20 Novembro 2015
Tempo presente. O sistema das máquinas é um monstro totalitário. Ele permitiu o desenvolvimento econômico, mas produziu uma sociedade que não tolera heresias: um caminho de leitura a partir do livro La religione tecno-capitalista, de Lelio De Michelis, para a editora Mimesis. Mas a desordem mundial é fortemente organizada, como testemunha por L’età del caos, um livro de Federico Rampini, para a editora Mondadori. Enquanto isso, a democracia está reduzida a uma concha vazia e em déficit de legitimidade, como afirma Pierre Rosanvallon, no seu último livro, publicado pela Rosenberg&Sellier.
A análise é de Benedetto Vecchi, publicada no jornal Il Manifesto, 17-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um livro com uma tese simples, mas baseado em uma estratificação analítica, filosófica, econômica e sociológica muito articulada e complexa, que quase constitui um labirinto em que o risco é de se perder. Há muita teoria crítica de Frankfurt, mas também o flagelador da tecnoestrutura Jacques Ellul, o socialista liberal Norberto Bobbio, o Max Weber da jaula de aço, a hostilidade filosófica de Martin Heidegger contra a técnica, a filosofia antitotalitária de Hannah Arendt. E muitos outros ainda.
O autor é Lelio De Michelis, professor de sociologia econômica e estudioso há anos da grande transformação que investiu contra o capitalismo nas últimas três décadas a partir do papel cada vez mais determinante da técnica e da ciência que se tornou força produtiva para todos os efeitos nos processos produtivos.
As suas contribuições saíram nos volumes coletivos Biopolitiche del lavoro, Biopolitica, bioeconomia e processi di soggettivazione e Natura e artificio, em que a tecnologia é vista como um aparato já autônomo da economia, mas que tem o poder de impor regras, vínculos e compatibilidade ao conjunto das relações sociais. De fato, ela tem um poder performativo que molda a realidade social e política à sua imagem e semelhança.
O capitalismo, adverte De Michelis, a usou para garantir a sua reprodução, que, marxianamente, não podia deixar der ampliada, isto é, chegando a constituir o único modo de produção do planeta Terra, apagando, às vezes violentamente, às vezes de maneira light, as outras formas de produção da riqueza.
Isto é, o capitalismo não tem mais nem antagonistas – o socialismo real – nem outras formações sociais subalternas, na clássica relação entre centro e periferia do sistema-mundo, para obter matérias-primas ou para vender as mercadorias produzidas.
Um além mundano
Portanto, não há um fora do capitalismo. É aquela totalidade da qual não há rotas de fuga ou na qual se possa elaborar projetos de transformação radical. Daí a necessidade de delinear criticamente as características de uma Religione tecno-capitalistica: esse é o título do livro publicado pela editora Mimesis (261 páginas), que legitima a sua existência e que não admite heresias.
Religião mundana, como, aliás, Walter Benjamin escreveu em um texto "menor", escrito nos anos 1920, recentemente usado pelo filósofo alemão Peter Sloterdijk para assinalar, justamente, a dimensão teológica e performativa da sociedade capitalista.
Fracassado o socialismo, o golem amassado com as suas cinzas obviamente não tem nada a ver com a visão humanista de Karl Marx sobre o homem novo, mas sim com aquele indivíduo proprietário que maximiza os seus interesses econômicos e sociais, assim como afetivos e relacionais.
Como iniciar uma secularização, porém, continua sendo uma pergunta sem respostas. Por enquanto, escreve o autor, é preciso se contentar com evidenciar o fato de que, dada a sua característica "totalitária" (termo que retorna obsessivamente ao longo de todo o livro), promete felicidade e bem-estar através de uma mercantilização de todo âmbito social e individual. Portanto, não há um além ultraterreno, mas sim um ordenamento teológico que se manifesta no funcionamento do sistema das máquinas.
O advento do mundo tecnocapitalista é posterior a um apocalipse cultural e social que tornou o planeta um "paraíso do diabo". Nos 30 anos inglórios do neoliberalismo, o estado de bem-estar foi reduzido ao mínimo, e, com a sua manifesta irrelevância, foi apagada toda possível alternativa ao capitalismo.
A técnica, portanto, é a fiel sentinela de uma ordem constituída que não tolera falhas, fissuras, oposição. Tudo deve funcionar como um sistema autorregulado, enquanto a sociedade deve ser governada segundo um princípio pastoral.
Portanto, não há possibilidade de que a religião tecnocapitalista possa produzir caos, movendo guerras ou destruindo nações e sociedades a fim de garantir a sua reprodução. Se isso ocorre, é para pôr ordem no rebanho a ser governado.
No livro, porém, não há ecos do que está acontecendo às portas da Europa, mas permanece forte o não dito: as guerras que são travadas no Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria devem ser inscritas naquele processo de desagregação em que o caos é preferível à existência de países recalcitrantes a assumir a religião tecnocapitalista.
A ausência de qualquer vestígio desse tema, que começa abrir caminho entre os milhares de cadáveres causados pelas guerras humanitárias ou pela tentativa de instaurar califados, torna o mundo descrito por Lelio De Michelis um monstro nascido da recombinação dos dois monstros da tradição bíblica, isto é, o Leviatã (ordem estatal) e Behemoth (as paixões deixadas à solta por si mesmas), que não contempla o princípio de contradição.
Uma perspectiva que desmonta a arma da crítica, porque o caos, organizado – é desnecessário dizer – em um dos tantos oxímoros que dominam a realidade contemporânea, constituiu e constitui ainda hoje a forma política dominante do capitalismo.
Essa é a questão de fundo de um eficaz livro de síntese dos conflitos econômicos e políticos, escrito pelo jornalista Federico Rampini (L’età del caos, Mondadori, 327 páginas). O caos, porém, é complementar à ordem, porque está dentro de um sistema mundial: digamos que é a forma mais adequada para que a lógica de poder a curto prazo do capitalismo possa ser eficaz.
No entanto, o tecnocapitalismo corre o risco de entrar em colapso sob o peso daquela tecnoestrutura que garantiu o seu desenvolvimento nos últimos 30 anos. Os custos sociais são altíssimos, assim como os psicológico-individuais. Cresce a exclusão social, a pobreza, as desigualdades de renda e de status.
Em nível individual, a infelicidade é experiência generalizada, alimentando o consumo de psicofármacos e de drogas químicas voltados para a gestão, em nome de um incontestável princípio de desempenho, do stress e do pânico derivados da inadequação a responder aos ditados não emendáveis impostos pelos algoritmos que regulam o fluxo do trabalho e da vida social.
Prisioneiros da rede
O autor opta por radiografar o presente a partir da rede, embora La religione tecno-capitalista não seja um livro sobre a World Wide Web. A internet é considerada como a forma mais sofisticada da tecnoestrutura. Ela define os ritmos sociais em forma intangível através dos algoritmos com base no software que a faz funcionar. Ela também é apresentada como objetiva; é friendly, porque se propõe a ajudar os seres humanos a viver melhor, livrando-os do ônus de realizar trabalhos cansativos e chatos.
Mas não há nenhuma indulgência para com a network culture, tanto na sua versão anarcocapitalista em voga nos Estados Unidos quanto na versão rebelde e libertária, que atrai a atenção de ativistas e movimentos sociais.
A rede é tecnologia do controle social, observa o autor, que tritura privacidade, afetos, desejos, sentimentos. Além disso, visa a manipular a consciência dos indivíduos (o autor escreve a respeito como uma "psicotécnica").
E é com base nesse ponto de vista que o autor mostra ceticismo sobre as análises do capitalismo cognitivo, porque o intelecto geral é, sim, força produtiva, mas são as máquinas que ainda atuam como chefes. Por isso, o trabalho é organizado em torno de um taylorismo digital que descompõe a atividade cognitiva em muitas e parceladas funções que devem executadas sem muita conversa, porque a sua fonte de legitimidade vem do poder impessoal dos algoritmos que as fazem funcionar. Daí a centralidade da alienação.
Uma alienação que, no entanto, tem ecos fracos com a marxista. Forte, em vez disso, é a sua conjugação a partir da psicanálise lacaniana e de Martin Heidegger: a alienação está circunscrita ao sofrimento devido à perda de autenticidade e de desapego de uma suposta natureza humana violada e "poluída" justamente pela técnica.
O convite ao gozo e à satisfação dos desejos típicos do regime neoliberal não abrem a porta, portanto, para a liberdade, mas para uma nova e totalitária subserviência do animal humano à técnica.
O ponto de chegada de Lelio De Michelis é um pessimismo cósmico, em que a práxis política pode ser, na melhor das hipóteses, propedêutica para uma laicização da "sociedade do capital". Constatada a crise irreversível da democracia representativa, o autor liquida como prejudicial a democracia direta da web – aqui, propedêutica ao crescimento do populismo, seja na sua versão antissistema, seja na versão tecnocrática, encarnada por Matteo Renzi – e como ingênuas as formas "híbridas" de democracia direta e de democracia representativa, como fazem autores como Jürgen Habermas, Colin Crouch ou do cientista político francês Pierre Rosanvallon – La legittimità democratica. Imparzialità, riflessività, prossimità (Ed. Rosenberg&Sellier) e Controdemocrazia (Ed. Castelvecchi).
La religione tecno-capitalista é um livro representativo de um percurso de pesquisa crítico sobre o capitalismo contemporâneo que amadureceu principalmente no âmbito do catolicismo social e democrático ou da esquerda pós-marxista marcada pela convicção de que, além do apocalipse cultural, consumou-se também um apocalipse social.
Tudo do passado se dissolveu no ar, e a cena está ocupado de maneira "totalitária" – o termo que mais recorre no livro – pela tecnoestrutura, que desumaniza as relações sociais. Mas, ao contrário, por exemplo, das reflexões do sociólogo Mauro Magatti – segundo o qual a crise de 2008 é a crise do technoniilismo que abre caminho para inéditas possibilidades de crescimento mutualista e solidário, como argumentou nos livros publicados pela editora Feltrinelli (Una nuova prosperità, La grande contrazione, Libertà immaginaria) –, Lelio De Michelis não alimenta muita esperança no mútuo socorro ou no "fazer sociedade".
Biopoder do Big Data
De fato, ele é cético em relação àquela espécie de teologia do social que caracteriza boa parte do associacionismo católico e não só. O seu convite, no máximo, é à deserção, à subtração, à saída. A sua crítica ao capitalismo toca marginalmente os novos mecanismos de exploração e a capacidade do capitalismo de transformar afetos, linguagem e conhecimento dos meios de produção.
Ele certamente não ignora a precariedade, mas considera uma ilusão a possibilidade de que a heterogeneidade do trabalho vivo (onde convivem knowledge workers e chain workers) operante em uma rede produtiva assuma tons de conflito e saída do regime de acumulação capitalista.
Significativa dessa linha de pesquisa é justamente a sua análise da rede, em que não há o seu foco da web como exemplificação do capitalismo. A internet é justamente tecnoestrutura, enquanto o Big Data é relegado à dimensão biopolítica (controle dos corpos e das mentes), redimensionando, assim, o fato de que são a exemplificação da transformação da comunicação sans phrase em um setor produtivo.
Que fique bem claro: muitas páginas são compartilháveis, e alguns percursos de pesquisa certamente devem ser percorridos. O caminho se bifurca, mas no "que fazer" e no "com quem fazer". Isto é, sobre perguntas essenciais do Político.
E é aqui que o discurso pode se reabrir à transformação e à superação do regime do trabalho assalariado a partir da crítica radical das relações sociais de produção. E, portanto, sobre como organizar a deserção. Ou, melhor, o êxodo, como revolução, do capitalismo.
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Religião tecnocapitalista: a teologia política das máquinas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU