral da Terra do Bico do Papagaio, no Maranhão, enquanto subia as escadas, foi surpreendido pelo assassino que efetuou dois disparos. Transferido para o hospital da cidade, morreu duas horas depois. Morreu com 33 anos o “padre negro de sandálias gastas”, como era conhecido pelos lavradores que ele acompanhava.
Sua morte teve grande repercussão em um país que nesse mesmo ano restaurou o sistema democrático, e a investigação do assassinato, a pedido expresso de José Sarney, o então presidente da República, converteu-se em uma prioridade nacional, coisa pouco comum em muitos outros casos ocorridos no país. De fato, o enterro do religioso contou com a presença de 10 bispos e do ministro da Reforma Agrária, Nelson Ribeiro. A maioria dos implicados, mais cedo ou mais tarde, foi condenada.
A memória de Josimo, poeta e músico, aquele que com seu temperamento tranquilo gostava de ouvir as histórias do povo, segue viva entre os camponeses pobres do Brasil e na Igreja da Base, na mente e no coração de todos os que lutam para que a terra seja libertada das garras do latifúndio e dividida entre as famílias camponesas que nela encontram a fonte de seu sustento. Muitos assentamentos da Reforma Agrária, em todos os cantos do Brasil, receberam e continuam recebendo seu nome e as Comunidades Eclesiais de Base sempre o recordam como um dos “Mártires da Caminhada”, sabendo que não existe amor maior que dar a vida pelos amigos.
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Padre Josimo Tavares: 30 anos do martírio do defensor dos pequenos agricultores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU