14 Setembro 2015
Os movimentos sociais que foram às ruas defender o governo contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff ameaçam agora mudar de postura e partir para a ofensiva contra o Palácio do Planalto caso a atual gestão corte programas sociais, reduza investimentos em áreas estratégicas e elimine ministérios, como defendem aliados da presidente no Congresso.
A reportagem é de Pedro Venceslau e Ricardo Galhardo, publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 13-09-2015.
A ameaça vem no momento em que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, defende intensificar os cortes e a criação de impostos para cobrir o rombo de R$ 30,5 bilhões no Orçamento de 2016. Na quarta-feira, Dilma reafirmou seu compromisso de cumprir o superávit primário, o que contraria a “pauta popular”.
As pressões dos movimentos sociais, base do PT, englobam descontentamentos de setores ligados à moradia, estudantes, educação e cultura. Com isso, Dilma vê ainda mais reduzida sua margem de manobra para sair da crise, espremida entre as reivindicações dos empresários, do Congresso, que exige corte de gastos para negociar novos impostos, e agora de seus aliados históricos - únicos a ocupar as ruas neste ano para defendê-la e atacar o que chamam de “golpe”, os protestos pró-impeachment. Em momentos agudos, como no escândalo do mensalão, em 2005, o governo do PT recorreu, com sucesso, aos movimentos sociais.
Resolução divulgada na sexta-feira, 11, pelo MST dá o tom de como será a postura dos movimentos: “Reconhecemos a existência de uma crise econômica mundial, mas não admitimos que trabalhadoras e trabalhadores paguem essa conta. Somos contra o ajuste fiscal e consideramos que o governo está implementando medidas de ajuste neoliberal, que ferem direitos dos trabalhadores e cortam investimentos sociais. Exigimos que a presidente implemente o programa que a elegeu”.
Em reunião de três horas na quinta-feira com a presidente, líderes de movimentos de moradia avisaram que não aceitarão cortes no programa Minha Casa Minha Vida, uma das principais bandeiras de Dilma. O governo já avisou que a nova etapa do programa será “ajustada à disponibilidade orçamentária”. “Dissemos que não aceitamos cortes. Ela (Dilma) prometeu preservar o programa, mas queremos ver isso na prática”, disse Raimundo Bonfim, coordenador-geral da Central de Movimentos Populares (CMP).
Filiado ao PT, Bonfim diz que o movimento “está frustrado” com o governo. “Atuamos muito fortemente na campanha pela reeleição da presidenta. Esses movimentos têm se manifestado e ido em massa nas manifestações contra o golpe. Se o programa (Minha Casa Minha Vida) for tocado de forma lenta, isso pode contribuir para um desgaste maior do governo.” A CMP integra a Frente Brasil Popular, que reúne entidades sociais, sindicais e partidos políticos que atuam contra o movimento pelo impeachment.
Membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos diz que já foi elaborada agenda de manifestações contra o governo com mobilizações de rua, ocupações e bloqueios de rodovia. Os locais e datas não foram divulgados.
Racha
Em outra frente, a redução das verbas para universidades federais e programas de apoio à pós-graduação causou um racha na União Nacional dos Estudantes (UNE). Liderada majoritariamente pelo PC do B, a entidade tem sido a mais aguerrida defensora de Dilma desde o acirramento da crise política.
“Hoje, defender os interesses dos estudantes é colocar-se contra as medidas adotadas por este governo que têm impactado de forma extremamente negativa o cotidiano das universidades”, afirmou, em manifesto intitulado Não estamos com Dilma, a estudante Camila Souza, diretora da entidade. “Durante o encontro da presidente com os movimentos sociais, a presidente da UNE, Carina Vitral, declarou que a entidade é a melhor amiga da Dilma. Essa é uma fala que não representa toda a entidade”, disse Camila.
O ajuste fiscal também causa reflexos no berço do PT, o movimento sindical. “Todas as centrais estão criticando muito o governo, inclusive a CUT, que está adotando uma postura cada vez mais dura em relação ao arrocho. Não há uma central que não esteja criticando a política econômica”, afirma o senador Paulo Paim (PT-RS).
Outro foco de pressão é o corte de ministérios. Artistas e ativistas culturais que apoiaram Dilma em 2014 lançaram petição defendendo que o Ministério da Cultura não seja extinto. O grupo fez um “tuitaço” com o lema #ficaMinc. “Diante da proposta de reforma ministerial, orquestrada com o objetivo de agradar bases aliadas, reconquistar popularidade no governo e na Casa Civil e dissolver o embrião de movimento informal pró-impeachment que se forma na Câmara, reivindicamos a permanência da pasta da Cultura na reforma”, diz a petição.
Disputa por espaço na rua pode arrefecer
O Planalto deverá ter cada vez menos apoio para se contrapor às manifestações pelo impeachment. “O governo está perdendo sua base social. Esses setores não sairão mais às ruas para defender o governo”, afirma o cientista político Aldo Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Para o sociólogo Rudá Ricci, autor do livro “Lulismo – da era dos movimentos sociais à ascensão da nova classe média”, o atual governo já começou sem base social de apoio. “Antes das manifestações de março, já havia sindicalistas falando em sair do PT que se reuniam com o ex-presidente Lula. Foi ele que deu a senha para a reação dos sindicalistas, mas depois recuou”, diz.
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Suporte de Dilma, movimentos sociais ameaçam abandonar defesa da gestão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU