28 Abril 2016
“Sou da terra indígena Arariboia, do município de Amarante no Maranhão. Saí de casa com 10 anos para estudar, porque na minha aldeia só tinha até a quarta série. Tenho três filhos, moro na cidade de Imperatriz e viajo pelo mundo. Por causa do movimento indígena já conheci 22 países.”
A entrevista é de Iara Pinheiro, publicada por O Globo, 26-04-2016.
Eis a entrevista.
Conte algo que não sei.
No Brasil, a diversidade de povos indígenas é muito grande. Temos 305 povos diferentes que falam 274 línguas, o que já é um número muito reduzido em relação ao que havia em 1500. Só na Amazônia há mais de 60 povos, e pelo país, cerca de 80, que vivem isolados, nunca fizeram contato com a sociedade. Mesmo sendo os povos originários do país, a sociedade ainda nos desconhece. Somos invisíveis.
E como lidar com tanta diversidade?
É uma dificuldade por conta das diferenças e distâncias, mas conseguimos encontrar os pontos comuns. Como a garantia dos territórios, nossa maior bandeira de luta. A partir dela, buscamos o cumprimento e a efetivação dos direitos conquistados. Isso faz que todo mundo se junte.
Como é ser uma líder indígena mulher?
Estamos sempre buscando avanços que vêm de fora. Muitas culturas indígenas não permitem a participação da mulher, por isso é positivo uma figura feminina na coordenação do movimento nacional. Ainda falta muito para mulheres indígenas ocuparem espaços políticos de discussão e cargos públicos.
Como é a coexistência do novo e da tradição?
Se por um lado é preciso estudar e se preparar para ajudar nosso povo, por outro muita gente pensa que índio é o que fica lá na aldeia, pelado, pintado e que usa pena. Hoje, embora reduzidos, queremos manter e fortalecer nossa identidade. Isso não impede de adquirir conhecimentos. Não adianta só o conhecimento tradicional, porque eu não seria respeitada, as pessoas querem saber de diploma. Mas também não basta só o diploma. Juntar os conhecimentos nos fortalece.
Que tipo de educação os povos indígenas precisam?
Uma escola de qualidade que respeite o conhecimento tradicional. Se traz só o conhecimento externo ensina o indígena a deixar de ser o que é. Uma grande luta é que o Estado mantenha escolas bilíngues, temos que falar e entender o português, mas manter a língua materna. A educação deve tanto fortalecer a cultura quanto preparar para a vida. Para enfrentar o Estado brasileiro e a sociedade como um todo, precisamos conhecer a legislação. E para participar dos espaços de poder e decisão e fazer o debate político de igual para igual, precisamos entender. A educação deve ensinar esse conhecimento, sem deixar de fortalecer nossa identidade.
Como a extração de madeira e expansão da agricultura em direção a Amazônia afetam as populações indígenas?
É uma pressão diária. Poucas pessoas entendem a relação do indígena com a terra. Não veem que, para garantir a cultura, a gente precisa dessa terra. Não um lote ou uma fazenda, mas o conjunto do que ela é. A cultura indígena depende do sol, da água, da terra, do ar, do vento… É a partir dos elementos da natureza que temos nossas inspirações e sabedorias. Tudo que vem com o desenvolvimento é uma ameaça. Não é que sejamos contra, mas queremos que aconteça respeitando os nossos direitos, e isso dificilmente acontece. Com o desmatamento, acontecem conflitos e nem dentro da nossa terra temos mais liberdade. Os grandes empreendimentos e o agronegócio estão ditando as regras e passando por cima de qualquer direito em nome de um progresso que ninguém sabe onde vai dar. Só preservando conseguimos manter o equilíbrio da natureza. Quando lutamos por terra, estamos cuidando de todo mundo. E isso as pessoas não sabem.
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Sônia Guajajara, especialista em educação: ‘Quando lutamos por terra, cuidamos de todo mundo’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU