11 Novembro 2015
Pode estar nascendo uma fase histórica que talvez prepare uma inesperada retomada do pensamento antagonista, da divisão e da oposição políticas hoje apagadas. E, ao mesmo tempo, prepara, talvez, um papel novamente ativo do cristianismo no plano social, uma renovada capacidade de exortação dele.
A reflexão é do historiador e jornalista italiano Ernesto Galli Della Loggia, professor do Instituto Italiano de Ciências Humanas de Florença (SUM), em artigo publicado no jornal Corriere della Sera, 07-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Se há meio século, em 1966, Operai e capitale [Operários e capital] foi, no plano ideológico, o sinal de início de uma temporada de confronto social em cujo centro estava o operário-massa – uma temporada em que houve a maior transformação social e política através da Itália – este último livro de Mario Tronti (Dello spirito libero. Frammenti di vita e di pensiero [Do espírito livre. Fragmentos de vida e de pensamento], Ed Il Saggiatore) parece ser, acima de tudo, o relatório do resultado daquele confronto: no fim, entre os operários e o capital, quem venceu foi o capital (embora hoje em vestes bem diferentes das de ontem). Ou, melhor, e para dizer de forma mais completa, venceu aquela que o autor arrasta para o banco dos acusados sem qualquer tabu reverencial: venceu a democracia.
Com tons que soam na metade do caminho entre Tocquevile (explicitamente mencionado) e um radicalismo de sabor de Frankfurt, Tronti descreve a democracia como a tirania do senso comum que concede a liberdade de pensamento para mais bem impedir um "pensamento de liberdade", um regime inimigo de toda diferença, por ser, na realidade, animado pela tendência ao mais total organicismo.
Não por acaso, depois de ter "feito do povo uma burguesia, e não (como deveria) da burguesia um povo, (...) ela teve sucesso onde fracassou o socialismo real: criou o homem novo", o "burguês-massa". Não só isso, mas, paradoxalmente – enquanto o socialismo real, que teoricamente devia produzir a sua extinção, provocou, de fato, o crescimento exponencial do Estado –, é justamente a democracia, no entanto, que, através da progressiva despolitização da sociedade, está lentamente realizando o antigo objetivo do marxismo.
Certamente, Tronti também reconhece que é melhor ter direitos do que não tê-los. Mas quem disse, observa ele, que não ser democrático significa, por força, ser antidemocrático?
Ao nosso autor, evidentemente, não parece interessar muito o problema, talvez não exatamente ignorável, de que só a democracia, porém, historicamente se demonstrou capaz de assegurar os direitos agora ditos. A história, aliás, é a grande ausente desse livro, cujo proceder, ao contrário, desdobra-se inteiramente dentro do recinto fechado de uma dúzia de "grandes pensadores" (acima de tudo filósofos) e dos seus sistemas conceituais chamados para testemunhar o fracasso do Moderno e do Progresso, e, portanto, o fracasso do século XX, "o século onde tudo acaba". No qual o triunfo da Zivilisation sobre a Kultur ("aqui está o fundo da nossa derrota", afirma-se) anuncia uma "devastação espiritual" incomparável.
A história, dizia eu, é a grande ausente: na crise do político e na vitória da infame democracia aqui lamentadas, não parecem contar nada, por exemplo, coisas como – enumero as primeiras que me vem à mente – a derrota da Europa em 1945, a sua inexistente tradição cultural de tipo realmente liberal, o papel do Estado de bem-estar, a qualidade das novas elites pós-bélicas e da sua cultura, agora a anos-luz de distância dos altos horizontes humanistas de antigamente.
Tudo, nessas páginas, de fato, parece se reduzir a uma espécie de arena metafísica em que se defrontam em singular tensão o Movimento Operário, o Moderno, o Político, o Capitalismo e tudo o mais, abstraídos de toda a sua especificidade histórica, isto é, de toda a sua realidade concreta e viva.
"Nós estamos dentro de uma história inimiga", escreve Tronti, com um pessimismo cultural realmente muito do século XX. Uma conclusão que, na sua perspectiva, se explica, em primeiro lugar, com a derrota da Revolução: começando pela de 1917, a revolução por antonomásia, cuja presença por si só, diz-se, marcaria positivamente o século XX em relação ao nosso tempo.
É a esse propósito, particularmente, que a indiferença pela história, pela história de verdade, corre o risco de se tornar cegueira: o que se entende por revolução? Em que sentido aquela russa o foi? E quando e por que deixou de ser ou "fracassou"? E, para dar um exemplo: os massacres de milhares de reféns (não contrarrevolucionários: reféns) ordenados por Lenin, ou as câmaras de tortura da Cheka, eram a revolução? Ou em que relação estavam com ela?
São perguntas e questões que o autor não se preocupa nem em se fazer, perdido como está atrás de uma representação mítica do Movimento Operário como agente da História Universal. Agente que se assume que ainda está em ação (talvez a despeito da existência dos operários de verdade) e, em todo o caso, sem nunca levar na mínima consideração a hipótese de que, talvez, o chamado Movimento, mais do que existir como tal, consistiu muitas vezes em alguém que acreditava falar e agir em nome e em prol dele. (Mas não por acaso: de fato, a ideia de que o século XX pode ou, melhor, deve ser lido necessariamente também em chave de relações massa/elite é uma ideia que Tronti nunca se faz nem mesmo como hipótese).
Poderão nos perguntar, nesse ponto, por que se ocupar com um livro tão cheio de contradições. Porque se trata, a seu modo, creio eu, de um livro que tem o valor de um sintoma. O sintoma de um fogo latente debaixo das cinzas, de uma impaciência que está crescendo nas sociedades secularizadas do Ocidente com um modelo de vida que, enfatizando ao extremo todos os aspectos materiais da existência, fazendo da economia e das suas compatibilidades um metro quase absoluto, relegando à insignificância as grandes demandas de sentido, inflige cotidianamente feridas profundas naquela substância humana que ainda é a nossa. Feridas ainda mais profundas porque não parecem ter o direito a qualquer representação pública adequada. Certamente, tem o forte valor de um sintoma a direção à qual Tronti empurra a sua busca por uma possível alternativa.
Rumo à luta, rumo à esperança revolucionária, como é óbvio: em uma palavra, rumo à política. Mas – e aqui está a parte, a meu ver, mais nova e interessante do livro – rumo a uma política que se demonstre capaz de aceitar como parte essencial sua a espiritualidade. A espiritualidade hoje, de fato, se apresentaria como a única barreira possível à "crescente vulgarização da vida"; mais: ela seria a substância por excelência de uma verdadeira "linguagem da crise". Onde, no fim, espiritualidade significa nada mais do que religião e, para ser mais claro, o cristianismo.
A contraposição entre o horizonte cristão e o comunismo, afirma-se, "foi uma chaga para a modernidade: uma diferença foi transformada em uma incompatibilidade"; e a culpa foi do próprio comunismo, que, em vez de escolher Feuerbach – como ele fez seguindo Marx (cujo verdadeiro e máximo erro foi, segundo Tronti, o de prever com precisão o fim da religião) –, deveria ter escolhido Kierkegaard.
O fato é que a liberdade do poder prometida pelos liberais, lemos, nunca levará à liberdade do espírito e, portanto, nunca será "verdadeira liberdade humana". Só a liberdade do cristão é, sim, "liberdade dos modernos em relação à dos antigos, mas, no Moderno, é liberdade radical, disruptiva dos equilíbrios dados, subversiva da ordem constituída, liberdade liberante da humanidade até aqui oprimida".
De pouco valeria objetar que a "libertação" cristã ou a metanoia pregada pelo Evangelho são de uma substância fundamentalmente diferente das rupturas requeridas pelo comunismo. O que importa aos olhos de Tronti é que Cristianismo e Revolução tenham uma idêntica substância de "loucura", como ele escreve – à cristã da morte de Deus pela ressurreição do homem corresponderia a "loucura" do abatimento do domínio pela libertação humana.
Duas loucuras não integráveis pela homologação democrático-capitalista e que, por isso, se contrapõem radicalmente ao "bom senso burguês progressista" ao qual hoje se reduziu a Esquerda.
Seria fácil concluir ironizando sobre o comunismo que, expulso do mundo, se refugia na sacristia. Fácil demais, mas, acima de tudo, equivocado. De fato – à parte as contínuas ingenuidade da mitografia leninista, à parte todas as já francamente insuportáveis suposições "revolucionárias" que a pontilham – as páginas de Tronti expressam, no fundo, como eu já disse, algo profundamento verdadeiro: um desconforto, um mal-estar, que já parece ser os traços de uma fase histórica inteira. A que estamos vivendo.
Sobre as nossas sociedades, de fato, a democracia parece ter estendido uma capa de "cinza bom senso", parece já se identificar com a ausência de esperanças, de ideais e de projetos fortes, com uma espécie de narcose da mente e do espírito que, muito frequentemente, impede de ver o mal e a injustiça que estão entre nós e de chamá-los pelo seu nome.
Mas uma fase histórica que, justamente por isso, talvez prepare uma inesperada retomada do pensamento antagonista, da divisão e da oposição políticas hoje apagadas. E, ao mesmo tempo, prepara, talvez, um papel novamente ativo do cristianismo no plano social, uma renovada capacidade de exortação dele. A história não acabou, todo jogo sempre pode ser reaberto.
Seja bem-vindo, então, qualquer um que nos leve a pensar tudo isso: mesmo que mostre acreditar ainda em utopias fracassadas de cujos delitos se costuma desfazer com um pouco de facilidade demais, chamando-os eufemisticamente de "fracassos".
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Assim o cristianismo vai salvar a burguesia. Artigo de Ernesto Galli della Loggia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU