29 Julho 2015
Um dos críticos mais severos da forma como a Igreja lidou com o escândalo dos abusos sexuais passou vários dias do mês passado aconselhando membros da comissão vaticana nomeada para assessorar o Papa Francisco sobre a questão.
A reportagem é de Tom Roberts, publicada no sítio National Catholic Reporter, 23-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em uma entrevista por telefone na segunda-feira, o padre dominicano Thomas Doyle confirmou que se encontrou com quatro membros da comissão em Londres, depois de ter sido convidado para se consultar com o grupo pelo membro da comissão Marie Collins, da Irlanda, que foi estuprada por um padre quando era jovem.
Doyle disse que conhece Collins pessoalmente e que tem "a maior consideração e respeito por ela. Eu fiquei realmente encorajado quando ela foi nomeada como membro da comissão". Ele disse que eles se encontraram em um congresso nos Estados Unidos em abril, e Collins perguntou-lhe então se ele estaria interessado em atuar como consultor da comissão.
"É claro que eu disse sim", afirmou Doyle, que disse que estava cético no momento, por causa da sua atividade passada defendendo as vítimas e atuando como consultor especialista, ou testemunhando em nome dos denunciantes em milhares de casos em que as autoridades da Igreja eram acusadas.
Ele disse que comentou com Collins: "Eu duvido muito que alguém no Vaticano vai querer ter algo a ver comigo ou ouvir qualquer coisa que eu tenho a dizer".
Doyle disse que passou de oito a 10 horas ao longo de três dias no início de junho explicando a situação nos Estados Unidos a partir da perspectiva de seus 30 anos de defesa das vítimas. O seu envolvimento na crise começou em 1984, enquanto ele estava trabalhando nos escritórios da embaixada do Vaticano (agora uma nunciatura) em Washington, e recebeu um aviso de que uma família de Lafayette, no Alabama, planejava processar a diocese devido a um caso de abuso.
O seu envolvimento precoce com esse caso e a sua compreensão de que até mesmo naquela época um escândalo potencialmente enorme estava se desenrolando o levaram a assumir a causa das vítimas de abusos sexuais.
Enquanto muitas vítimas de abuso veem qualquer iniciativa do Vaticano com grande suspeita, o Papa Francisco deu passos, em particular na responsabilização dos bispos, o que as vítimas e seus advogados pediam há anos. Francisco removeu um grande número de bispos, incluindo, nos Estados Unidos, um arcebispo, um bispo e um bispo auxiliar por falhas em lidar com a crise dos abusos.
Em dezembro de 2013, ele estabeleceu uma comissão para aconselhá-lo sobre o assunto. O fato de Doyle ser convidados para assessorar uma comissão papal pode ser visto como mais uma iniciativa que antes seria considerada como altamente improvável.
Peter Saunders, outra vítima que foi nomeada para a comissão em dezembro, disse em uma entrevista por telefone que ele levantou pela primeira vez a possibilidade de convidar Doyle durante uma reunião de um pequeno grupo de trabalho da comissão em Londres.
Ele disse que ele e Collins conheciam Doyle de trabalhos anteriores sobre a questão dos abusos sexuais, e outros membros do pequeno grupo não se opunham à ideia. Ele disse que levantou a possibilidade de novo no início de fevereiro, durante uma sessão plenária de três dias no Vaticano, que contou com a presença de todos os membros da comissão, incluindo o cardeal Sean O'Malley, de Boston.
"Houve um acordo geral", disse, "de que, se nós pensávamos que ele era uma boa pessoa para se engajar, então deveríamos convidá-lo."
Além de Collins e Saunders, o encontro de junho incluiu Catherine Bonnet, uma conhecida psiquiatra infantil francesa, e a Baronesa Sheila Hollins de Londres, uma especialista em saúde mental.
Em sua apresentação à comissão, Doyle enfatizou dois pontos essenciais para ele:
Ele disse que a Igreja fez muito para implementar programas e protocolos para proteger as crianças.
"A proteção as crianças, certamente, é uma abordagem natural para se ter em relação a esse problema", disse. "Nós temos que proteger as crianças. Também é muito mais fácil e menos doloroso e controverso do que dizer: 'O nosso mandato número um deve ser o cuidado das vítimas porque elas são as nossas próprias vítimas. Elas não foram vitimizadas por qualquer outra instituição'."
O passado, afirmou, é importante, "por causa das legiões de pessoas lá fora, cujas vidas foram irremediavelmente arruinadas por causa daquilo que clérigos e as hierarquias fizeram com elas. Essas pessoas devem receber a máxima prioridade".
Concentrar-se exclusivamente sobre o futuro e os programas que estão sendo postos em prática para proteger as crianças foi uma abordagem que ele descreveu como "uma solução de software a um problema de hardware".
Em um esboço preparado para a apresentação, Doyle falou das "duas memórias mais vívidas" no seu trabalho sobre a questão. A primeira foi um encontro com um menino de 10 anos de idade, e "depois ouvir o seu psicólogo descrever o que tinha acontecido com ele e como isso o afetou. Junto com isso, estava a minha reação ao ler o relatório detalhado".
"A segunda memória foi a noite em que eu percebi não apenas cognitivamente, mas emocionalmente que alguns dos bispos em altas posições estavam ativamente e até mesmo agressivamente acobertando os casos de abuso sexual e, nesse processo, estavam explicitando as suas respostas públicas e as respostas aos pais com mentiras. Eu fiquei atordoado e emocionalmente devastado naquela ocasião."
Ele disse ao painel que os padres e os bispos que publicamente apoiaram as vítimas "foram punidos de alguma forma pelas autoridades da Igreja. Aqueles que continuam ministrando em torno dessa questão de várias maneiras permanecem sob suspeita" e são "criticados, caluniados e desvalorizados" por outro clérigos e lideranças eclesiais.
Os abusos sexuais, disse, "são uma realidade complexa e multifacetada", que está "profundamente enraizada na cultura clerical", assim como na cultura mais ampla da Igreja Católica. Entre as causas que contribuem para os abusos estão a natureza do sacerdócio; a estrutura social da Igreja institucional como uma monarquia; e uma estrutura sacramental que muitas vezes coloca os leigos "em uma relação passivo-dependente com o clero".
Além de dar "prioridade máxima para se ir ao encontro e curar as vítimas de abuso sexual", mais do que discursos e decretos, ele disse que os bispos deveriam "reconhecer publicamente que os predadores sexuais foram protegidos e permitidos por bispos, arcebispos e cardeais, e que esse comportamento criminoso é tão ruim ou pior do que os atos individuais de abuso sexual". As autoridades da Igreja também deveriam procurar "entender e apreciar a natureza complexa da devastação espiritual causada pela violação sexual por parte do clero".
Saunders disse que as outras pessoas presentes na reunião viram Doyle como uma voz poderosa que "viu a disfunção a partir de dentro do sistema". Ele disse que Doyle "foi calorosamente recebido e muito apreciado".
Saunders disse acreditar que a comissão papal pode representar um passo novo e positivo para lidar com os abusos sexuais do clero.
"Eu vivo com uma esperança perpétua", disse, acrescentando que, em um encontro pessoal com o Papa Francisco no ano passado, "ele pessoalmente me pareceu disposto de forma genuína a querer se envolver".
A comissão inteira se reunirá novamente em outubro próximo, em Roma.
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Frei dominicano dos EUA se reúne com membros da comissão pontifícia sobre abusos sexuais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU