20 Janeiro 2016
A sobrevivente de abuso clerical irlandesa Marie Collins disse esperar que 2016 conte com resultados por parte da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores, apesar do ritmo “infelizmente lento” das reformas que estão sendo desenvolvidas.
A reportagem é de Sarah Mac Donald, publicada por National Catholic Reporter, 19-01-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Falando em tom pessoal ao National Catholic Reporter, Collins, membro da Pontifícia Comissão, admitiu achar a burocracia vaticana “muito difícil”.
O órgão responsável pela salvaguarda dos menores, que está começando o seu terceiro ano de trabalho, é presidido pelo cardeal de Boston Sean O’Malley e tem marcado para realizar a sua próxima reunião no início de fevereiro.
“Nós atuamos nos grupos de trabalho durante o intervalo destas reuniões gerais. Grande parte do trabalho é feito eletronicamente. Estamos trabalhando o tempo todo. Ele nos ocupa e é um tanto estressante”, disse.
Collins, que em 1997 trouxe à justiça o sacerdote que a abusou sexualmente enquanto estava doente em um hospital de Dublin na década de 1960, disse que “ainda há resistência” dentro da Igreja em salvaguardar os protocolos e é por isso que o trabalho da Comissão é “essencial”.
Em alguns países, ainda existe a atitude de que o abuso sexual infantil cometido pelo clero “não é um problema e jamais o será, ou que é um problema da Europa e dos EUA, ou dos países falantes de língua inglesa, ou ainda que este problema está sendo exagerado, que nunca irá acontecer em nosso país por causa da nossa cultura...”, disse.
“É bastante difícil convencer as pessoas a colocarem em prática medidas de segurança, se elas pensam que algo assim nunca vai acontecer. As pessoas não conseguem ver a importância da prevenção aqui”, comentou Collins.
Por outro lado, em países onde a Igreja está encarando o problema, ela detecta uma atitude de “Quando isso tudo vai acabar e quando poderemos parar de pôr todas essas resoluções e políticas em prática? Quando poderemos voltar à forma como éramos antes? Precisamos superar esses pensamentos e dizer que jamais iremos voltar para onde estivemos”.
Collins acredita que serão os sobreviventes de abusos na África e na Ásia que vão forçar a Igreja aí a implementar uma mudança. Até o momento, nos países onde os abusos foram descobertos e as melhores práticas de salvaguarda foram implementados, sempre se viu um movimento liderado pelos sobreviventes.
“Não é que a Igreja preferiu ouvir; é que ela teve de ouvir por iniciativa dos sobreviventes, e eu não acho que alguma coisa vai mudar a esse respeito”, declarou.
Em lugares como Irlanda, EUA, Reino Unido e Alemanha, “a melhor coisa que a Igreja poderia ter feito é ter admitido todos os seus erros e ter pesquisado por que ocorreram os acobertamentos e por que a resposta sistemática foi a que foi”, disse Collins. “Não acho que exista alguma vontade em saber os porquês”.
Admitindo que pode estar soando “muito negativa”, Collins acrescentou: “É preciso trabalhar com a realidade. Não se pode pensar que, porque a Igreja pôs em prática uma Comissão, de repente tudo vai mudar. Se eu achasse que este era o caso, seria maravilhoso, mas não é”.
A mulher que fez a frente em denunciar os abusos clericais em seu país admite que nunca se imaginou trabalhando em uma comissão vaticana. Este é um exemplo de como a Igreja passou a reconhecer a sua culpabilidade ao invés de contra-atacar suas vítimas.
“Sabendo das atitudes que estavam sendo dirigidas a mim e outros como eu”, disse ela, “e ouvindo as pessoas nas dioceses me dizerem que eu deveria ir embora e esquecer de tudo o que se passou, obviamente eu nunca me vi na posição que ocupo hoje”.
Ela recorda como, na década de 1990, quando a sua história de abuso clerical surgiu na imprensa irlandesa, um sacerdote em sua própria paróquia de Dublin disse à comunidade paroquial para não acreditar em nenhuma de suas palavras. “O que importa é o trabalho que está sendo feito; o importante é fazermos com que as crianças estejam mais seguras no futuro. Estamos nessa Comissão para isso”.
O estresse envolvido no trabalho da Comissão “não é muito diferente” de quando ela era uma persona non grata dentro da Igreja. “Ainda temos de lidar com pessoas na Igreja – não estou dizendo todo mundo – que têm aquelas atitudes defensivas de que os sobreviventes estão exagerando, que estão em busca de dinheiro ou procurando destruir a Igreja”, declarou Collins.
Nos últimos meses, a Associação dos Sacerdotes Católicos da Irlanda vem salientando a obrigação que os bispos têm junto aos padres que são acusados de abuso sexual infantil. Em sua reunião anual no mês de novembro, o grupo criticou os bispos que, muitas vezes, supõem que os sacerdotes acusados são, de fato, culpados e, imediatamente, os afastam do trabalho.
Porém, na opinião de Collins, os bispos “têm de saber balancear os seus deveres com os sacerdotes diante do dever com as crianças e adolescentes”.
Referindo-se ao princípio da supremacia, o qual exige que se coloque o bem-estar da criança em primeiro lugar, a irlandesa contou ao National Catholic Reporter que “se nós sempre tomarmos nossas decisões baseados neste princípio, então seremos muito mais claros sobre qual é a prioridade: a prioridade é que as crianças ou os jovens devam ser mantidos seguros. Portanto, não é uma questão de saber pesar direitos iguais. Eu acho que este ponto está sendo esquecido”.
No entanto, ela também reconhece: “Um perpetrador ou alguém que está fora do ministério tem direitos e precisa de acompanhamento. Mas quando nos encontramos numa situação em que temos de pensar sobre os direitos dessas pessoas e os direitos das crianças, precisamos colocar a segurança das crianças em primeiro lugar”.
Com o Papa Francisco, a Igreja vem sendo menos julgadora, no sentido negativo da palavra.
“É maravilhoso que tenhamos uma Igreja mais humilde, porque o meu problema com as lideranças sempre foi a arrogância deles, vendo-os colocarem-se em cima de pedestais”.
Apesar de tudo o que Collins passou, a sua fé permanece sólida.
“Eu sempre mantive a minha crença em Deus. As dificuldades que tenho são com a Igreja institucional e se eu realmente quero fazer, ou preciso fazer, parte desta instituição para continuar a ser uma fiel. Eu, de fato, tive muitas lutas e tiveram momentos em que eu simplesmente quis ir embora. Mas eu ainda me mantenho na luta”, reconheceu.
O ano de 2016 é marcante para Collins. Ele vai ser um período para “fazer um balanço” de muitas coisas. Ela e o seu marido completarão “40 anos de casados em breve, e eu tenho um aniversário especial” – ela completará 70 anos.
“Eu tenho que ver o que quero fazer com o resto de meus dias”, disse. “Quero desfrutar de minha família. Eu tenho um marido, Ray; o meu irmão, Harry; e meu filho, Peter, e sua esposa. Passei muitos anos longe, quando não estive bem de saúde, não podendo interagir ou fazer parte do que estava acontecendo em família”.
Aqui a entrevistada estava se referindo aos anos finais da década de 1970 e inícios dos anos 1990, quando esteve hospitalizada com depressão e agorafobia. Nesses anos todos, o seu marido “precisou ser mãe e pai” na educação do filho e na administração da casa. Somente muito tempo depois é que ele soube do abuso que Collins havia sofrido de um sacerdote.
“Desde que tenho feito terapia nós temos desfrutado, de verdade, os momentos juntos”, disse Collins. “É por isso que o nosso 40º aniversário de casados vai ser especial. Vai ser um tempo para eu reavaliar onde a minha vida se encontra”.
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Sobrevivente de abuso sexual espera que o Vaticano produza resultados em 2016 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU