Por: Cesar Sanson | 08 Setembro 2015
A economia espanhola, que este ano deve crescer 3,1%, tornou-se uma referência para o Brasil, segundo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Assim como o economia brasileira, que enfrenta um duro ajuste fiscal este ano, a Espanha viveu seus anos de sacrifício depois da crise financeira de 2009. Levy disse acompanhar bem a economia espanhola há 20 anos, desde os tempos do FMI. “É muito interessante ver todo esse crescimento ao longo dos anos, e a energia e responsabilidade de tomar medidas corretivas quando necessário para garantir a continuidade desse processo que vimos transformar a vida dos espanhóis e ganhar projeção internacional, particularmente na América Latina”, lembrou. “A Espanha teve determinação de cortar gastos e ajustar receitas durante a crise e agora cresce”, disse Levy a uma plateia de empresários e executivos espanhóis em Madri, durante o Fórum EL PAÍS “Infraestruturas, o estímulo da economia brasileira”, organizado pelo jornal com o patrocínio da Telefónica, Santander e da Iberdrola.
A reportagem é de Carla Jimenéz, publicada por El País, 07-09-2015.
Ao lado do do ministro da Economia da Espanha, Luis de Guindos, Levy repetiu o mantra dos países em crise: primeiro o custo do ajuste, e depois os ganhos. “No Brasil nos encontramos nesse estágio. É preciso paciência para colher os benefícios”, disse ele, recém chegado da Turquia, onde participou da reunião do G-20. O ministro lembrou que o ajuste no Brasil não será tão duro quanto o que foi vivido pela Espanha, que viveu um aperto dos gastos durante uma recessão que durou de 2009 a 2013, derivada da crise financeira mundial, e de um endividamento de mais de 100% do PIB. A desigualdade aumentou e o desemprego cresceu no período: a taxa de desemprego no final de 2008 era de 13,8% e chegou à casa dos 26% em 2013 - hoje é de 22,3%. A economia brasileira, por sua vez, vive as agruras do fim do ciclo das commodities, do menor crescimento da China, e de um excesso de gastos públicos, que estão cobrando sua fatura agora.
“Austeridade sozinha não resolve. É indispensável, necessária, mas não é a única saída”, afirmou, lembrando que a Europa só conseguiu sair do labirinto em que se encontrava quando houve o resgate aos bancos em 2011. “Enquanto não se criaram mecanismos bancários, a crise parecia não ter fundo”, lembrou.
No Brasil, diz Levy, a austeridade precisa vir junto com uma retomada das metas fiscais, e trabalhar outras frentes que prepare o país para um novo mundo, sem o protagonismo das commodities, atacando diversos pontos da economia.
Em junho, o Governo de Dilma Rousseff anunciou o corte de 70 bilhões de reais em gastos público, que acabou contribuindo para o freio na economia. No mesmo mês, lançou o Plano de Investimento em Logística, que prevê concessões no setor de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, que ambiciona atrair 200 bilhões de reais em concessões. Levy acredita que a infraestrutura será um caminho essencial para reorganizar a economia. “Todos sabemos que o Brasil tem gargalos nesse setor, e com mais infraestrutura melhoramos a qualidade da economia”, afirmou. Ele lembrou que o Governo tem se dedicado a melhorar as concessões para facilitar os investimentos de empresas estrangeiras, uma estratégia que ajuda a driblar, ainda, as dificuldades enfrentadas pelas empresas nacionais do setor, envolvidas com a Operação Lava Jato.
Levy se diz confiante de que esta é uma oportunidade para empresas que olham o Brasil no longo prazo, como um país cada dia mais maduro que oferece segurança jurídica. “As empresas espanholas que estão no Brasil sabem que há momentos de altos e baixos”. Ele lembrou que enquanto a economia brasileira crescia, quando houve o boom das commodities, a economia espanhola se beneficiou por meio de suas empresas instaladas no país, com o aumento de remessas de lucros. O Brasil é um dos maiores destinos de investimento direto espanhol.
Novas fronteiras
Uma das frentes que o Brasil deve apostar, a partir de agora, é o reforço de acordos internacionais como o que vem sendo discutido com a Europa, no âmbito do Mercosul. Ele lembrou que a visita da premiê Angela Merkel no mês passado colocou a discussão sobre o livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul em destaque. “A inserção da economia brasileira será cada vez mais importante. Não queremos ser só destino, queremos participar de cadeias de valor”, reforçou. Ele lembrou ainda que a balança comercial do país garantiu um contraponto importante ao PIB do segundo trimestre, que veio negativo em 1,9%. Levy participou do encontro promovido pelo EL PAÍS ao lado do ministro da Fazenda da Espanha, Luis de Guindos. A retomada das negociações entre os dois blocos é o "passo correto", segundo Guindos, que destacou o fato de a Espanha ser o segundo país investidor no Brasil.
Inflação
Outra sinalização positiva, segundo o ministro, é o reequilíbrio das expectativas de inflação, que convergem para a meta no ano que vem. E ainda, os investimentos estrangeiros diretos que se mantiveram neste ano, apesar de todo o imbróglio político e econômico. “A economia está indo na direção que se pretende”, avalia. Para Levy, o Brasil pode conseguir manter, inclusive, o rating da sua dívida, pois o processo de “deterioração fiscal” foi estancado.
EUA e China
Levy acredita o Brasil está preparado para as mudanças em curso na China e nos Estados Unidos, os dois principais parceiros comerciais do país, que estão concluindo suas políticas anticíclicas. “Estamos bem preparados para um período de volatilidade global, que haverá com os ajustes dos EUA”, afirmou, lembrando a iminente alta de juros da economia americana. As reservas cambiais de mais de 370 bilhões de dólares, lembrou, assim como um sistema bancário capitalizado, ajudam a atenuar o impacto das mudanças globais.
O ministro explicou que a percepção geral durante o encontro do G-20, na Turquia, foi de uma acomodação das economias desses dois países. “É um momento sensível mas muito positivo. Ainda com boas notícias da (recuperação) da Europa”, avalia.
Mudança de poder e de política econômica
O ministro comparou o momento de transição por que passa o Brasil com o que foi vivido na Espanha quando José María Aznar, do Partido Popular, na Espanha, assumiu o poder, depois do Governo de Felipe Gonzáles, do Partido Socialista Obrero Español (PSOE) em 1996. “Quando Aznar entrou ele mudou muitas coisas do Governo anterior. Nós estamos em uma situação parecida”, disse Levy. A diferença crucial nesses dois casos é que o atual titular da Fazenda vem suceder Guido Mantega, que foi ministro de Dilma Rousseff no primeiro mandato.
A equipe econômica de Levy desmontou um arsenal de medidas implementadas por Mantega, como as isenções de tributos a alguns setores. “Muita coisa do déficit de hoje tem a ver com o pagamento de subsídios para taxas de juros de alguns setores, como o automotivo, que geraram compromissos na execução do orçamento deste ano”, lembrou o ministro. “É preciso humildade para entrar com outros gastos, manter compromissos assumidos, como o programa Minha Casa Minha Vida, e completar tudo dentro de orçamento de 2016, sem entrar em novos projetos”.
Despesas e cortes
O empenho para melhorar a qualidade dos gastos públicos precisa ser constante no Brasil, a partir da atual crise, segundo Levy. “Precisamos de um esforço para que cada real gasto pelo governo tenha melhor retorno para a sociedade, e seja gasto de maneira eficiente”, explicou. Ele lembrou que a grande parte das despesas no Brasil são obrigatórias, e que por ora o ajuste ocorreu naquelas onde há margem de manobra para cortes (discricionárias). “Há um entendimento de que é preciso repensar as despesas obrigatórias em alguns casos”, avalia, citando as negociações com o Congresso.
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Espanha é referência de uma política de ajuste bem sucedida, diz Levy - Instituto Humanitas Unisinos - IHU