Por: André | 29 Outubro 2015
O documento final do Sínodo, em seus 94 pontos, contém ideias sobre como anunciar o Evangelho da família nas circunstâncias do mundo contemporâneo. Mensagem única, que deve ser conjugada e apresentada adequadamente em realidades culturais profundamente diferentes, caracterizadas por situações, problemas e perguntas também diferentes. É justo recordar, por exemplo, que os padres sinodais não debateram amplamente o tema da homossexualidade. Sua inclusão na agenda se deve simplesmente para ser enfrentado do ponto de vista das famílias que têm filhos ou filhas homossexuais. O documento final reafirmou a respeito o que já se afirmava no Instrumento laboris baseado no Catecismo da Igreja Católica, reiterando a necessidade de não discriminar as pessoas. Ao mesmo tempo, sublinhou a oposição da Igreja “a analogia, mesmo as mais remotas, entre as uniões homossexuais e o plano de Deus sobre o matrimônio e a família”.
A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada por Vatican Insider, 27-10-2015. A tradução é de André Langer.
Em relação aos três parágrafos dedicados especificamente às situações dos divorciados recasados – também aprovados por uma maioria qualificada de pelo menos dois terços dos votos – nos encontramos diante de três chaves de leitura nos últimos dias. Muitos padres sinodais, começando pelo cardeal arcebispo de Viena, Christoph Schönborn, para citar apenas um, falou explicitamente de uma porta aberta para o caminho do “discernimento” para a readimissão dos divorciados recasados ao sacramento da comunhão: não uma resposta “sim ou não, preto no branco”, mas à luz do que escreveu João Paulo II na Familiaris Consortio, a avaliação de cada um dos casos, porque as situações são diferentes.
Não há nenhuma menção específica à “comunhão” para as pessoas nesta situação, mas o caráter dos parágrafos e, sobretudo, a menção ao “foro interno”, o diálogo com o confessor, assim como a citação do Catecismo da Igreja Católica que fala de diferentes graus de imputabilidade apesar da gravidade objetiva do pecado, são indícios claros sobre a direção subjacente neste texto.
Por outro lado, alguns afirmam, e este é o caso, por exemplo, do cardeal George Pell, que na realidade o documento não é nada mais que a reiteração das normas em vigor, motivo pelo qual não haverá nenhuma mudança. Mas se fosse assim, por que não menciona simplesmente a única solução concreta da Familiaris Consortio, ou seja, a abstinência das relações sexuais para os esposos que vivem em uma segunda união. A maior parte dos padres sinodais esteve de acordo sobre o fato de que só em um discernimento caso a caso, em diálogo com o confessor, nos critérios estabelecidos pelo bispo sobre a objetividade da nova e da velha situação matrimonial, pode haver um caminho para se chegar a dizer “sim” ou “não” à readmissão dessa pessoa ou desse casal em específico. Sem automatismos ou relações de causa e efeito preestabelecidos. Ou seja, sem que ninguém possa “reivindicar” o sacramento prescindindo de sua história, de sua situação, do estado de suas relações.
Há uma terceira interpretação destes parágrafos que, atualmente, está fazendo progressos. Esta interpretação defende que os textos são “ambíguos”. O que significa que eles podem ser interpretados tanto na direção que insiste na disciplina atual, como um passo prudente de mudança apresentado como aprofundamento daquilo que foi afirma na época por João Paulo II, incentivando o discernimento e explicando que as situações são diferentes. É correto falar de ambiguidade?
Pode ser útil, a este respeito, recordar o que aconteceu há mais de meio século, por ocasião do último dogma solenemente definido pela Igreja católica, o da Assunção ao céu, de corpo e alma, de Maria ao final de sua vida. Uma definição dogmática que teve o prévio consenso de um grande número de bispos e teólogos sobre a Assunção de Maria (1181 respostas favoráveis e apenas 6 que expressavam reservas). Mas havia duas diferentes escolas teológicas em desacordo sobre um ponto: a Virgem foi recebida no céu imediatamente depois de ter morrido ou a assunção aconteceu um momento antes da morte, quando ainda estava viva? Esta foi a fórmula utilizada pelo Pontífice: “Pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma revelado por Deus que: a Imaculada Mãe de Deus e sempre Virgem Maria, terminado o curso da vida terrena, foi assunta à glória celeste em corpo e alma”.
A maior parte dos teólogos, retomando uma vasta tradição da Igreja antiga, considerava que a Assunção se deu após a morte da Virgem. Uma pequena parte dos teólogos, que também se baseavam em uma parte da tradição e em algumas considerações teológicas, considerava que Maria não tinha morrido. Apegando-se ao princípio de não dirimir, nas definições dogmáticas, questões ainda polêmicas, Pio XII não entrou em detalhes, afirmando simplesmente que a Virgem foi recebida “terminado o curso da vida terrena” (“expleto terrestris vitae cursu”). Não é uma fórmula “ambígua”, mas teologicamente “ambivalente”, que não exclui a possibilidade da interpretação dominante nem a menos difundida. Porque nem tudo precisar ser necessariamente definido e o catolicismo é a fé do “et et” e não do “aut aut”, como demonstra Santo Tomás.
O Sínodo dos bispos, órgão consultivo, não devia dirimir questões que são prerrogativas do Papa. O texto dos parágrafos 84, 85 e 86 do documento final, que foi aprovado por dois terços dos padres sinodais, isto é, por uma maioria qualificada, que fez destes textos uma expressão fiel do Sínodo, não se refere explicitamente à “comunhão” aos divorciados recasados, nem faz menção à solução da abstinência sexual apresentada pela Familiaris Consortio. Fala, ao contrário, de discernimento, foro interno, critérios estabelecidos pelo bispo e de diferentes graus de imputabilidade de acordo com as circunstâncias: é uma porta aberta, a indicação de um caminho potencialmente compartilhado, em relação à qual qualquer eventual decisão está depositada nas mãos do Pontífice.
E se não é razoável considerá-lo como uma “luz verde” para decisões indiscriminadas, também é incongruente afirmar que esse parágrafo indica apenas que tudo fica como está, e que aqueles que votaram contra teriam sido os “aberturistas” desiludidos. O texto em questão não é “ambíguo”. Na verdade, é menos “ambivalente” do que a proclamação do dogma da Assunção. Na época, foi o Papa que não quis fechar a porta à postura teologicamente minoritária (não se deve esquecer que esta decisão também se deveu ao fato de que Pio XII ficou impressionado com um menino que lhe disse à queima-roupa: “A virgem não morreu”).
Na presente ocasião, foram os padres sinodais que indicaram um caminho, um caminho compartilhado que se baseia no aprofundamento do magistério existente e da tradição, sem referir-se explicitamente nem à passagem relacionada aos sacramentos nem quais das atuais proibições para a participação dos divorciados recasados na vida comunitária deveriam eventualmente ser abrogadas.
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Sínodo. Ambivalência e ambiguidade. A lição de Pio XII - Instituto Humanitas Unisinos - IHU