11 Janeiro 2016
"Para que essa presença, esses novos espaços, essa peculiaridade não se tornem uma questão da qual se ocupam somente as mulheres, numa “segregação”, que é o contrário da reciprocidade fecunda tantas vezes invocada pelo papa. Uma reciprocidade que tem em si o masculino e o feminino, a paternidade e a maternidade", escreve Annachiara Valle, em artigo publicado por Italiani Europei, 06-01-2016. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
Eis o artigo.
Fecha para padres mulheres, mas abre outros caminhos mais complexos e menos explorados. Para o papa Francisco a questão das mulheres na Igreja não terminou na reivindicação de um tipo de “oportunidades iguais”. Vai além, na busca pelo que seja o carisma, a vocação, “o gênio”, como dizia João Paulo II, exatamente sobre o universo feminino. No voo de volta da viagem a Cuba e aos Estados Unidos, Bergoglio, ao ser questionado diretamente sobre ordenações presbíteras femininas, teria respondido: “Não porque as mulheres não tenham capacidade, porque na Igreja as mulheres são mais importantes do que os homens”. Uma importância que, explica o papa, não está nos planos de fazer as mesmas coisas que os homens. Muito menos de serem sacerdotes. A maior razão para, como cita mais de um teólogo, falar que as mulheres poderiam ter poder na Igreja se tivessem a possibilidade se se tornarem ministros ordinários esconde uma concessão clerical da própria Igreja, de tal forma que somente o sacerdote teria dignidade e papel superior aos demais membros da Igreja. Uma concessão da qual não somente as mulheres, mas todos os laicos sairiam humilhados.
Mas o que quer dizer que “na Igreja as mulheres são mais importantes que os homens”? É o Papa Francisco que, em 2013, retornando da sua primeira viagem internacional ao Rio de Janeiro, explica que “uma Igreja sem as mulheres é como o Colégio apostólico sem Maria. O papel da mulher na Igreja não é somente a maternidade, a mãe de família, mas é mais forte: é exatamente o ícone da Virgem, de Nossa Senhora; aquela que ajuda a Igreja a crescer”. E, com a expressão que teve em outras ocasiões, teria acrescentado que “Nossa Senhora é mais importante do que os Apóstolos! É mais importante! A Igreja é feminina: é Igreja, é esposa, é mãe. Mas o papel da mulher, na Igreja, não deve acabar somente como mãe, como trabalhadora, limitada... Não! É uma outra coisa!”.
O exemplo, dito agora mas repetido em julho de 2013 visitando o Paraguai, é exatamente o das mulheres daquele país, “a mulher mais gloriosa da América Latina”. Gloriosa porque é graças às suas mulheres que o Paraguai, um país dizimado pela guerra, foi capaz de se reconstruir e repovoar, de transmitir a fé, de arrumar o tecido social então rasgado. “Mulheres ativas”, que têm vontades e um papel guia na sociedade. Um exemplo a seguir também na Igreja, porque “não se pode entender uma Igreja sem as mulheres, mas mulheres que sejam ativas na Igreja, com o seu perfil”. Como fizeram as mulheres paraguaias. “Permaneceram ali, depois da guerra, oito mulheres para cada homem, e essas mulheres fizeram uma escolha difícil: a escolha de ter filhos para salvar a pátria, a cultura, a fé e a língua”.
E ainda na Igreja se deve “pensar na mulher nessa perspectiva: de escolhas arriscadas, mas como mulheres. Isso se deve explicitar melhor. Creio que nós não temos feito ainda uma profunda teologia da mulher, na Igreja”. Uma promoção que também passa pelos afazeres, mas que não fica só nisso. Então não apenas, afirma o papa, a mulher “pode fazer isso, pode fazer aquilo, agora atua como ministra, agora lê as Escrituras, é presidente da Cáritas... Mas pode muito mais! É preciso fazer uma profunda teologia da mulher”.
Uma teologia que tem necessidade de palavras novas, de uma linguagem que não seja, como talvez tenha sido em excesso, “feminista”, mas “feminina”. Não é um caso em que seja necessário palavras “femininas” para explicar a Igreja e falar ao mundo o que é essa “mãe fecunda”, “cheia de compaixão”, “que ama da forma visceral das mães”, capaz sempre de “gerar”. É com o exemplo e a presença das mulheres que a Igreja, como disse o papa Francisco aos bispos brasileiros em 2013, “gera, amamenta, faz crescer, corrige, alimenta, conduz pela mão”. “A Igreja é mulher, é A Igreja, não O Igreja”, ressaltou por várias vezes Bergoglio.
E é no início deste mesmo ano, na audiência de 07 de fevereiro, que o papa ditou uma agenda específica para valorizar a presença feminina. “Uma luta não mais adiada (aquela de) estudar critérios e modalidades novas para que as mulheres se sintam não apenas visitantes, mas plenos participantes dos vários âmbitos da vida social e eclesiástica”. Uma batalha na qual são primeiramente chamados os pastores das nossas Igrejas, mas também laicos de diversas maneiras comprometidos na cultura, na educação, na economia, na política, no mundo do trabalho, nas famílias, nas instruções religiosas.
A palavra-chave é o “com” da relação. “A igualdade e a diferença das mulheres – como do restante dos homens – são mais bem percebidas na perspectiva do com, da relação, do que nado contra”, tinha dito Francisco naquela ocasião. “Há tempo fomos deixados para trás, pelo menos nas sociedades ocidentais, o modelo da subordinação da mulher ao homem, um modelo secular que, porém, não terminou com todos os seus efeitos negativos. Superamos também um segundo modelo, aquele da igualdade pura e simples, aplicada mecanicamente, e da igualdade absoluta. Assim se configurou um novo paradigma, aquele da reciprocidade na equivalência e na diferença. A relação homem-mulher, então, deveria reconhecer que ambos são necessários enquanto possuem, sim, uma identidade natural, mas com modalidades próprias. Um é necessário ao outro, e vice-versa, para que se cumpra a plenitude da pessoa”.
O código simbólico, para entender a contribuição das mulheres na Igreja e na sociedade, é aquele da “geração”, não apenas no sentido biológico. O papa resume essa geração em quatro verbos: “desejar, colocar no mundo, cuidar e deixar andar”. Verbos que as mulheres tornam explícitos em todos os âmbitos nos quais trabalham: na família, no campo da educação para a fé, na atividade pastoral, na formação escolar, nas estruturas sociais, culturais e econômicas. “Vocês mulheres – ainda é o Papa quem fala – sabem encarar a face gentil de Deus, a sua misericórdia, que se traduz na disponibilidade em doar tempo mais que ocupar espaços, a acolher ao invés de excluir. Neste sentido, me agrada descrever a dimensão feminina da Igreja como o colo acolhedor que regenera a vida”.¹
Mas, exatamente para que a Igreja não perca a sua fecundidade e a sua capacidade de proteger e acompanhar a vida, é urgente que as mulheres tenham, seja na sociedade ou na Igreja, os espaços idôneos para que sua presença seja eficaz. De tal maneira que não coloque em contraposição as diversas esferas, que não penalize a vida privada, que não coloque as mulheres diante da escolha “trabalho-família”, que administrem seus salários e suas exigências, que protejam o seu corpo.
“Trata-se – explica Bergoglio na mesma ocasião – de encorajar e promover a presença eficaz das mulheres em tantas partes da esfera pública, no mundo do trabalho e nos locais onde são tomadas as decisões mais importantes, e ao mesmo tempo manter a sua presença e atenção preferencial, e de todo especial, nela e pela família. Não é preciso deixar que as mulheres levem este peso sozinhas e que tomem as decisões, mas todas as instituições, a elas somada a comunidade eclesiástica, são chamadas e garantida a liberdade de escolha para as mulheres, para que tenham a possibilidade de assumir responsabilidades sociais e eclesiásticas em harmonia com a vida familiar”.
E, se na agenda de Bergoglio existe uma mulher presente na esfera pública, o papa fala “convencido da urgência de oferecer espaços às mulheres também na vida da Igreja e de acolher, percebendo as especificidades e as sensibilidades culturais e sociais. É desejável, portanto, uma presença feminina mais capilar e incisiva nas Comunidades, de tal forma que possamos ver muitas mulheres envolvidas nas responsabilidades pastorais, no acompanhamento de pessoas, famílias e grupos, assim como na reflexão teológica”.
Presença no público, presença na Igreja, mas presença também na família. E junto. Esta é, na concepção de Bergoglio, a própria vocação humana: “Não se pode esquecer – explica o papa – o papel insubstituível da mulher na família. Os dons de delicadeza, sensibilidade peculiar e gentileza, da qual a alma feminina é rica, representam não somente uma força genuína para a vida das famílias, para a irradiação de um clima de serenidade e de harmonia, mas também uma realidade sem a qual a vocação humana não poderia ser realizada”.
Uma batalha tripla que as mulheres acolheram há tempo, mas que necessita do empenho de toda a comunidade eclesiástica e social. Para que essa presença, esses novos espaços, essa peculiaridade não se tornem uma questão da qual se ocupam somente as mulheres, numa “segregação”, que é o contrário da reciprocidade fecunda tantas vezes invocada pelo papa. Uma reciprocidade que tem em si o masculino e o feminino, a paternidade e a maternidade. Porque “é preciso uma Igreja capaz de redescobrir as vísceras maternas da misericórdia, porque sem a misericórdia não se tem muito a fazer hoje para se inserir em um mundo de “feridos” que necessitam de compreensão, de perdão, de amor”. Se o exemplo é “uma Igreja Esposa, Mãe, Serva, mais facilitadora da fé que controladora da fé”, o modelo não pode ser outro que não a mulher.
É ela que revela a face de um Deus pai que é também “mãe”, dizia João Paulo I com a expressão que também o papa Francisco usou tantas vezes. Um pai que é como aquele do filho pródigo. A Igreja, “mãe de coração aberto”, como Francisco intitula um dos capítulos da exortação apostólica “Evangelii gaudium”, é capaz de levar novamente o mundo “ao pai que deixou as portas abertas para que quando o filho voltar possa entrar sem dificuldades”.
A Igreja mãe é também pai misericordioso, a Igreja com a sua “materialidade” é a “casa paterna onde tem lugar para qualquer pessoa com sua vida cansada”, disse Francisco no dia 05 de fevereiro. Uma perspectiva que diz respeito a homens e mulheres e que faz da questão feminina não uma reivindicação ideológica, não uma luta de poder, mas uma batalha para que homens e mulheres possam falar, juntos, o valor do humano. E defendê-lo. Para Bergoglio é a mulher, “cada mulher” que “leva uma secreta e especial benção para a defesa da criatura do maligno, como a mulher do Apocalipse que corre para defender o filho do dragão e o protege”, acrescentou em 16 de setembro.
Cada mulher, disse no dia seguinte recebendo as religiosas, porque todas “são mães, com o desejo de andar na primeira linha com uma ‘materialidade’ que a faz próxima da Igreja”. É tempo, porém, de arregaçar as mangas, de estudar, de criar locais de reflexão e de prática. Locais compartilhados onde trabalhem juntos homens e mulheres. Uma teologia a ser feita junto, homens e mulheres, na reciprocidade e não na separação na qual os homens pensam nos homens e as mulheres pensam nas mulheres. Hoje, mais do que nunca, “tem espaço para uma teologia da mulher que esteja à altura dessa benção de Deus para ela e para a geração contemporânea”.
Nota:
1 – Coletiva aos participantes da Assembleia Plenária do Pontifício Conselho da Cultura, 07 de fevereiro de 2015, disponível no site press.vatican.va/contente/salastampa/it/bolletino/pubblico/2015/02/07/0099/00220.html
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A igreja feminina de Bergoglio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU