22 Fevereiro 2016
"Eu conheci Umberto Eco quando fui a Milão, à Biblioteca Ambrosiana, que foi a nossa primeira 'ponte', dada a sua conhecida bibliofilia. E depois nos tornamos amigos, sempre de maneira reservada." O cardeal Gianfranco Ravasi, hoje presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, recorda aquelas visitas do escritor à caixa-forte bibliotecária de Milão, verdadeiro tesouro para aqueles que, como Umberto Eco, por sua vez, possuíam uma coleção – "realmente impressionante", aponta Ravasi – de textos antigos.
A reportagem é de Edoardo Castagna, publicada no jornal Avvenire, 21-02-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Em torno de quais elementos girava a amizade de vocês?
O primeiro, naturalmente, estava ligado à Bíblia. Eco tinha uma verdadeira paixão pelos estudos bíblicos, embora dissesse que nunca poderia tê-los praticado. Sabe-se que ele se perguntava por que as crianças das escolas deviam saber tudo sobre os deuses homéricos e quase nada de Moisés, tudo sobre a Divina Comédia e não sobre o Cântico dos Cânticos e dos outros textos bíblicos que são o seu palimpsesto. Estando ciente da minha prática exegese, ele sempre estava pronto para dialogar comigo. Entre os textos que mais o fascinavam, destacava-se, por exemplo, o Eclesiastes.
E depois?
O segundo nó estava ligado à literatura medieval. Todos conhecemos O Nome da Rosa – romance que nasceu primeiro das nossas frequentações na Ambrosiana, que começaram por volta de 1990 –, mas a sua paixão, acima de tudo, eram dois principais autores. O primeiro é óbvio, Tomás de Aquino: ele fez a tese de doutorado sobre a sua estética. Lembro-me da sua emoção quando eu lhe mostrei um texto autografado do santo, escrito com uma grafia quase incompreensível, obscura, o oposto da sua lucidez lógica. Talvez seja menos conhecido o seu interesse por Ramon Llull, do qual a Ambrosiana conserva uma boa coleção de códices. Mas é possível entender bem isso, porque Llull é uma figura capaz de estabelecer pontes de comunicação também com o Islã: ele conhecia o árabe, tinha interesse pelo diálogo... E, depois, o filósofo catalão era curioso, passava da disputa à lógica, da polêmica à cavalaria. Até o Livro do gentio e dos três sábios, aquele diálogo entre um pagão e três sábios que se interrogava sobre as religiões monoteístas. Em suma, justamente aquele grande espectro de curiosidade que o próprio Eco tinha.
Por fim, havia o amor comum pelo livro...
Era o terceiro elemento da nossa amizade. Nos encontros aos quais eu o convidava, eu quase o desafiava a mostrar o quanto ele sabia de códices que eram normalmente de domínio dos especialistas. A Biblioteca Ambrosiana o fascinava tanto que ele sempre ia quando estava fechada, para poder percorrer entre as salas em liberdade.
O fato de você ser um eclesiástico nunca foi um obstáculo?
Ao contrário, era um vínculo a mais. À parte da sua experiência religiosa juvenil – uma matriz que ele nunca tinha querido esquecer, apesar do seu espírito profundamente laico –, havia nele o desejo de ver como se podia viver a experiência de fé, mesmo sem renunciar a todas as curiositas culturais. Sempre com grande respeito pelos temas teológicos e de espiritualidade: eu me lembro que, uma vez, voltando juntos de carro da Universidade de Bolonha, onde tínhamos discutido o Cântico dos Cânticos em um encontro desejado pelo reitor Ivano Dionigi, ele saboreava novamente, degustava, retomava o tema do amor, assim como era lido pelo Cântico e pela tradição mística.
Se você tivesse que sintetizar a lição de Umberto Eco, que palavra escolheria?
Sem dúvida, "curiosidade". Mesmo tendo uma especialização própria e um rigor próprio, ele continuava convencido da complexidade do real e queria sempre olhar para além das próprias fronteiras. Por outro lado, a curiositas, pela sua natureza etimológica, também é cuidado, paixão, preocupação com algo: não simplesmente girar pela realidade como uma borboleta, mas também busca de envolvimento. Como escrevia Rousseau em Emílio, só somos curiosos na medida em que somos instruídos.
Um rigor que hoje não parece estar em alta...
Na cultura contemporânea, desponta em muitos o gosto por falar apenas para mostrar que se sabem tantas coisas... É preciso evitar os dois extremos, o excesso de especialização e a aproximação, mas o risco sempre está à espreita. Mas me deixe concluir com uma recordação pessoal...
À vontade.
Uma tarde, eu o levei ao cardeal Martini, junto com Beniamino Placido e Aldo Grasso, para aconselhar o arcebispo na redação da sua famosa carta pastoral "A orla do manto: para um encontro entre Igreja e meios de comunicação". Eco, verdadeiro contador de histórias, falou e discutiu longamente, a tarde se estendeu até o jantar, e, no fim, o seu último conselho foi: "Sinto muito, mas eu não sou capaz de dar sugestões para escrever uma carta pastoral. Ao contrário, eu mesmo preferiria escrevê-la...".
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Umberto Eco e a sua curiosidade de bibliófilo apaixonado pela Bíblia. Entrevista com Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU