15 Junho 2015
Processos penais e sanções por parte do papado contra bispos não faltaram ao longo dos séculos, também por motivos ligados ao comportamento pessoal deste ou daquele bispo.
O comentário é do historiador italiano Agostino Paravicini Bagliani, professor da Università Vita-Salute San Raffaele, de Milão, ex-scriptor da Biblioteca Apostólica Vaticana e ex-professor da Escola Vaticana de Paleografia, Diplomática e Arquivística.
O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 12-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A decisão do Papa Francisco de considerar como crime canônico "o abuso de ofício episcopal", que consiste em não dar prosseguimento adequado, por parte dos bispos, das denúncias de abusos de eclesiásticos contra menores e pessoas frágeis foi saudada pela imprensa de todo o mundo como uma novidade de grandíssimo relevo.
A novidade também é importante historicamente, porque, pela primeira vez, um "tribunal" vaticano – ou seja, uma seção específica da Congregação para a Doutrina da Fé – é chamado a desempenhar funções judiciais exclusivamente em relação a bispos.
A Congregação para a Doutrina da Fé – mais conhecida ao público como Santo Ofício, nome que foi abandonado por Paulo VI em 1965 – já tinha anteriormente a possibilidade de abrir processos contra os membros da hierarquia eclesiásticas e, portanto, também contra bispos, reduzindo-os, por exemplo, ao estado secular ou emitindo outras sanções.
Recentemente, o Papa Francisco destituiu um bispo da Opus Dei, Rogelio Ricardo Livieres Plano. Tratava-se, porém, de decisões tomada com base em procedimentos comuns.
O Papa Francisco, ao contrário, inova instituindo um "tribunal" específico para resolver um problema que afeta a credibilidade da Igreja Católica e que exige procedimentos extraordinários.
Processos penais e sanções por parte do papado contra bispos, no entanto, não faltaram ao longo dos séculos, também por motivos ligados ao comportamento pessoal deste ou daquele bispo.
Apenas um exemplo. Uma carta do Papa Nicolau I (858-867), do ano de 864, ficou célebre como o mais antigo documento papal contra a caça. O papa foi informado de que um bispo da província eclesiástica de Salzburgo, Lanfredo, era dedicado à caça, que o papa define sem meios termos como um "vício".
Mas o que preocupava o papa também era o comportamento desse bispo em relação a "uma filha sua", com a qual ele "mantém uma imoderada familiaridade". O jovem bispo, diz ainda o papa, "foi advertido", mas "de modo algum penalizado", e portanto ordena ao arcebispo de Salzburgo que convoque um sínodo provincial para forçar Lanfredo a se abster "da caça de todas as feras e pássaros", e de "toda familiaridade imoderada com a sua filha".
Uma grande novidade ocorreu com Inocêncio III (1198-1216), que permitiu que os bispos fossem denunciados à Sé Apostólica. Apenas durante o século XIII foram abertos mais de 500 processos contra bispos, denunciados principalmente por motivos ligados ao exercício das suas funções ou por lutas políticas ocultas.
Justamente naquele século que foi instituída a Penitenciaria – que existe ainda hoje – com a tarefa de proceder o exame de delitos cuja absolvição era reservada ao pontífice romano.
Nos registros dos Arquivos da Penitenciaria, abertos recentemente à consulta, encontram-se inúmeras infracções ligadas à heresia e à lesa majestade papal, mas também violações de clausura de mosteiros femininos e assim por diante.
Por longos séculos, o papado também se serviu de uma cerimônia, que se celebrava todos os anos na Quinta-feira Santa – do século XV em diante, na sacada da basílica vaticana –, voltada a excomungar os rebeldes da Igreja. Inúmeros eram bispos envolvidos nesses processos rituais, motivados principalmente por problemas de natureza política, distantes anos-luz daqueles contra os quais Francisco intervém.
Com uma decisão que inova não só no plano judicial, mas que, ao mesmo tempo, também põe fim àquele manto de silêncio que, tradicionalmente, caía sobre a operação das hierarquias eclesiásticas na luta contra abusos de eclesiásticos contra menores.
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O longo processo contra os abusos. Artigo de Agostino Paravicini Bagliani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU