04 Março 2016
Dedico mais algumas linhas à negociação, ainda não finalizada, da suíça Syngenta, multinacional fabricante de sementes e agroquímicos, pela chinesa ChemChina.
Acredito que ela irá se concretizar, mas as preocupações norte-americanas em relação à aquisição são imensas, tanto quanto seu poder de fogo político e econômico no esforço para melar a venda.
O comentário é de Rui Daher, criador e consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola, publicado por CartaCapital, 04-03-2016.
Vejam aonde chegam as aflições dos EUA e entendam o caráter de uma nação hegemônica que bem assimilou o imperialismo europeu, sobretudo o britânico.
Os argumentos são agrícolas, como deveriam ser, mas se escondem atrás de posições geopolíticas, soberanas e de longo prazo. Lá não é como aqui, onde o futuro tem 24 horas.
Agroquímicos e organismos geneticamente modificados (OGM) ou transgênicos, em acepção mais conhecida, têm fabricação expressiva nos EUA (Monsanto, Dow-Dupont, FMC), na Alemanha (Bayer e Basf) e Suíça (Syngenta). Os ocidentais não causam preocupação, o antigo Império do Meio, sim.
A expansão agrícola da China não pode abrir mão da biotecnologia. Nem irá. Sua consciência ambiental não é das mais virtuosas. No mais, os chineses, embora ávidos importadores de certas commodities agrícolas, são exportadores líquidos de outras tantas.
No mesmo sentido, adquirem terras por todo o planeta. Não será para construírem resorts ou cassinos. O movimento da ChemChina em direção à Syngenta é, sim, paquidérmico.
Mas qual o receio dos EUA? Para a mídia, tergiversam. No Brasil, essa nem opina, pouco sabe, traduz o que vem do exterior, e imediatamente passa aos temas mais importantes, como a população de pedalinhos em Atibaia.
Na semana passada, o secretário da Agricultura dos EUA deixou escapar para o Financial Times: “Continuo extremamente preocupado com a maneira como a biotecnologia e a inovação estão sendo tratadas e obstruídas por um sistema na China que, muitas vezes, não se baseia na ciência e parece estar mais relacionada à política”.
Êpa, só mesmo gargalhando. Alguma nação, mais do que os EUA, põe a política acima de qualquer coisa?
A China restringe importações de soja e milho transgênicos, sobretudo dos EUA. Com o Brasil pega mais leve, embora saiba que 90% da soja brasileira é plantada com sementes OGM. Não disputa hegemonia conosco. Vez ou outra, quando com estoques altos, usa de embargos passageiros.
As alegações de Washington mostram certo desespero. Desde espionagem industrial cometida por chineses que moram nos EUA até a recusa de Pequim a novas variedades pesquisadas. A aquisição da Syngenta seria, ao mesmo tempo, uma forma de dar tempo para que a biotecnologia agrícola chinesa avance, além de ralentar o dinamismo do Ocidente.
“Se non è vero, è ben trovato”. Ou paranoia grave. A Syngenta, mesmo sendo suíça, já se dispôs a submeter a negociação à Comissão de Investimentos Externos dos Estados Unidos (CFIUS, na sigla em inglês).
Quem pode e pensa, pode.
Já quem não pensa ...
Imaginemos um país ao sul do equador, bonito pela própria natureza, que é Flamengo e tem uma negra chamada Teresa. Iria ele tão longe em suas preocupações com tal negociação?
Voltemos por um instante à capital Washington. Desnecessário beirar a Casa Branca ou o Congresso. Sentemo-nos no gramado da Georgetown e conversemos com o universitário Jimmy Lancaster.
- Jimmy, tivessem os EUA hegemonia na técnica de explorar petróleo em águas profundas abririam mão de participar da partilha em todos os blocos da camada pré-sal?
- No way, man. But you should ask it to Mr. Obama, right now I am tuned with the “Black Keys” new album ("De jeito nenhum, cara. Mas você deveria perguntar isso para o Sr. Obama. Agora estou ouvindo o novo album do Black Keys", em tradução livre)
No Flamengo e no Morro de São Carlos, a Teresa e my friend Charles querem saber por que a influência de um Vampiro careca e de uma Loira constituída por quilos de silicones e Botox fez o Senado, por 2 votos, aprovar mudanças no sistema de partilha do petróleo extraído da camada pré-sal, um feito de técnicos brasileiros que nada têm a ver com delações. Seus prêmios restringem-se ao orgulho próprio e à luta nacional até a criação da Petrobras.
Se não vetado pela presidente, o novo marco legal tira a obrigatoriedade de a estatal participar em todos os blocos de partilha. Depois da Lava Jato, ela não disporia mais de fundos para seguir na exploração. Ladrões confessos, corruptos e delatores, guiados por um juiz vaidoso e provinciano, destroem o maior patrimônio do País, açodados pelas folhas e telas cotidianas como fossem heróis.
O pré-sal é assunto de futuro e soberania. Não pode ser atravessado por Cunhas tipo impeachment, secular corrupção, favorecimentos de empreiteiras, caixas 2 de campanhas eleitorais, antenas de celular e pedalinhos.
Pergunto: diante desse quadro, seria este o melhor momento para vender nossas conquistas? Ou as coxas grossas do Congresso acreditam que as cotações internacionais do petróleo não são cartelizadas e permanecerão assim eternamente baixas?
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Syngenta, China e EUA: mais algumas linhas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU