Por: Cesar Sanson | 02 Fevereiro 2016
Quais as chances do senador socialista na disputa pela Presidência da República?
Na terça-feira 19, Chelsea Clinton foi escalada pela mãe para conversar com estudantes do mais disputado colégio eleitoral da Costa Leste do país. Confrontada por uma professora, interessada em saber quais pontos fortes da campanha da ex-secretária de Estado deveriam ser usados pelos alunos pró-Hillary nos debates contra os simpatizantes de Bernie Sanders, a jovem não poupou críticas ao senador do vizinho Vermont: “Ele quer destruir a reforma do sistema público de saúde que lutamos tanto para ver aprovada, deixando milhares de cidadãos ao deus-dará”.
A reportagem é de Eduardo Graça e publicada por CartaCapital, 01-02-2016.
Importa menos a exatidão da crítica – o Politifact, site especializado em checar a veracidade de bravatas de campanha nos EUA, considerou a afirmação de Chelsea falsa – do que a constatação de que o quartel-general da campanha de Hillary passou a considerar Sanders uma ameaça real. Inimaginável até há pouco tempo, a disputa no campo democrata apertou. Nunca um candidato realmente socialista chegou tão perto da Casa Branca.
A CNN acaba de divulgar uma pesquisa na qual o senador de 76 anos bate Hillary Clinton em New Hampshire por 60% a 33%. Ao contrário do outro insurgente que tomou de assalto a cena política ianque, o milionário Donald Trump, à frente em todas as consultas no Partido Republicano, Sanders é político de carreira. Foi prefeito de Burlington, deputado federal e senador por Vermont, a unidade mais gauche da federação norte-americana. Um estado de maioria caucasiana, com mais animais do que eleitores, tradicional espaço para experimentações sociais e políticas. Foi lá que o movimento de direitos civis dos gays iniciou as lutas no Judiciário local, o primeiro passo em direção à recente vitória na Suprema Corte, responsável por oficializar, na prática, o casamento entre indivíduos do mesmo sexo.
O interessante é que o senador nem sequer é filiado ao Partido Democrata. Eleito como independente, vota à esquerda da Casa Branca, é duro crítico do programa de salvação dos bancos conduzido por Obama e não aceita doação de corporações. Apesar disso, nos últimos quatro meses de 2015 ele arrecadou 33 milhões de dólares, contra 37 milhões da adversária. O importante é notar que quase a totalidade dos mais de 1 milhão de cheques pró-Sanders ficou abaixo do teto individual de 2,7 mil dólares, o que indica um possível reforço de caixa se a batalha ficar ainda mais apertada.
Hillary trabalha com um cenário parecido com aquele de 2008, com os delegados disputados voto a voto até maio e um gasto extra de 50 milhões de dólares na campanha. A convenção do partido se realizará em julho, mas momentos decisivos se darão nas primárias de quatro estados – Iowa, New Hampshire, Carolina do Sul e Nevada – e na chamada Super-Terça-Feira, com votos concomitantes nos quatro cantos do país. Os dois lados consideram que uma vitória de Sanders nos dois primeiros estados seria um cataclismo capaz de transformar a massa mais ou menos homogênea de voluntários do senador em um movimento, o maior temor dos Clinton.
A campanha de Hillary gastou metade do dinheiro arrecadado para “tentar segurar Iowa”, na expressão de um aliado próximo. Sanders acha graça da palavra “movimento” e está decidido a protagonizar o que chama de “revolução política”. É este, também, o termo usado pela revista semanal The Nation, baluarte da esquerda, que apenas três vezes apoiou um candidato presidencial. O mais recente foi o Obama versão 2008. Os editores da Nation resumiram as bandeiras centrais da campanha do senador: educação universal pública do jardim de infância à universidade, sistema único de saúde, salário mínimo de 15 dólares a hora, aumento de impostos para os mais ricos e devassa no sistema financeiro.
Ao contrário de Obama, o senador de cabelos grisalhos, coluna arqueada e óculos de aros transparentes tem pouca aceitação entre os negros, parcela importantíssima do voto nos estados sulistas. No último debate realizado antes de Iowa, ele afirmou que seu único problema com as minorias étnicas é não ser tão conhecido quanto os Clinton. Não é bem assim. Suas declarações contrárias a reparações aos negros por conta da escravidão – “temos de olhar para a frente e trabalhar juntos para o progresso de todos” – e sua hesitação em apoiar os militantes críticos à constante violência da polícia contra jovens negros solidificaram ainda mais a posição de Hillary no eleitorado afro-americano. A ex-senadora também tem o apoio majoritário dos eleitores de origem hispânica. A disputa, mesmo em termos nacionais (de acordo com a última pesquisa NYT/CBS Hillary venceria Sanders por 48 a 41, uma vantagem que era de 20 pontos em junho), só se acirrou por causa do aumento da participação dos jovens. Sanders bate Hillary em uma margem de 2 por 1 entre os democratas com menos de 30 anos.
“Ainda temos de ver se a candidatura Sanders se transformará em uma revolução política de fato, capaz de vencer as primárias e chegar à Casa Branca. Mas ela já demonstrou que outra forma de política é possível”, diz o editorial da The Nation.
Entre os republicanos, a disputa também se afunilou, com Trump e o senador ultraconservador Ted Cruz, do Texas, bem à frente nas pesquisas. Trump continua favorito. Melhor para Sanders. Apesar de aliados de Hillary Clinton repetirem o mantra de que os americanos jamais ungirão um presidente socialista, em todas as pesquisas, no caso de um eventual duelo entre Sanders e Trump, o senador grisalho de Vermont venceria aquelas que podem ser as mais surpreendentes eleições da história recente dos EUA.
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A utopia Sanders - Instituto Humanitas Unisinos - IHU