01 Junho 2015
“A mudança indicada é a mudança de um antropocentrismo explorador para um biocentrismo participativo. Esta mudança requer algo além do ambientalismo, que permanece sendo antropocêntrico enquanto tenta limitar os efeitos deletérios da presença humana no meio ambiente”, escreve Dave Pruett, ex-pesquisador da NASA, professor emérito de Matemática da James Madison University, Virgínia (EUA), publicado por The Huffington Post, 28-05-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Segundo ele, "a ecologia integral também reverte os atuais paradigmas econômicos, seja o capitalista ou o socialista. Ela concebe uma esfera econômica que serve às necessidades legítimas de indivíduos e sociedades em vez de explorá-los para servir às necessidades artificiais da economia. E ela exige que a economia respeite os limites finitos do mundo natural".
Eis o artigo.
“A era das nações já passou.
A tarefa diante de nós agora,
se não perecermos,
é construir a Terra”
Teilhard de Chardin
Há um novo termo sendo citado com frequência, e é chegada a hora de lhe darmos atenção: ecologia integral.
Sempre que uma mesma noção surge sincronicamente em variados contextos – neste caso, a Igreja Católica, o movimento Occupy, o movimento pelo clima, o movimento pela nova economia –, vemo-nos diante de uma ideia que chegou para ficar.
Correm rumores de que a ecologia integral é o tema central da encíclica sobre a ecologia e o clima do Papa Francisco, a ser publicada nos próximos meses. Encíclicas, “o nível mais alto e o mais abrangente de ensinamento da Igreja Católica”, são os instrumentos principais pelos quais a Igreja aconselha o seu 1,2 bilhão de membros sobre questões morais prementes.
A eminente encíclica já gerou um considerável impacto na mídia, grande parte do qual pode ser seguido no sítio eletrônico do Fórum Yale sobre Religião e Ecologia (Yale Forum on Religion and Ecology). Além disso, a “Teilhard Perspectives”, publicação semestral da American Teilhard Association – ATA, dedicou a sua mais recente edição traçar um histórico e fazer uma análise sobre a ecologia integral. (Aos não familiarizados, Teilhard de Chardin, 1881-1955, cuja citação abre este ensaio, foi um sacerdote e paleontólogo jesuíta cuja influência sobre o pensamento cristão só fica atrás, segundo alguns, do de São Paulo.) O artigo principal, escrito pelo presidente da ATA John Grim, merece ser lido em sua inteireza. Aqui, faço um resumo do texto e apresento algumas perspectivas e citações complementares.
A ecologia integral começa com o reconhecimento de que a humanidade, hoje, enfrenta uma crise existencial em múltiplas frentes: a disparidade econômica extrema, o aumento da competição por recursos (incluindo a terra e a água), um mundo natural severamente degradado, Estados-nação falidos e um clima à beira de sair do controle.
O “integral” no termo ecologia integral é a novidade. Ele aponta que estas crises não são independentes, mas que estão intimamente entrelaçadas. Eis como Grim diz isso:
“[...] Provavelmente Francisco vá trazer as questões de justiça social e desigualdade econômica relacionando-as com o nosso crescente entendimento das mudanças climáticas globais e do trauma ambiental [...] Ainda que a análise econômica não seja a pauta central de sua encíclica, parece que Francisco vai considerar quanto o crescimento impiedoso através de investimento de capital afeta tanto os pobres quanto a saúde da vida biológica planetária. Embora discussões sobre a justiça social venham sendo robustas nos contextos católico e cristão há séculos, esta encíclica marca a primeira vez que se põe em relação estreita a justiça social e ecológica”.
Em seu manifesto ambiental, intitulado “This Changes Everything: Capitalism vs. The Climate” (ainda sem tradução no Brasil), Naomi Klein afirma sem rodeios:
“As mudanças climáticas não são uma ‘questão’ a se acrescentar à lista de coisas sobre as quais devemos nos preocuparmos, ao lado da assistência à saúde e dos impostos. As mudanças climáticas são um chamado ao despertar civilizacional”.
Como Francisco, Klein conecta os pontos. “[Abordar com eficácia as mudanças climáticas] significa continuamente estabelecer conexões entre lutas aparentemente díspares – dizendo, por exemplo, que a lógica que reduziria as pensões, os vales-refeição, a assistência à saúde antes de aumentar os impostos sobre os ricos é a mesma lógica que explodiria o alicerce da terra para se tirar os últimos vapores de gás e as últimas gotas de petróleo antes de se mudar para as energias renováveis”.
Como nós, humanos, permitimos que o nosso lar planetário caísse em um estado degradado assim? Além das falhas existentes em nós mesmos – a principal sendo a ganância –, nós humanos temos operado a partir de uma economia falha e de uma teologia também falha. Quanto a esta última, Klein cita o jornalista Thomas Sancton:
"Em muitas sociedades pagãs, a terra era vista como uma mãe, uma doadora fértil de vida. A natureza – o solo, as florestas, os mares – era dotada de divindade, e os mortais estavam subordinados a ela. A tradição judaico-cristã introduziu um conceito radicalmente diferente. A terra era a criação de um Deus monoteísta que, depois de moldá-la, ordenou a seus habitantes, nas palavras do Livro de Gênesis: “Sejam fecundos, multipliquem-se, encham e submetam a terra; dominem os peixes do mar, as aves do céu e todos os seres vivos que rastejam sobre a terra”. Poder-se-ia interpretar a ideia de dominação como um convite a usar a natureza como uma conveniência".
A encíclica de Francisco tentará realinhar tanto a nossa economia quanto a nossa teologia para catalisar um futuro mais viável. Ao assim proceder, Francisco não está inventando coisas. Como o artigo de Grim revela, de maneira surpreendente, Francisco está se baseando em insights de seus predecessores.
Em uma encíclica de 1891, afirma Grim, o “Papa Leão XIII reafirmou enfaticamente a ‘condição dos operários’ em que a mão de obra deles havia se tornado uma mera commodity em um ambiente econômico que dava primazia ao livre mercado e à exploração desregulada de trabalhadores”.
De forma parecida, o Papa João Paulo II abordou o “erro fundamental do socialismo” como a sua desvalorização do indivíduo. Embora reafirmando a dignidade do trabalho e dos trabalhadores, ele estabeleceu que os indivíduos possuem um valor independente de suas contribuições na esfera da econômica.
O predecessor imediato de Francisco, o Papa Bento XVI, reconheceu que a natureza deveria desfrutar do mesmo valor intrínseco que os seus predecessores haviam concedido aos indivíduos. “O ambiente natural não é apenas matéria de que dispor a nosso bel-prazer, mas obra admirável do Criador, contendo nela uma ‘gramática’ que indica finalidades e critérios para uma utilização sapiente, não instrumental nem arbitrária. Advêm, hoje, muitos danos ao desenvolvimento precisamente destas concepções deformadas”.
A ecologia integral revisa a relação entre os seres humanos e o mundo natural. Ela reconhece o humano como integral à natureza, em vez de ter a natureza como estando sujeita à dominação humana. Nas palavras do Pe. Thomas Berry (1914-2009), herdeiro aparente de Teilhard: “A mudança indicada é a mudança de um antropocentrismo explorador para um biocentrismo participativo. Esta mudança requer algo além do ambientalismo, que permanece sendo antropocêntrico enquanto tenta limitar os efeitos deletérios da presença humana no meio ambiente”.
A ecologia integral também reverte os atuais paradigmas econômicos, seja o capitalista ou o socialista. Ela concebe uma esfera econômica que serve às necessidades legítimas de indivíduos e sociedades em vez de explorá-los para servir às necessidades artificiais da economia. E ela exige que a economia respeite os limites finitos do mundo natural.
De pessoas de dentro do Vaticano, já sabemos as linhas gerais da ecologia integral. Uma destas pessoas é o Cardeal Turkson, ex-arcebispo de Gana e atual presidente do Conselho Pontifício “Justiça e Paz”. Turkson estabelece quatro princípios que sustentam a ecologia integral, resumidas por Grim:
1. O chamado a todos os povos para serem os protetores do meio ambiente é integral e abarca o todo.
2. O cuidado da criação é uma virtude em si mesma.
3. É necessário cuidar daquilo que estimamos e reverenciamos.
4. Uma nova solidariedade mundial é um valor central para orientar a nossa busca pelo bem comum.
Em suma, o Papa Francisco irá chamar a todos para uma revolução, não uma revolução violenta, mas de “ternura, uma revolução do coração”. Esta ternura de solidariedade deveria não só se estender aos pobres da terra como também à própria terra. Ambos vêm sendo explorados. Ambos bem sendo degradados. “Num tal momento”, intuiu Berry, “uma nova experiência revolucionária será necessária, uma experiência na qual a consciência humana se desperta para a grandeza e a qualidade sagrada do processo da terra”.
Os destinos de todos os povos estão ligados, e estão ligados em última instância ao destino da terra. O que se sucede à terra sucede a nós todos.
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A ecologia integral do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU