07 Janeiro 2016
A própria terminologia que utilizamos já é significativa: uma coisa é definir a condição do "divorciado recasado" como "adultério" ou "concubinato"; outra é chamá-la de "família ampliada" ou "segunda união". No primeiro caso, ela é lida apenas como "impedimento" à comunhão; no segundo, como "urgência ou necessidade" de comunhão.
A opinião é do teólogo leigo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua.
O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 05-01-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Durante esse último biênio, sob a estimulante pressão dos trabalhos sinodais sobre a família, tivemos que reler a tradição do "fazer a comunhão" com a disponibilidade de nos deixar interrogar sobre os nossos hábitos mais consolidados e sobre as evidências aparentemente indiscutíveis.
Entre as vozes que, com maior autoridade, se pronunciaram, estiveram todos aqueles que, a partir do Papa Francisco, redescobriram uma consideração da "comunhão" não só como "prêmio dos perfeitos", mas como "fármaco e remédio para quem está a caminho". Uma comunhão não só como "plenitude e cumprimento", mas também como "pedagogia e medicina".
Entre as palavras mais belas que ouvimos nesse período, ainda ressoam as que Carlo Maria Martini disse na sua última entrevista, quando convidou a Igreja que se interrogava sobre a "comunhão aos divorciados recasados" a "inverter a pergunta", olhar para a realidade da família e da Eucaristia em uma perspectiva diferente. Recordemos as suas palavras proféticas:
"Levamos os sacramentos às pessoas que precisam de uma nova força? Eu penso em todos os divorciados e nos casais em segunda união, nas famílias ampliadas. Eles precisam de uma proteção especial. (…) A questão sobre se os divorciados podem comungar deve ser invertida. Como a Igreja pode ajudar com a força dos sacramentos aqueles que têm situações familiares complexas?"
A "inversão da pergunta" é uma virtude rara e difícil. É muito mais fácil fechar todas as portas e todas as perspectivas, remetendo a uma "objetividade" que impediria o acesso à comunhão de modo drástico e inapelável. Mas aqui, justamente, podemos perceber que o cardeal Martini não só exercia um carisma pastoral e teológico que lhe podia fazer dizer "coisas novas", mas também que estava dotado de uma rica "memória da tradição", que, há muitos séculos, "sabe" que o "fazer comunhão" não é apenas o "coroamento de uma condição de perfeição".
Algumas trechos da "Imitação de Cristo", o conhecido texto espiritual sobre o qual se formaram dezenas de gerações de cristãos e de padres, nos fazem compreender bem alguns aspectos dessa "visão diferente".
Se lermos o "livro quarto" (e último) do texto – dedicado ao "sacramento do altar" – descobrimos, de fato, que todo o discurso é comandado por uma citação evangélica: "Venham para mim todos vocês que estão cansados de carregar o peso do seu fardo, e eu lhes darei descanso" (Mt 11, 28). O teor do texto, comandado por essa orientação, enfatiza, ao mesmo tempo, dois lados da relação com a comunhão eucarística que, nos séculos posteriores, por assim dizer, se simplificaram e se diferenciaram: por um lado, a necessidade de uma relação intensa e vital com a Eucaristia e, por outro, o cuidado da dignidade da relação, para não "ofender a Deus". Eis um texto particularmente significativo:
"Si enim non accedo, vitam fugio, et si indigne me ingessero, offensam incurro" (4, VI, 1), que, traduzido, soa como: "Se não me aproximo, fujo da vida e, se me acerco indignamente, te ofendo".
O que é notável, nesse texto, é a consideração "paritária" do duplo problema: por um lado, a necessidade de "dignidade", mas, por outro lado, a necessidade da nutrição. Essa me parece ser uma "fonte" de autoridade daquela "inversão" exigida por Carlo Maria Martini há já alguns anos: ou seja, a perspectiva de considerar "as famílias ampliadas" não só como "problemas morais para o acesso à Eucaristia", mas como sujeitos particularmente necessitados dessa "ajuda".
Por outro lado, a própria terminologia que utilizamos já é significativa da abordagem: uma coisa é definir a condição do "divorciado recasado" como "adultério" ou "concubinato"; outra é chamá-la de "família ampliada" ou "segunda união". No primeiro caso, ela é lida apenas como "impedimento" à comunhão; no segundo, como "urgência ou necessidade" de comunhão.
No entanto, há um maior esclarecimento, que, indiretamente, o texto da "Imitação de Cristo" nos sugere. O quarto livro, que é dedicado ao "sacramento do altar", olha-o a partir da perspectiva do ministro, isto é, tem como interlocutores os "sacerdotes". É a eles que ele se dirige e é a eles que ele pede para redescobrirem esse "duplo lado" da comunhão. Portanto, seria possível se perguntar: esse trecho do texto não limita as suas consequências a "sujeitos diferentes" em relação àqueles para os quais, hoje, se gostaria de invocar a sua eficácia? Como se pode aplicar aos "divorciados recasados" o que há 600 anos foi escrito para os "clérigos"?
Essa possibilidade reside em uma "passagem eclesial" que começou no início dos anos 1900, com Pio X, e que fez da "comunhão frequente" a característica não só dos clérigos, mas também de todo o "povo de Deus". Essa intuição não tem apenas raízes litúrgicas, mas também eclesiológicas e teológicas. Ao estender a "todos os batizados" uma relação estrutural com o "fazer a comunhão" – saindo das lógicas estreitas demais do preceito pascal –, ela definiu, há um século, uma releitura da fé e da Igreja, à luz da qual até mesmo a solução das "questões pastorais" assume outro tom e outras prioridades.
A "pergunta invertida" corresponde a um "repensamento eclesial" e a uma nova "consciência batismal". Por isso, hoje a pergunta sobre a "comunhão aos divorciados recasados" exige uma resposta alta e abrangente. E nós vimos, em vez disso, como ainda hoje as "fugas para trás" ou os "formalismos" se apresentam facilmente como "atalhos", para iludir a Igreja de que pode responder à pergunta nova "sem inversões", "sem conversões" e "sem superação da autorreferencialidade", mas permanecendo aprisionada nos próprios hábitos simplificadores.
Também da "Imitação de Cristo" brota o futuro da Igreja: por que deveríamos nos surpreender com o fato de que a "conformação a Cristo" pede à Igreja uma forma renovada?
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O cardeal Martini e a "Imitação de Cristo", duas fontes para uma releitura do "fazer a comunhão". Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU