23 Fevereiro 2016
Gürkan Kumbaroglu, presidente da Associação Internacional de Economia da Energia, afirma que, quando os preços voltarem aos 60 dólares, será explorado petróleo de xisto pelo mundo fora.
Gürkan Kumbaroglu, professor na universidade turca de Boghaziçi onde é também presidente do Centro de Investigação em Política Energética, defende uma diversificação de fontes de abastecimento de gás para a Europa desde a Turquia. É também um defensor da “despolitização” da energia. “A política complica e aumenta os custos da energia”, afirma este especialista que preside também à Associação Internacional de Economia da Energia.
A entrevista é de Lurdes Ferreira, publicada por Público, 22-02-2016.
Eis a entrevista.
O ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schaüble, defendeu recentemente a criação de uma taxa de combustível para financiar o acolhimento dos refugiados na Europa. O que pensa da ideia?
Os preços do petróleo e do gás natural têm descido consideravelmente. Numa altura de preços muitos baixos, parece uma sugestão razoável. Se estivéssemos nos 100 dólares, isso traria problemas, mas estamos à volta dos 30. No problema dos refugiados, se olharmos para o Médio Oriente, temos na sua origem também uma questão energética. Normalmente a energia leva a conflitos, neste caso seria usada como solução do problema.
O que podem fazer os países produtores de petróleo mais pequenos, como a Nigéria e o Azerbaijão, que estão a ter sérios problemas por causa dos preços baixos do petróleo?
Muitos dos produtores de petróleo e gás construíram as suas economias nacionais baseadas nas receitas do petróleo e gás, como o Azerbaijão, mas também a Arábia Saudita. Em minha opinião, precisam de reestruturar as suas economias, os seus orçamentos, de modo a adaptarem-se a um período de preços mais baixos, hoje mais determinados pela procura e oferta e menos pela especulação. Estes preços vão manter-se a um nível baixo por algum tempo. Porque temos mais oferta e a eficiência tem aumentado. A procura não tem aumentado tão depressa como a oferta protagonizada pelos EUA e pelos seus recursos não convencionais. Na verdade, estes existem em toda a parte, desde a Argentina à China, estão é ainda por explorar. A tecnologia nos EUA de fraturação hidráulica e perfuração horizontal teve uma grande descida de custos e, com uma grande produtividade, tornou-se economicamente viável extrair estes recursos. Assim que os preços regressarem aos 50/60 dólares, os recursos não convencionais que existem pelo mundo fora já poderão ser colocados no mercado [precisam de um preço mais alto] voltando a aumentar a oferta. Acrescem novas descobertas não convencionais no offshore. Por exemplo, a recentemente feita na costa do Egito [de um campo gigante de gás natural] foi uma das maiores. As perspectivas são de mais oferta do que procura de petróleo e gás.
Como vê o regresso do Irão ao mercado internacional de petróleo e gás?
É uma situação em que todos ganham. Agora que o país regressa, precisa de investimento e tecnologia, tem recursos energéticos e financeiros, volta a aceder ao seu capital que estava fora do país mas ao qual tinha o acesso bloqueado [por causa das sanções]. O Irão tem recursos energéticos, o capital está acessível e a necessidade por investimento, por novos actores e por um novo mercado de bens e serviços para as companhias, representa uma grande oportunidade para o país. Desde que cumpra os termos do desembargo, terá um rápido desenvolvimento.
A entrada do Irão vai obrigar a um tempo mais longo de preços mais baixos do que as petrolíferas desejam?
De certeza que vai ter impacto nos preços, ainda que a sua capacidade de aumentar a produção seja limitada no curto prazo, mesmo com todo o investimento que está a receber. Mal pode satisfazer as suas próprias necessidades e o fornecimento à Turquia. Tem recursos, que pode aumentar, mas apenas dentro de uns anos. O Irão tem as segundas maiores reservas mundiais de gás natural e as quartas maiores de petróleo. Com o investimento que se perspectiva e com a utilização do seu potencial vai tornar-se uma grande fonte adicional de oferta. Esta perspectiva abre uma nova dimensão aos países produtores. Irão e Arábia Saudita têm conflitos, mas são agora concorrentes no petróleo e no gás. O Irão é um aliado da Rússia, mas em termos de petróleo e gás é agora também um concorrente.
No centro de tensões e alianças, como o do triângulo Turquia-Rússia-Alemanha, como é que os turcos conseguem desenhar a sua política energética?
Tivemos recentemente uma conferência conjunta das associações turca e iraniana de economia da energia, sobre o pós desembargo iraniano, que terminou com um apelo à despolitização da energia. A política complica e aumenta os custos da energia. Os princípios de uma economia não funcionam, se forem politizados. No caso do desembargo ao Irão, isso vai ajudar a economia iraniana bem como as outras. Mas depois a política entra em campo e, mesmo que o Irão cumpra os termos do desembargo, há barreiras. Despolitizar a energia pode criar uma motivação económica para aproximar mais os dois países.
A Comissão Europeia anunciou que quer controlar ex-ante os grandes acordos intergovernamentais dos Estados-membros com países terceiros para o fornecimento de gás natural, tendo especialmente na mira a dependência europeia em relação ao gás da Rússia. Isto vai afetar a Turquia, como ponto de passagem de uma parte importante do gás russo que chega e se previa chegar à UE?
Tem uma vantagem e uma desvantagem para a Turquia. A desvantagem é que o projeto do gasoduto Turkish Stream para trazer o gás russo até à fronteira com a Grécia, através da Turquia, torna-se menos viável. A vantagem é que os novos projetos de gasodutos de gás do Azerbaijão, Turquemenistão, Irão e Iraque ganham importância. Para todas estas grandes fontes de fornecimento, a Turquia emerge como a rota mais econômica para transportar via gasoduto o gás para a Europa. A proposta da Comissão Europeia vai evitar futuros conflitos como o que vemos no projeto Nord Stream 2 [que está a ser construído por russos e alemães, sob fortes críticas de vários estados-membros]. É uma medida útil e necessária. Também a ideia de que a segurança do aprovisionamento passa a basear-se numa estratégia regional, com uma coordenação reforçada entre os estados-membros, permitirá uma gestão mais eficiente da segurança do aprovisionamento.
A Turquia localiza-se no centro de uma imensa rede de gasodutos sejam em atividade, em construção ou em projeto, ligando a Ásia à Europa. Como olha para esta realidade?
A construção do gasoduto Trans Anatólia [parte central do projeto do chamado Corredor de Gás do Sul, incentivado pela Comissão Europeia, ligando o Cáspio à Europa via Turquia] começou e penso que será o primeiro a funcionar, não vejo qualquer problema com esta infra-estrutura. A sua continuação para a Europa será o gasoduto Trans Adriático. A capacidade deste gasoduto será de 32 mil milhões de metros cúbicos. O gasoduto proposto pela Rússia, o Turkish Stream, vindo do Mar Negro, previa 64 mil milhões de metros cúbicos. Mas se o gás da Rússia concorre com o do Arzebeijão, com o gás do Irão, o Turquemenistão também pode fornecer, assim como o Iraque. Se todo este gás chegar e concorrer entre ele, torna-se um mercado competitivo, diversificado e com mais segurança de abastecimento. Mas se tivermos apenas um gasoduto da Rússia para a Europa, a dependência é grande. A cooperação entre a Turquia e a Grécia é também importante. O Irão está agora a trabalhar com a Grécia num acordo para fornecimento de gás. A concorrência é importante. A Turquia tem uma localização estratégica para se tornar um hub do gás, tendo, por um lado, todas estas fontes à volta e, por outro, os consumidores europeus. É importante um hub do gás com concorrência. Há um grande potencial de construção de novos gasodutos e de um mercado com fontes diversificadas.
O gás russo que atravessa hoje a Turquia em direção à Europa é o Blue Stream…
Atualmente há dois gasodutos que vêm da Rússia para a Turquia: o Blue Stream e o Trans Balcânico. O Blue Stream complementa o corredor de transporte da Rússia para a Turquia continuando-o através da Ucrânia, Moldávia, Romênia e Bulgária. Há mais dois gasodutos operacionais que entram na Turquia: um vindo do Irão e outro do Arzebeijão, que servem para alimentar o mercado turco e não têm capacidade para responder às necessidades da Europa. São necessários novos gasodutos, como o Trans Anatoliano, em construção.
Dado que a Europa se vai manter como grande consumidora de gás nos próximos anos…
Sim, sim, uma grande consumidora de gás de certeza absoluta. As energias renováveis não são uma verdadeira alternativa para a indústria que precisa de aquecimento a altas temperaturas. Para isso são precisos combustíveis fósseis, o gás, que é mais ambientalmente amigo do que o carvão, o qual a Europa continua a consumir muito.
Não sendo membro da UE, a Turquia tem no entanto um peso estratégico por causa do seu papel de corredor de energia para a UE. Como vê este papel?
Por causa da sua localização estratégica, se a Turquia se tornasse membro de pleno direito da UE, esta poderia construir este hub e desenvolver um mercado competitivo. Seria uma situação em que todas as partes ganhariam. Por isso digo que a ponta sudeste da Europa, Turquia, e a ponta ocidental, Península Ibérica, são localizações estratégicas das quais emergem potenciais hubs de energia em direção ao mercado europeu.
São portas de entrada?
Sim, são localizações estratégicas para a UE, em termos energéticos.
A cimeira do clima, apesar do sucesso político, não fixou um preço global do carbono. Acredita que, mesmo assim, se vão atingir as metas?
O acordo de Paris de fato não tem um compromisso nesse ponto, como no protocolo de Quioto. O preço do carbono no mercado hoje está muito baixo. Não há incentivo suficiente para os investidores se voltarem para os sectores de baixo carbono. Os planos nacionais são declarações do que os países podem fazer mas não são um compromisso. E são baseados em pressupostos e abordagens diferentes entre eles, por isso, será muito difícil verificar a validade destes pressupostos e fazer uma comparação internacional.
Que obstáculos antevê?
Em termos econômicos, devia haver uma taxa de carbono elevada, de 30/40 dólares por tonelada, que levasse a uma mudança. Não há nada neste acordo que aumente o preço do carbono. Como é que as metas nacionais conseguirão ser atingidas? No acordo anterior, havia mecanismos de flexibilidade e comércio internacional que penso que continuam a ser válidos. É necessária cooperação internacional para reduzir as emissões de carbono da forma mais económica possível. Imagine que era mais barato reduzir emissões em Portugal do que na Alemanha. Os alemães vinham investir em baixo carbono em Portugal, um pouco como o mecanismo de desenvolvimento limpo previsto no protocolo de Quioto. Tinha regras e regulamentos muito bem estabelecidos neste ponto. Este tipo de cooperação internacional num mercado global de carbono, como foi o sistema europeu de comércio de emissões (ETS) precisa de ser alargado a um nível ainda mais global e a preços mais elevados. Precisamos de um mecanismo como este.
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"A política complica e aumenta os custos da energia" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU