15 Julho 2015
Quando os grandes mestres vão embora, o mais bonito sempre é ouvir novamente a sua palavra. Assim, queremos recordar o frei Arturo Paoli – Irmãozinho de Jesus, grande testemunha do século XX, que faleceu nessa segunda-feira, 13 de julho, em Lucca, Itália, aos 102 anos – com um trecho da uma reflexão sua proposta há apenas três anos, durante um encontro com os amigos da associação Viandanti. É um pensamento que começa a partir dos anos vividos pelo frei Arturo no deserto da Argélia, nas pegadas de Charles de Foucauld.
A reflexão foi publicada no sítio Vino Nuovo, 14-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O caminho no deserto ocorria desta maneira: começava-se de manhã, às 9h, mais ou menos, depois do café da manhã, e enchiam-se os bolsos de tâmaras. Não são muito boas, porque a areia gruda nelas, mas as tâmaras são um alimento completo e se comem caminhando. Quando você tem sede, a tâmara tira a sede, muito.
Faziam-se, em média, 40 quilômetros por dia, até chegar a Béni Abbès, onde começou a vida de Charles de Foucauld, depois da conversão. O primeiro lugar para onde ele voltou como sacerdote foi justamente Béni Abbès, onde ainda temos uma fraternidade.
Então, posso dizer que a minha conversão ocorreu desta maneira. Todas as noites e todas as manhãs, quando se colocava a carga sobre os camelos – que eram diversos, porque éramos muitos irmãos –, quando se preparavam os camelos, para montar a sela e carregar os víveres, sempre havia um camelo que fugia, que se recusava e fugia.
Então, o cameleiro nos avisou para não gritar, para não correr atrás. Esse camelo ficava todo o dia por conta própria e, perto do pôr do sol, voltava a se aproximar da caravana. Então, o cameleiro se colocava ao seu lado a cantar o Alcorão, e o camelo, na manhã seguinte, se deixava acariciar por primeiro, enquanto um outro ia embora, fugia.
Praticamente, essa é como que a representação daquilo que acontecia em mim, porque eu sentia que, pouco a pouco, a fé voltava. Então, entendi que o meu erro era o de acreditar que é você que ama a Deus.
Ninguém pode amar a Deus, que é infinito. Ao contrário, é Deus que ama você, porque Ele não se deixa amar, Ele não precisa disso. Seria como se você levasse um copo d'água a um rio para enriquecê-lo com água. É a mesma coisa. É como se eu fosse ao Serchio [rio da Toscana] para levar este copo d'água e dissesse que trouxe água para o rio e que esse rio corre porque eu lhe trouxe a água.
É a mesma coisa quando se diz "eu amo a Deus" ou "ame a Deus como a si mesmo". É Deus que ama você, foi Deus que criou você, é Deus que quer que você deixe que Ele te ame. Às vezes, ele ama você com decisões que não agradam você, mas sempre há uma pequena luz que faz com que você entenda que talvez, a partir dessa doença, dessa traição, desse fracasso, talvez, nasça algo novo, algo a mais...
Eu acredito que a crise da Igreja é um pouco a do "demais", a de esperar, através de iniciativas, esforços, novidades, que se possa renovar a fé. Esse é um fazer curioso. Essas coisas não fazem senão acrescer, aumentar a nossa autossuficiência.
Diz-se: "Vejam, fui a Lourdes para me abastecer de fé, fiz isso, fiz aquilo para me abastecer de fé. Aconselho você a ir, para ter mais fé etc.". Ao contrário, deveríamos ficar tranquilos, sozinhos, e dizer: "Senhor, dá-me a fé, Senhor ama-me".
O que falta hoje não são as iniciativas, mas são experiências, isto é, dizer: "Você está errando de posição, está errando de método". É uma falta de método. Até mesmo os padres, quando vão à igreja e se perguntam o que podem fazer: "Talvez se eu colocar música...".
Eu digo isso na igreja: não é que nós amamos a Deus, mas Deus ama a nós, nós devemos nos deixar amar por Ele. É preciso entender isso a partir de dentro. Não é um conceito, é uma experiência que vem de dentro. De fato, em todos os escritos ascéticos, fala-se disso. Em Santa Teresa, em São João da Cruz etc. Não há nenhum que se desgarre disso. Todos falam do período passivo, da noite do espírito, da perda de fé, da fé que escapou das mãos. Todos. E depois vem o êxtase do amor de Deus.
Ora, é bom ter as iniciativas para nos mantermos vivos, mas é preciso se colocar, até certo ponto, em uma condição de não protestar contra Ele. "Tu quiseste punir o meu coração, quiseste que eu realmente me abandonasse a Ti, que eu acreditasse em Ti, em Ti que és a onipotência e não precisas de nada". Eis: deixar-se amar.
Pensem na parábola do filho pródigo, que é uma parábola estupenda. Alguns dizem que é o pai que perdoa. É o pai que se converte, porque, em certo sentido, ele se deixa amar.
A relação entre pai e filho era a justa. O pai dava a cada um o que lhe competia, a coisa certa, mas eis que essa relação passa da justiça ao amor. Porque finalmente o filho reconhece: "Mas eu não posso dar ao meu pai nada, não lhe peço um bom trabalho, mas apenas poder ficar para limpar o estábulo".
E o pai, ele também, é um convertido, porque, finalmente, o filho o coloca em condições de poder amá-lo. Em certo sentido, também é Deus que se converte, porque essa pessoa não é uma pessoa pecadora e dissoluta. Fez o que podia, pobrezinho. Quando o filho não acredita mais, ele tem o direito de ser amado pelo pai e descobre que, ao contrário, o pai o ama justamente porque ele se tornou nada, convencido de não poder fazer nada.
De fato, ele diz ao pai: "Eu não pretendo trabalhar, coloque-me no estábulo, no último lugar". Eis, aí está a conversão, mas também é a conversão do pai: "Oh, finalmente posso amar este filho! Que se deixa amar! Que precisa de mim".
E ele também se converte, porque, antes, a relação era como entre senhor e servo, e agora não é mais. Torna-se terna como uma criança. Nem sequer serve pedir desculpas ao seu papai, nada, nada. Convertem-se, ambos.
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A parábola do pai que se converte. Artigo de Arturo Paoli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU