Por: André | 21 Outubro 2015
Trata-se de Timothy Dolan, arcebispo de Nova York, um dos 13 cardeais da carta ao Papa. Exemplo vivo de “parresia”, ou seja, desta franqueza de palavra e de pensamento, tão querida a Francisco.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada por Chiesa.it, 19-10-2015. A tradução é de André Langer.
Na tempestade desencadeada pela publicação da carta dos 13 cardeais ao Papa, as autoridades vaticanas que gerem a comunicação – mais desde Santa Marta do que do Palácio Apostólico – fomentaram, de fato, os ataques não tanto contra o responsável pela publicação, mas muito mais contra os padres sinodais que assinaram a carta.
Mas, trata-se de personalidades de primeiro escalão, de arcebispos de dioceses importantes como Nova York, Toronto, Houston, Utrecht, Bolonha, Durban, Nairobi ou Caracas. Para não mencionar as três colunas da cúria romana vaticana velha e nova, que são: George Pell, Gerhard Müller e Robert Sarah, antes também seus bispos de dioceses como Sydney, Regensburg e Konakry.
A agressão midiática contra esta altíssima e muito unida representação da hierarquia mundial – acusada de “conspirar” contra o Papa desde antes da publicação da carta – foi tal que, foi preciso acrescentar às questões colocadas na carta uma questão a mais, ainda não resolvida: aquela que diz respeito à gestão da comunicação do que acontece no Sínodo.
O fato é que, apesar destas reações distorcidas, a carta dos 13 cardeais obteve resultados. E os obteve sobretudo após sua publicação, que permitiu a um número maior de padres sinodais conhecê-la e de se reconhecerem nela, e, em consequência, exercer uma pressão mais forte sobre os responsáveis pelo Sínodo, para obter respostas mais satisfatórias que aquelas dadas até então.
A revelação foi feita por Pell, o cardeal que, na manhã de 5 de outubro, entregou a carta ao Papa, em uma entrevista de 16 de outubro ao vaticanista John Allen, como foi informado no sítio Crux.
“Entre outras coisas, Pell disse que o cardeal italiano Lorenzo Baldisseri, secretário do Sínodo, declarou na aula sinodal que o voto sobre o documento final será feito ‘parágrafo por parágrafo’, proporcionando um sentido claro de quais seriam as posições dos bispos sobre os pontos particulares.”
“Além disso, disse que os membros da comissão para a elaboração do documento final prometeram solenemente que serão fiéis ao conteúdo das discussões do Sínodo, em vez de usar o texto para promover os seus pontos de vista.”
A composição desta comissão, não eleita, mas nomeada inteiramente pelo Papa Francisco, segue sendo julgada insatisfatória por muitos padres sinodais, conscientes dos enganos sofridos no Sínodo de 2014. Mas é evidente que os membros da comissão se sentem hoje muito mais controlados em seu trabalho, precisamente graças ao grito de alarma dado pela carta dos 13 cardeais.
Quanto à publicação (ou não) do documento final do Sínodo – decisão que cabe ao Papa –, Pell disse que acredita que será publicado, entre outras razões, porque é “destinado” a ser objeto de vazamento.
“O que nós queremos – acrescentou – é que tudo o que o Sínodo disser, de bom, ruim ou de indiferente, seja tornado público”.
Pell foi o mentor da carta dos 13 cardeais. O arcebispo de Nova York, Timothy Dolan, foi quem com mais entusiasmo se associou a ele.
No conclave de 2013, os cardeais norte-americanos, entre os quais estava precisamente Dolan, estiveram entre os que votaram em Jorge Mario Bergoglio.
Dolan não pode ser, certamente, classificado como um “liberal”, mas também não como um rígido conservador. Ele é a expressão de uma Igreja que é intransigente na doutrina e que não cede aos cantos de sereia mundanos no cuidado pastoral, mas em outros aspectos muito “aberta” e “moderna”.
Não é por pura casualidade o fato de que ele esteja entre os protagonistas deste Sínodo.
Na sequência, apresentamos um eficaz retrato, publicado no dia 17 de outubro no jornal italiano Il Foglio, escrito por seu correspondente nos Estados Unidos.
Veja como joga Dolan, de Mattia Ferraresi
Em Nova York, o cardeal Timothy Dolan conversou calorosamente Francisco, com seu modo informal e televisivo, correndo inclusive o risco de roubar, embora não seja mais que por um instante, a cena do Pontífice que era o visitante. Seu “thanks for stopping by, come back soon!” [Obrigado por deter-se, volte logo] completado com um gesto de OK, acompanhado pelos polegares levantados de um Francisco sorridente, converteu-se em um meme, o que é normal para um cardeal com altíssima capacidade de penetração midiática.
Em Roma, ao contrário, rebaixam-no estrepitosamente ao papel de conspirador, traiçoeiro e signatário manipulado de cartas que expressam a preocupação com os procedimentos do Sínodo, fato que se torna um problema de fundo e não mais de forma, se os procedimentos em questão tendem a favorecer determinados resultados mais que outros. Na aula sinodal ele diz, sem sombra de ambiguidades, que quando se fala de matrimônio e de família o “nosso dever é seguir Jesus recuperando e restaurando o que o Pai quis ‘no princípio’”, ao passo que o “realismo pastoral e a compaixão” vêm depois, muito depois. Quando Dolan se encontrou no meio da “tempestade em um copo d’água”, como ele mesmo a definiu, da famosa carta, enfrentou a controvérsia com seu estilo habitual, que o incita a avançar sempre, nunca retroceder, falar abertamente sem perder-se nos desmentidos em relação aos detalhes, que são sinais de retirada defensiva e de incapacidade de diálogo.
À Rádio Sirius XM ele narrou os bastidores da carta, que, aliás, não são todos bastidores. Ele explicou que em uma conversa com o cardeal George Pell surgiram as preocupações postas preto no branco que os 13 cardeais assinaram e fizeram chegar ao Papa: “Pell, que é um homem perspicaz, perguntou: ‘Será que convém a vocês se eu resumo desta maneira algumas das nossas preocupações?’ E alguns de nós, inclusive eu, respondemos: ‘Parece-nos bem; se enviar uma carta ao Papa pode contar conosco’, e efetivamente a assinei”.
Ele confirmou a história ao sítio do Crux: “Eu disse: aqui estamos, Padre. Pediu para sermos honestos e fomos. Ele respondeu a estas preocupações. Agradeço que tenha prestado atenção”.
E também disse: “Parece-me que para Francisco, e os que o conhecem melhor que eu me confirmam, isto faz parte da espiritualidade inaciana: as confusões, o caos, as interrogações são algo bom”, ao passo que as coisas “previsíveis e muito estruturadas”, às vezes, podem ser “um obstáculo ao trabalho da graça”.
De acordo com a interpretação de alguns observadores, o cardeal norte-americano, fazendo estes comentários, reconhece que assinou a carta pressionado pelo próprio Pell, somando-se ao inspirador australiano e convertendo-se no signatário inconsciente de uma carta em branco. O que deixa a entender, nem sequer muito veladamente, que Dolan não é “his own man”, como se diz nos Estados Unidos, mas que, neste caso, é de alguma maneira vítima de manobras que vem de cima. Vítima de um complô encravado em outro complô: a hermenêutica da conspiração é um trabalho difícil.
Para Dolan, ao contrário, trata-se de um exercício elementar de “parresía”, ação habitual para o cardeal que foi definido como o modelo de “conservador aberto ao mundo”, teólogo equilibrado e sem arrebatamentos inovadores, mas que não se coloca na defensiva nem sequer quando fala com o New York Times sobre abusos sexuais do clero. Ele também foi, assim como os seus colegas estadunidenses, repreendido pela Santa Sé por uma atitude um pouco loquaz durante o último conclave, e antes de partir para o conclave, pediu aos fiéis de sua diocese, não para que rezassem por ele, como o fez Francisco, mas que lhe mandassem rosquinhas de milho caso não voltasse dentro de três semanas.
O Dolan que se apresentou em Roma para o Sínodo não é o "doppelgänger" [duplo] do pastor novaiorquino adepto do diálogo e cheio de desenvoltura , não é a alma rígida, curial, de um corpo acostumado com os refletores, com os encontros de gala, com os diálogos públicos com personalidades afastadas da sensibilidade da Igreja.
Se há algo que a viagem de Francisco aos Estados Unidos mostrou, com a força dos gestos e das palavras, é a impossibilidade de reduzir o cristianismo a uma oposição entre conservadores e progressistas, entre republicanos e democratas, e em sua parábola pastoral Dolan encarna a tentativa de superar um esquema político difundido no Ocidente, mas que nos Estados Unidos assumiu uma rigidez particular.
Ele não propôs uma misericórdia a preço baixo quando era a hora de batalhar. Sobre as restrições impostas pelo “Obamacare” aos cristãos no espaço público ele chegou até a sugerir o caminho da desobediência civil; ele chegou a dar a Barack Obama lições de direito constitucional ao definir como “anti-estadunidense” sua posição restritiva sobre a liberdade religiosa; como presidente da Conferência Episcopal contra-atacou, sem equívocos, o “secularismo reducionista” de que falava Bento XVI.
Escreveu, recentemente, que os católicos são a “nova minoria”. Ao mesmo tempo, nunca fechou os espaços de diálogo e evangelização; ao contrário, ampliou-os, como demonstra ultimamente o considerável investimento para reativar o moribundo Archbishop Fulton J. Sheen Center for Art and Culture, um espaço de encontro situado no coração de Manhattan, para “expressar a beleza e a profundidade do catolicismo”.
O pastor com a predisposição à comunicação e um vasto sistema informático joga no mesmo campo de Francisco. Exibe um estilo marcadamente norte-americano, inevitavelmente diferente do latino-americano e periférico de Francisco. Mas se reconhece nele um mesmo modelo compartilhado na vontade caritativa de abrir-se e dialogar, sem fechamentos, nem barreiras defensivas.
Às vésperas do Sínodo, compartilhou com outros cardeais e bispos algumas dúvidas sobre os procedimentos, e as expressou: nada mais dolaniano que isto. O Papa tomou a palavra na assembleia sinodal para responder: nada mais bergogliano que isso.
Nas entrevistas e na intervenção na aula sinodal, Dolan esclareceu de forma explícita não apenas que as mudanças doutrinárias não estão na agenda, e que também não deveriam estar as mudanças pastorais que correm o risco, pela afirmação de uma prática, de esvaziar a doutrina ao longo do tempo. Seu apaixonado apoio à “sabedoria de tirar o fôlego” da Igreja africana, que já não é “composta por alunos do primeiro ano”, é uma afirmação clara para quem quer entender, mas não faz dele a caricatura de um conservador.
Não existe um conciliador Dolan novaiorquino e um ferrenho Dolan romano; existe um único cardeal, acostumado a falar com “parresia” ao mundo e à Igreja.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Sínodo. O “conspirador” que faz tudo à luz do dia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU