13 Novembro 2015
A agressiva cidade de São Paulo é ainda mais hostil com as mulheres. Direito ao transporte público vem junto com o assédio.
As centenas de milhares de mulheres que saem às ruas de várias cidades do país contra as políticas retrógradas de Eduardo Cunha não só participam de um debate importante que transcende a questão de gênero - oposição ao Congresso mais conservador que já vimos desde a redemocratização - como estão ocupando o espaço político com sua presença, voz e estratégias de luta e resistência.
A resistência ao PL 5069 vem às ruas junto a uma onda de mobilização virtual e real de mulheres contra o assédio na ruas, na infância, no transporte público. A luta contra uma política extremamente invasiva de nossos corpos, saúde física e psicológica é mais uma das lutas que nós mulheres travamos cotidianamente, disputando o espaço público e, surpreendentemente por se tratar do ano 2015, o direito a nossos próprios corpos.
A reportagem é do MPL Mulheres*, publicada pelo jornal El País, 12-11-2015.
Em nossa luta pelo transporte livre e gerido de fato pelas pessoas, nós observamos todos os dias utilizando transporte público de forma humilhante, nos ônibus, trens e metrôs. Somos submetidas a condições degradantes para ir e voltar do trabalho, da escola ou mesmo para circular pela cidade. As mulheres trabalhadoras, em sua maioria negras e moradoras da periferia, sofrem ainda mais: além dos deslocamentos demorados e sufocantes, são constantemente assediadas por homens que se aproveitam da precariedade do transporte público para impor sua lógica machista de tratar mulheres como coisa, como coisa pública.
A imensa maioria das mulheres são encoxadas, assediadas e submetidas a inúmeras outras formas de violência diariamente. A superlotação dos trens e ônibus, por sua vez, também cumpre outro papel perverso: é resultado de um sistema de transporte mercadológico, que visa o lucro das empresas, e não o bem estar e o interesse das usuárias e usuários. É essa lógica que mantém seguranças vigiando as catracas, mas que ignoram um estupro dentro das dependências do metrô. Ou que espancam uma garota menor de idade por não pagar a passagem. A cidade que já é agressiva com os de baixo é ainda mais hostil às mulheres.
Apesar de nós mulheres representarmos em São Paulo mais da metade do total de usuárias e usuários de transporte público, sabemos que ainda hoje somos impedidas de participar da construção e apropriação da cidade, através da restrição de nossa circulação: lugar de mulher não é na rua. Assim, mesmo quando ocupamos espaço no mercado de trabalho, somos duplamente humilhadas no transporte público: através da tarifa e das condições da viagem.
Além de ainda recebermos menos que homens, mulheres solteiras que criam os filhos são quase dez vezes mais numerosas que pais que fazem o mesmo. Ou seja, quando a tarifa sobe, são as mulheres que sentem mais nos salários. Além disso, o preço que pagamos corresponde a uma viagem sujeita a assédios de toda a natureza: 48% das usuárias de transporte público já foram vítimas de algum tipo de abuso. Esse sistema reforça e representa a construção cotidiana de nossa sociedade capitalista patriarcal que violenta as mulheres diariamente. A mercantilização do transporte obriga também o corte de gastos e, apesar de lutarmos por uma cidade que respeite a mulher, e não uma que apenas coíba a violência, a possível demissão de cobradoras e cobradores que vem sendo apresentada pela SPTrans pode também colaborar com nossa insegurança, já que elimina uma figura que muitas vezes ajuda a evitar assédios.
A mobilização feminina que acontece nas últimas semanas no entanto demonstra que as mulheres estão dispostas a brigar por seu espaço na cidade e seus corpos. Nos locomover pela cidade com liberdade é parte da mesma autonomia e liberdade que desejamos experimentar em relação às escolhas com nossos corpos. Somam-se as mulheres que se mobilizam em outras lutas que não necessariamente "feministas" mas onde nosso sofrimento bem como nossa força se mostra: as secundaristas que se organizam em escolas públicas contra seu fechamento, as mulheres negras que irão marchar em novembro pelo direito à vida da população negra, as mulheres de Mariana-MG, que lutam por sua terra e manutenção da vida. Somos muitas, estamos juntas, e vamos fazer a revolução.
*MPL Mulheres São Paulo faz parte do Movimento Passe Livre, uma frente que trabalha pela tarifa zero para o transporte público.
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A luta das mulheres por direitos básicos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU