29 Abril 2016
"Dentro de algumas semanas teremos, mais uma vez, a oligarquia no poder. Na sua proclamação da República, o Brasil conseguiu rapidamente tecer um pacto de oligarquias locais que transformava a democracia em um regime de fachada", constata Vladimir Safatle, professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP, em artigo publicado por Folha de S. Paulo, 29-04-2016.
Segundo ele, no governo Lula "seu modelo de acordos, de conciliações, de ganhos e paralisias repetiu o que o Brasil conhecera à ocasião da sua primeira incorporação das massas populares ao campo dos atores políticos, principalmente no segundo governo Vargas. Quando ficou evidente que esse modelo entrara em colapso, as oligarquias (mais uma vez baseadas em São Paulo) precisaram simplesmente empurrar uma porta podre e ocupar o espaço vazio. E assim voltamos várias casas para trás".
"Esse processo deveria, ao menos, - conclui Safatle - deixar evidente como a tarefa que espera aqueles comprometidos com o país é escapar do pêndulo, fazendo a crítica dura ao assalto ao poder produzido pela oligarquia sem acomodar-se ao fato de só termos até agora produzido saídas baseadas em incorporações populistas. Nossa tarefa é grande e bela. Ela consiste em criar uma história que, até agora, não existiu".
Eis o artigo.
Brasil funcionou até hoje sob um pêndulo. Esse pêndulo consegue puxar todos os atores políticos para um de seus polos, transformando-os em repetições de atores passados.
Na verdade, por mais que gostemos de pensar o contrário, o Brasil é um país no qual o passado nunca passa. Há aqueles que procuram nos fazer acreditar que a capacidade brasileira de esquecer seria garantia de que não seríamos assombrados pelo o peso das repetições. Mas o esquecimento, ao menos nossa forma de esquecimento, é uma maneira de conservar sem resolver.
Dentro de algumas semanas teremos, mais uma vez, a oligarquia no poder. Na sua proclamação da República, o Brasil conseguiu rapidamente tecer um pacto de oligarquias locais que transformava a democracia em um regime de fachada.
Nesse regime, eleições eram apenas um detalhe, já que as oligarquias já decidiam de antemão quem ocuparia o poder. Greve era crime grave contra a "ordem pública", a polícia servia basicamente para conter as revoltas sociais na base da violência bruta. Enquanto isto, a imprensa cobria toda a pantomima como se aquela associação de latifundiários fosse uma verdadeira república.
Esse regime dará novamente o ar de sua graça. O que vem aí não é a realização do novo há muito demandado pela população brasileira, mas o retorno de um recalcado que nunca foi embora, a entronização do arcaísmo no poder. Teremos um "presidente" com 2% de intenção de voto e 58% da população preferindo seu afastamento. Ele comporá um ministério com os derrotados das últimas eleições, com seus programas sempre recusados pela população.
O que não faz muita diferença, já que eleição agora é um detalhe. Inclusive, candidato de quem não gostamos nós prendemos. Pois, como na República Velha, teremos novamente uma "governabilidade" reduzida a conchavos com um Congresso que representa só suas próprias distorções, só a força do poder econômico na produção de uma casta.
Mas esta é apenas uma parte do problema. Como o Brasil funciona como um pêndulo, tudo o que conseguimos produzir contra o cinismo das oligarquias foi a reincidência contínua do populismo. O problema de falar em "populismo" no Brasil está no fato de que o termo é visto como uma injúria, uma regressão a estágios de personalismo explosivo, e não como uma categoria analítica.
O filósofo argentino Ernesto Laclau foi um dos poucos a conseguir escapar desse equívoco ao mostrar como o populismo descrevia uma característica fundamental da democracia, a saber, a capacidade de incorporação, através da construção do "povo", de classes sempre expulsas do poder. Mas, na lógica do populismo, esse processo cobra um preço alto. A incorporação do povo é feita por meio de um pacto frágil entre várias demandas sociais contraditórias, vindas de setores antagônicos.
Assim, Vargas integrou várias camadas da população na atuação política, mas ao colocar suas demandas no mesmo balaio de demandas da burguesia nascente, das oligarquias descontentes com os pactos paulistas, entre outros. Como dizia Vargas: "Meu problema não são meus inimigos, mas meus aliados". Pois esse arranjo populista funciona apenas por um tempo, ele é provisório, chega uma hora que os conflitos não podem mais ser agenciados.
Sei que muitos não concordam, mas o lulismo no poder foi a reincorporação dessa lógica populista. Mesmo que o PT tenha nascido como uma esquerda não trabalhista, o peso do pêndulo brasileiro levou Lula a vestir o macacão da Petrobras, sujar suas mãos com petróleo e repetir a mesma cena emblemática que marcou a guinada nacionalista de Vargas.
No governo, seu modelo de acordos, de conciliações, de ganhos e paralisias repetiu o que o Brasil conhecera à ocasião da sua primeira incorporação das massas populares ao campo dos atores políticos, principalmente no segundo governo Vargas.
Quando ficou evidente que esse modelo entrara em colapso, as oligarquias (mais uma vez baseadas em São Paulo) precisaram simplesmente empurrar uma porta podre e ocupar o espaço vazio. E assim voltamos várias casas para trás.
Esse processo deveria, ao menos, deixar evidente como a tarefa que espera aqueles comprometidos com o país é escapar do pêndulo, fazendo a crítica dura ao assalto ao poder produzido pela oligarquia sem acomodar-se ao fato de só termos até agora produzido saídas baseadas em incorporações populistas.
Nossa tarefa é grande e bela. Ela consiste em criar uma história que, até agora, não existiu.
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Entre a oligarquia e o populismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU